Não é de hoje que muitos afirmam ser imprescindível a universalização do acesso à banda larga. Universalizar significa garantir a todos os cidadãos – independente das condições econômicas ou localização geográfica – os recursos necessários para o acesso à internet, o que inclui computadores, conexões com velocidades decentes e, também, o conhecimento necessário para a utilização do pleno potencial da tecnologia.
O tema voltou às capas dos jornais e portais eletrônicos na última semana. Primeiro, em função da publicação do regulamento para a oferta de internet pela rede elétrica. Segundo, porque o presidente Lula determinou aos seus auxiliares a elaboração de um plano para ampliar o uso pelos brasileiros da rede mundial de computadores.
São boas notícias, mas recomenda-se analisar os fatos com prudência. Assim, evitam-se ilusões e criam-se condições para melhorar as propostas atualmente em debate.
Ferramenta diária
A oferta de internet pela rede elétrica tem um inegável potencial. Afinal, a capilaridade das redes elétricas é maior do que a das redes das concessionárias de telecomunicações (Oi/Brasil Telecom, Telefônica e Embratel). Além de maior penetração, o uso da rede elétrica poderia ser um forte estímulo à competição na prestação do serviço, hoje monopolizado pelas concessionárias de telefonia fixa – à exceção dos bairros mais ricos dos grandes centros urbanos, onde existe a concorrência das operadoras de TV a cabo – que se aproveitam dessa situação para abusar dos direitos dos consumidores.
A internet pela rede de energia elétrica, além de ser tecnicamente complexa em função das interferências entre os dois tipos de sinal, carece de um desenho regulatório favorável, que faça com que a exploração seja economicamente viável para quem fornece e acessível para quem consome.
Até agora, esse não parece ser o caso. Não à toa, o próprio governo admite que o uso da rede elétrica para a oferta de internet não deve se tornar uma realidade nos próximos anos. Falta vontade política para enfrentar os interesses dos grandes grupos de telecomunicações, que não querem nem pensar em novos concorrentes de peso.
Já o Plano Nacional de Banda Larga, nome dado ao projeto em gestação no governo federal, é iniciativa das mais importantes, embora muito – muito mesmo – tardia. Até há alguns meses, o governo parecia convencido que a massificação do acesso à internet poderia ocorrer pelas mãos do mercado. Mas aconteceu o óbvio: o acesso cresceu e continua a crescer devagar-devagarinho, com velocidades de conexão mais lentas ainda, que na maioria das vezes sequer poderiam ser consideradas ‘banda larga’ caso fossem utilizados como referência os padrões internacionais.
O mercado, como sempre foi e sempre será, busca instalar-se onde há renda. Onde não há renda, não existe mercado. E não esqueçamos que quase 50% da população brasileira ainda pertencem às classes D e E, uma barreira colossal para qualquer serviço com preços e tarifas definidos livremente pelas empresas, como é atualmente o caso.
Por isso, o plano em gestação é uma ótima notícia: a importância que essa nova forma de relacionamento com o mundo adquire para os diversos aspectos da vida cultural, social e econômica, tornou a internet uma ferramenta diária para diferentes tarefas ou funções, do lazer ao trabalho. A não inclusão dos cidadãos nesse novo ambiente virtual reproduzirá ou aumentará a já inaceitável desigualdade socioeconômica existente no Brasil.
Decisão política
É preciso pensar o acesso à internet como uma decorrência dos direitos fundamentais à liberdade de expressão, à informação, à cultura e à educação. Universalizar a banda larga é um imperativo ético dos nossos tempos.
Mas, embora seja uma ótima notícia, o desenho inicial do plano é tímido: fontes confiáveis indicam que a intenção é formar uma infra-estrutura pública a partir das redes das empresas estatais (Petrobras, Furnas, Eletronet etc) para servir aos órgãos do governo federal e dos governos estaduais e municipais. Não é pouca coisa, mas também está longe de garantir o acesso universal aos milhões de brasileiros que ainda não possuem internet ou que pagam preços exorbitantes por velocidades tartarugas de conexão.
Corajoso mesmo seria (ou será) a criação de uma empresa pública para ofertar o serviço ao consumidor.
De qualquer forma, em meio às discussões para a formatação do plano, é hora da sociedade brasileira reivindicar que o Estado assuma a responsabilidade por garantir acesso residencial à internet – afinal, porque os mais pobres devem usar telecentros ou similares e os mais ricos acessar a internet em casa? –, classificando a banda larga como um serviço público essencial, com status semelhante ao da telefonia fixa e aos fornecimentos de água e energia elétrica. Como serviço público, podem ser impostas obrigações de universalização, de preços e tarifas.
Independente de possíveis variantes regulatórias, uma coisa é certa: a decisão política de universalizar o acesso à banda larga passa por assumi-la como um direito dos cidadãos e, conseqüentemente, um dever do Estado.
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Especialista em políticas de comunicação e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social