A banda larga popular busca atenuar o principal problema apontado pelos brasileiros para acessar a rede mundial de computadores: o preço. Porém o valor de R$ 35,00 no plano mensal domiciliar ainda é rejeitado por 44% da população, na maioria entre a classes C, D, E. Dessa forma, o pacote lançado pelo governo deve alterar pouco o fato de 52% do país jamais ter navegado na rede.
Os números apontados são do estudo TIC Domicílios, publicado pelo Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação (CETIC.br), que utiliza como fonte de informações o Censo Demográfico Brasileiro (Censo, 2000) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, 2009). A avaliação de que a questão econômica é predominante para exclusão digital é confirmada pelo coordenador de projetos de pesquisa do Cetic.br, Juliano Cappi. “De acordo com nossos resultados, a principal barreira é o custo, tanto no acesso ao computador, quanto à internet”.
A classe C tende a ser a aquela com maior quantidade de pessoas que se adequará a internet com assinatura mensal de R$ 35,00, anunciada no dia 30 de junho pelo governo federal. Na pesquisa, 76% dessa parcela da população não têm internet na residência e alega a falta de dinheiro como empecilho primordial, com 53%. Contudo, 61% da classe C não está disposta a pagar mais de R$ 30,00 pelo serviço. Sem internet no domicílio, as lan houses continuam a representar parcela significativa entre aqueles que acessam a rede na classe C: 41%.
Já os beneficiários do principal programa social da presidenta Dilma Rousseff, Brasil sem Miséria, continuarão em dificuldades para ter acesso à rede, mesmo com o novo pacote de R$ 35,00. Nas classes D-E a maioria tem renda familiar inferior a um salário mínimo (R$ 510,00) e 81% jamais acessou a internet. Neste segmento, 53% não demonstraram interesse em pagar qualquer valor para ter acesso à banda larga.
O estímulo do governo à internet domiciliar é compreendida de forma positiva por Juliano Cappi. “A comodidade contribui para ser usuário mais assíduo. Por mais que tenha a lan house, o acesso domiciliar, em geral, promove frequência de uso mais elevada, melhora a capacitação, impacta o uso das ferramentas e demais atividades.”
Política social
Além do valor tarifário, outro fator é apontado de forma redundante para exclusão digital no país: falta de habilidade com o computador e internet. Juliano Cappi aponta que muitos dos membros das Classes C, D e E não demonstram interesse em pagar ou utilizar centros públicos porque não têm noção da importância e/ou não tiveram mecanismos educacionais para lidar com essas tecnologias.
Já o técnico do Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) João Maria Oliveira atesta que o recente acordo firmado pelo governo dá ritmo muito confortável às empresas de telecomunicação. “Talvez seja um ritmo que não seja para a sociedade brasileira”.
Para ele, o plano de expansão deveria ser associado a questões maiores da sociedade. “O acesso à internet possibilita mais pessoas se incluindo de forma mais rápida. Deveria ser atrelado a saúde, educação, segurança. Segundo o Banco Mundial, a cada dez pontos no aumento do acesso, aumenta 1,38% do PIB”.
Juliano Cappi endossa a necessidade de articular com as políticas de educação e centro públicos de acesso. “As pessoas precisam ter noção dos perigos, problemas, responsabilidades. Ou se faz isso através da educação ou de telecentros, para as pessoas terem orientação no uso”.
Segunda categoria
A pesquisa do Cetic.br aponta que, entre aqueles que acessam a internet, os membros das classes C,D e E já utilizam menos os instrumentos oferecidos, entre os quais: governo e comércio eletrônico, lazer, comunicação e educação. Tal desnivelamento tem origem, em grande medida, nos entraves para acessar páginas que demandam maior qualidade na conexão dos usuários, já que no mesmo estudo 37% dos entrevistados afirmam ter como maior dificuldade de usar a rede o fato de ter páginas pesadas.
No pacote lançado pelo governo tais disparidades devem se perpetuar, já que o usuário terá mensalmente 1 Mbps de velocidade e download sob limite de 300 Mbps/mês na banda larga fixa e 150 Mbps/mês na móvel. O técnico do IPEA explana que isso terá impacto na utilização de ferramentas de vídeo, imagem, voz. “Quando limita [o tráfego], cria-se o usuário de segunda categoria.”
Universalização
O único serviço tratado como público nas telecomunicações, a telefonia fixa, findou recentemente um plano de universalização. Segundo João Maria, perdeu-se a oportunidade de relacionar com as metas de internet, e não há impeditivos legais. “Dizem que a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) não permite, mas onde está dizendo isso? Bastava ter adequação na regulação via Anatel. O governo tem condições de promover a modernização desse segmento”.
Ao invés de debater aumento dos orelhões ou redução das tarifas, Oliveira aponta que o Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) deveria ter uma mudança de paradigma. “Tratamos como se a voz fosse o mais importante. No nosso modelo, a voz é tarifada pelo tempo e distância, quando não deveria ser mais o parâmetro, e sim o transporte de dados, no qual voz é apenas um elemento”. Para ele, as empresas já trabalham sob essa nova lógica ao utilizar a estrutura da telefonia fixa para o transporte de dados.