Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Banda larga, as responsabilidades das operadoras

A implantação do Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) deve combinar o interesse público no oferecimento do serviço com a criação de uma infraestrutura de acesso. Para o FNDC, é preciso propor uma agenda democrática, apoiada em políticas públicas de comunicação que imponham às operadoras responsabilidades e contrapartidas sociais. Essa concepção sobre o PNBL norteou as contribuições da entidade no segundo encontro do Fórum Brasil Conectado (FBC). Como ficou flagrante no encontro, as empresas não querem ver a Telebrás atendendo diretamente ao usuário, embora não implementem o serviço em regiões de baixa densidade demográfica. Para as operadoras, o Estado deve oferecer a infraestrutura, enquanto elas decidem a quem oferecer o serviço.

Instância criada para acompanhar, discutir e propor ações e diretrizes ao Programa Nacional de Banda Larga, o FBC realizou seu segundo encontro entre os dias 24 e 26 de agosto, em Brasília. O FBC é composto por 60 entidades (veja lista completa). Durante o evento, organizado pelo Comitê Gestor do Programa de Inclusão Digital (CGPID), foram divulgadas as 100 primeiras cidades que integrarão o Programa (leia aqui). O encontro foi aberto pelo ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra (confira aqui).

Segundo o jornalista Juliano Carvalho, representante do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) no FBC, as reuniões foram norteadas por dois eixos centrais. O primeiro diz respeito à implementação e a forma como a Telebrás deveria oferecer o serviço de banda larga. O segundo aborda as condições de infraestrutura e de oferta que devem pautar o Plano.

O debate foi organizado a partir de 11 sessões temáticas propostas pelo Governo Federal (saiba mais). Confira aqui as proposições iniciais do FNDC para cada tema. O relatório do encontro será divulgado em breve.

Além de Juliano Carvalho, a representação do FNDC no 2º FBC foi constituída pelos coordenadores executivos do FNDC José Luiz Nascimento Sóter, coordenador-geral da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) e Roseli Goffman, do Conselho Federal de Psicologia (CFP); por Chico Pereira, diretor da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (Fitert); pelo engenheiro Marcos Manhães; pela jornalista Paula Brandão, da Central Única dos Trabalhadores (CUT); e pela psicóloga Sueli Schiavo, do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. O secretário-executivo do FNDC, Pedro Luiz S. Osório, também integrou a representação.

Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital: Informação e Conhecimento (mestrado profissional), docente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Midiática (mestrado acadêmico) e do Curso de Jornalismo, líder do Lecotec (Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Juliano Carvalho é doutor em Comunicação Social (Unesp), membro da Comissão Assessora da Área de Comunicação Social do Inep-MEC, diretor do Fórum Nacional de Professores de Jornalismo (FNPJ) e conselheiro do FNDC. Nesta edição do e-Fórum, Carvalho avalia o encontro, a participação do FNDC e as implicações do Programa Nacional de Banda Larga para a sociedade brasileira. A entrevista foi concedida por telefone.

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Você ganha aqui e perde lá

e-Fórum – Quais as contribuições do 2º Fórum Brasil Conectado para o PNBL?

Juliano Carvalho – Várias contribuições importantes. Eu destacaria a seguinte discussão: a internet deve ser levada na última milha, ou seja, ao usuário – a internet que nós estamos falando está dentro do Programa Nacional de Banda Larga, portanto, uma internet subsidiada pelo governo para atingir um brasileiro que não tem conectividade com a rede. Conforme a proposta inicial do governo, com recebimento a 500kb/s [conforme dados publicados no CGI.br um acesso razoável à internet exige no mínimo 1 Mb/s, o dobro do oferecido pelo governo] e a um custo de R$ 10,00. O Programa Nacional de Banda Larga – e o FNDC interveio muito nesse sentido – deve criar todas as condições para debater com as empresas, abordando temas como a renúncia fiscal, a substituição tributária, desde que o serviço dessas empresas atinja de fato quem está na ponta com uma internet que não seja de terceira categoria.

Nós não divergimos da proposta do Governo no sentido de que não podem ser um ponto de partida essas configurações de velocidade, latência [representa a expressão do tempo necessário para um pacote de dados ir de um ponto para outro, é também conhecida como ‘atraso’], de configuração de rede. Mas o FNDC teve uma postura enfática ao afirmar que só há razão para haver substituição tributária, 100% de isenção no PIS/Cofins e de IPI para modem, e assim por diante, se as empresas de fato abandonarem a estratégia que elas vêm adotando desde o processo de privatização.

Que estratégia as empresas adotaram?

J.C. – Nós não temos internet no país todo por um problema de infraestrutura, e sim porque as prestadoras da área de telecomunicações móvel ou fixa no Brasil só querem frequentar o filé mignon e não onde tem o osso, e eu usei exatamente essa metáfora. Nós compreendemos que todo mundo quer vender em São Paulo, eu quero perguntar é quem quer vender nas regiões rurais, regiões que têm baixa densidade demográfica e onde o investimento é, em tese, deficitário. Aí você tem um mecanismo de contrapartida, você ganha aqui e você perde lá. O que é um pouco diferente da proposta que as operadoras defenderam. Esse foi um momento de muita divergência.

Temos um dos custos de telefonia mais altos do mundo

Como as prestadoras se posicionam?

J.C. – Elas (as empresas) precisam do backbone [infraestrutura principal, ou ‘espinha dorsal’, pela qual o tráfego de dados e voz é transmitido por toda a extensão da rede], precisam do anel de rede que faça a grande ligação Brasil, que hoje praticamente é feita pela Embratel, desde a privatização. E não estão amando a ideia de o governo brasileiro disponibilizar as fibras da Eletronet, da Telebrás, da Petrobrás, ou seja, de o governo criar as condições de fazer esse grande backbone. E aí, obviamente, o passo seguinte ao backbone é criar os backhauls [estrutura para a conexão em banda larga que interliga as redes de acesso ao backbone da operadora], que são as centrais distribuidoras nas cidades, nas regiões, ou nos municípios sedes.

Todo mundo quer que o governo primeiro ofereça o backbone porque cria competitividade com a Embratel e com os prestadores que já oferecem backbone no Brasil. Pois muitas operadoras, algumas pequenas, não conseguem se ligar a outras regiões do país e não conseguem levar internet e não conseguem acessar a essas áreas. Esse é o problema principal para implantar uma grande rede nacional. Para isso as empresas querem a Telebrás e querem o governo atuando com condições isonômicas, para haver competitividade e baixar o custo da infraestrutura de rede geral. Quando chega na montagem do backhaul, também querem a Telebrás, mas a querem em regiões onde eles não estejam ou em regiões deficitárias. Só que da ponta do backhaul para a frente, para chegar na porta do usuário final as empresas não querem a Telebrás, e falaram isso várias vezes.

Qual foi a posição defendida pelo FNDC?

J.C. – É diferente da posição das operadoras. Nós não estamos propondo a reestatização do sistema de telecomunicações e a nossa representação lá no encontro foi enfática nesse sentido também. A privatização melhorou o serviço? Melhorou, mas a privatização não transformou o custo do serviço de operados de telecomunicações fixo e móvel, no Brasil, em um custo barato. Nós temos um dos custos mais altos do mundo e o Programa Nacional de Banda Larga pode nos ajudar a equalizar esse problema. Um exemplo que eu usei é a questão da telefonia celular. A competição não faz com que a tarifa caia, é só ver os índices de lucratividade que a área tem no Brasil. Esse é foi fator que também se manifestou muito fortemente nos debates.

Uma política de serviços agregada à rede

Como foi abordada a combinação entre conteúdos e serviços?

J.C. – Vamos nos debruçar mais sobre esse aspecto no próximo encontro do Fórum, em outubro. Mas já tivemos uma frente de discussão na sessão sobre os indicadores sociais que a rede Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] vai construir. Ela vai trabalhar com vários indicadores cruzados para perceber tanto dados que já são mais de domínio público, como quantas cidades têm internet, quantas pessoas usam, qual é o tempo de uso e outros indicadores mais setoriais.

Mas a intenção principal, e isto foi defendido pelo FNDC, é saber, por exemplo, qual pode ser o impacto da implantação da banda larga em determinadas regiões, como é que se pode aferir o nível de empregabilidade em decorrência disso, que leituras você pode fazer de impacto na saúde pelo tempo à frente do computador, como isso pode ser um elemento facilitador ou limitador para o processo de ensino aprendizagem, como será possível fazer um cruzamento entre a introdução da banda larga em larga escala em relação à educação fundamental e no ensino médio brasileiro.

Para o FNDC só tem sentido montar essa estrutura se a geração de conteúdo, no acesso, levar ao desenvolvimento, ao estímulo do governo a arranjos produtivos locais. Falando de outra maneira: só faz sentido levar internet a alguns lugares em que as pessoas, ao terem acesso nas comunidades – possam utilizar essa ferramenta para ter acesso à cultura e ao conhecimento, ganhar dinheiro, gerar renda, obter sustentabilidade – seja em um projeto com ou sem fim lucrativos, seja no nível individual.

A questão-chave dos indicadores, então, refere-se à mensuração do impacto?

J.C. – Exato. Qual será o impacto da banda larga para o Brasil? Nós vamos começar a construir esses índices agora, para daqui a dez anos mensurar isso em várias frentes, e não só para saber quantas pessoas acessam, porque isso é fácil de ser mensurado.

E o segundo aspecto dessa área é o que se espera dos serviços e do conteúdo que vai ser desenvolvido. Mesmo sendo objeto das próximas sessões, isso apareceu em vários momentos com uma fala do FNDC, e de outras entidades do governo, muito parecida com aquela que nós fizemos também na TV a cabo: de novo estamos pensando na casa que as pessoas irão morar e não estamos perguntando que casa o morador necessita para viver.

Nós estamos preocupados se vamos levar internet de 500 kb/s, a R$ 10,00, se vamos se montar um backbone, se ele vai ter uma contrapartida das empresas – sem compreender melhor que expectativas a população tem. E mais do que isso, que conteúdos vão trafegar nessa rede pensados pelo Estado, estimulados pela iniciativa privada, fomentados pela sociedade brasileira, para que eles sejam mesmo um instrumento alavancador de cidadania e não representem simplesmente a troca da lan house pela internet em casa. Porque, num olhar curto, parece que a gente só quer tirar as pessoas que gastam de R$ 50,00 a R$ 100,00 por mês em lan house, para pagar R$ 10,00 em casa. É um avanço? Do ponto de vista econômico, indiscutível. É também do ponto de vista cultural e educacional? É, mas pouco mensurável. Se não tivermos uma política de serviços agregada à rede e uma política de conteúdo para estimular determinadas coisas, só estaremos substituindo a ponta da conexão, e não apresentaremos uma alternativa na dimensão que um serviço desse porte pode oferecer.

Outro ator social e coletivo

O governo está atento às contribuições da sociedade civil para PNBL?

J.C. – Eu penso que sim. Talvez o governo não estivesse preparado para que a sociedade civil não empresarial fosse lá e fizesse intervenções colocando a agenda social nos debates. Nós insistimos muito nisso. Nós só estamos tirando dinheiro do Estado, estamos fazendo renúncia fiscal, o governo vai montar uma estrutura de telecomunicações da qual ele já havia se retirado, vai fazer de tudo, por quê? Qual é o diagnóstico? Porque as empresas não fizeram. Estamos em 2010 e não temos o país todo conectado, e vamos ter Copa do Mundo, Olimpíadas, uma série de demandas de informação e comunicação. É preciso oferecer estrutura para a população e nós temos um serviço de telecomunicações muito caro.

Para isso tudo, o FNDC teve intervenções muito apropriadas, questionando: qual é a finalidade social disso, para além da econômica?

Historicamente, o FNDC propõe a criação da Organização Nacional dos Serviços Digitais (ONSD). Como ela pode ser associada o PNBL?

J.C. – A ONSD que propomos é uma entidade pública não-governamental que organize os serviços digitais e o gerenciamento da infraestrutura de redes nas tecnologias existentes e nas futuras. Essa organização tem como base o conceito de rede pública e única (saiba mais aqui).

Eu penso que o governo, quando fala de rede nacional, até trabalha com o ente chamado de operador de rede dos sistemas digitais, vamos dizer assim. A nossa proposta representa mais do que uma instância agregadora de empresas, que parece ser a proposta das operadoras. A nossa sugestão é um ente que pudesse funcionar não como uma agência reguladora nos moldes da Anatel, mas com funções de fiscalização e acompanhamento da implantação dos serviços digitais no Brasil.

O princípio da rede única, que originalmente está presente nosso conceito de ONSD, pode não ser aplicável por uma questão técnica, mas o conceito de rede pública sim. E, além disso, o conceito contempla a ideia de uma entidade que tenha a participação da sociedade, envolvendo todos os atores para acompanhar e fiscalizar. No entendimento do FNDC, a Anatel, mesmo sendo o órgão regulador da área das telecomunicações, não tem condições de executar essa tarefa e já tem demonstrado isso. Então, nós temos que pensar em outro ator social e coletivo que pudesse desenvolver o Programa nesse novo contexto.

Arbitrar eventuais conflitos dos prestadores

Quais são, ou serão, os principais desafios para a implementação do PNBL?

J.C. – Há o desafio o econômico. Criar toda essa infraestrutura para estar em locais distantes dos centros, atendendo públicos que estão à margem, em regiões pouco ou nada lucrativas é um impedimento significativo.

Mas o mais complicado é equalizar o interesse social, o interesse público no oferecimento desse serviço, de modo que se consiga mensurar o binômio conteúdo e serviços versus infraestrutura de acesso. Acho que a maior dificuldade é essa, para que não tenhamos uma grande condição de acesso, uma rede montada, e depois tenhamos uma dificuldade de compensar e potencializar o oferecimento desse serviço. E essas coisas devem andar juntas.

Teria uma outra dificuldade que ainda não está clara, e vai depender muito da posição do governo, mas que pode se confirmar. Me refiro ao cenário que mencionei antes, no qual as entidade empresariais não têm interesse nenhum na presença do Estado – leia-se Telebrás – na última milha, ou seja, no contato direto com o usuário. Isso vai depender de muita vontade política e de uma briga que eu não sei se o governo está disposto a comprar.

Qual é a importância da Telebrás para o Plano?

J.C. – Neste momento ela é fundamental. Primeiro, porque o Estado brasileiro, nas suas empresas estatais, tem uma infraestrutura para ligar – ou, usando uma expressão do setor, iluminar – fibras ópticas que já estão de alguma maneira conectadas, indo do Nordeste para a região Sudeste do Brasil, atingindo um percentual significativo de cidades brasileiras. Se somarmos isso às redes que o governo tem, e à sua necessidade de interligar órgãos federais em rede, imagine o reflexo disso em outros órgãos municipais, estaduais, nas cidades digitais, entre outras possibilidades. Há condições de ter uma cobertura majoritária do território nacional, em matéria de infraestrutura.

Mas para tanto é preciso operar, criar as conexões, condições de iluminar essa rede, de ter pessoal técnico especializado, e criar uma possibilidade de arbitrar eventuais conflitos dos prestadores, dos interesses que estão na ponta. Isso cabe ao governo e a Telebrás tem condições de fazer isso.