Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Bia Abramo

‘Sai o samba, axé, trio electro, frevo etc. e entra o rap: nesta sexta-feira, estréia no Multishow a minissérie ‘Platinum’. Com a chancela dos Coppola -o pai, Francis Ford, que é co-produtor; e a filha, Sofia, responsável pela história original e pela produção-, é um exemplo de como a TV pode, mesmo em formatos convencionais, ir um pouco além do óbvio em termos estéticos.

A série, que foi ao ar entre abril e maio de 2003 nos EUA, foi mal de audiência e não passou dos seis capítulos. Emplacar uma atração com elenco quase que 100% negro é um desafio, mesmo numa TV mais multicultural como a norte-americana e numa emissora, a UPN, que se diferencia das demais justamente por explorar o nicho de público formado por negros jovens.

É um paradoxo da sociedade norte-americana: ao mesmo tempo em que as pressões políticas forçam a visibilidade das minorias, o racismo e o segregacionismo estão impregnados nas relações mais minúsculas.

Por outro lado, há nos EUA -e ‘Platinum’ é extremamente bem-sucedido nesse sentido- uma cultura negra diversa e com um poder de expressão e de afirmação impressionante. Centrada na figura de dois irmãos proprietários de um selo independente de hip hop, o Sweetback Records, a série é quase hiper-realista no panorama que faz desse mundo, que, ao mesmo tempo em que conserva uma ligação orgânica com o gueto e com a marginalidade, movimenta fortunas e constrói milionários do dia para a noite.

É com essa contradição entre a legitimidade do negócio hip hop e a sua necessidade de conservar os vínculos com a rua e, muitas vezes, com o crime e a violência, que a série trabalha. Claro que, com o dedo dos Coppola no meio, a guerra de poder -em ‘Platinum’, gira em torno dos contratos de dois rappers, um negro do gueto e um claramente inspirado no Eminem- assume ares glamourosos, por mais métodos sujos que utilize, e remete à saga dos Corleone.

O que torna ‘Platinum’ interessante, entretanto, é o esforço de se apropriar da linguagem dos videoclipes de rap. Não, não do jeito canhestro que se fazia nos anos 80, com câmeras tortas e edição frenética. Ao contrário, em vez de afogar o espectador em imagens desconexas, os clipes são generosos em closes, demoram-se na exibição dos personagens. Da mesma forma, na série, o ritmo de edição e montagem parecem obedecer ora à urgência do falatório indignado dos raps ora ao tempo mais lento do rhythm’n’blues e do soul.

E, por fim, o humor com que a soberba e a macheza dos rappers são tratadas fornece o elemento crítico, distanciado, sem o qual a série se confundiria, justamente, com o olhar condescendente dos videoclipes.’



TELEJORNALISMO
Marcelo Russio

‘Quando o telejornal vira picadeiro’, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 1/03/04

‘Olá, amigos. Tive a oportunidade recentemente de assistir ao ‘Edição de Notícias’, apresentado por Paulo Henrique Amorim, na Record. Confesso: tomei um dos maiores sustos de que me lembro. Ao contrário da imagem que eu tinha do Paulo Henrique Amorim, de um jornalista de postura séria e que zelava por sua ‘grife’ (conquistada com muita competência), ele mostra ter se tornado um mestre de picadeiro, fazendo gracinhas, dando risadas e apresentando as notícias com um ar jocoso e até certo ponto irritante. Mesmo o bloco de esportes, normalmente mais descontraído, deve ser apresentado com seriedade, e não com um sorrisinho no canto da boca, denotando desdém ou um ar de superioridade.

Confesso: fiquei extremamente surpreso com a mudança mostrada pelo âncora da Record. E questiono fortemente a forma com que nomes consagrados do jornalismo brasileiro acabam adotando posturas até ridículas de apresentar um telejornal puramente por uma provável necessidade de tornar o seu programa mais ‘popular’. A deterioração da qualidade do que é veiculado acaba destruindo uma imagem que foi construída ao

longo de anos de trabalho bem-feito e em um meio que prima pela qualidade, como a Globo.

Evidentemente que a forma como está sendo apresentado o programa tem um objetivo claro: atingir as camadas mais populares, que assistem na TV Record a programação religiosa e, a reboque, dão audiência aos demais programas. A minha eterna discussão é sobre o tema ‘popular tem de ser ruim?’

Já falei deste assunto algumas vezes na coluna. O que vem parecendo é que, na medida em que o tempo passa, essa tendência se acentua cada vez mais. Isso entristece quem luta pelo jornalismo de qualidade e, mais do que isso, pela qualidade na programação popular. Enquanto isso não for visto como um assunto sério, com uma função social importante, e a qual todos devemos assumir, haverá cada vez mais alienados e excluídos de informação no país.

OK, há quem diga que este é o começo, que é importante que a informação seja passada. Depois, pensa-se na qualidade. Segundo os defensores desta corrente, a gradualidade faz com que as pessoas desenvolvam lentamente o gosto pelos telejornais, pela informação. Depois, com o tempo, vai-se aumentando o nível do que é passado, melhora-se a abordagem… enfim, aumenta-se a qualidade.

Eu discordo um pouco dessa teoria, por achar que é emergencial que tenhamos cidadãos mais informados, mais conscientes e menos fãs do pastelão. Se tudo o que for passado tiver um padrão de qualidade definido e respeitado por quem veicula as notícias, tudo regulamentado e fiscalizado pelo ministério da comunicação, tenho certeza que teremos, a muito mais curto prazo, uma geração de pessoas mais conscientes e interessadas no que acontece no país. E não, como se pode imaginar, nas macaquices de um nome consagrado que, hoje, pensa muito mais em dinheiro do que na sua função como jornalista e comunicador de alto nível.

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Na mesma Record, entretanto, fiquei feliz de verdade ao acompanhar a narração do Luciano do Valle ao Brasil Open de tênis. Se tivesse pique para manter a narração em alto nível durante todo o jogo, ele seria disparado o melhor narrador esportivo do Brasil. A voz e a empolgação que ele transmite, mesmo que exageradamente ufanista (como o próprio Galvão Bueno, seu concorrente direto pelo ‘posto’), contagiam os telespectadores e levam os maiores de 30 anos de idade a lembrar das transmissões históricas feitas por ele na Globo e na Bandeirantes.

Foi, com toda certeza, o destaque do fim de semana esportivo na TV.’



TV GLOBO
Daniel Castro

‘Estrelas da Globo fracassam no cinema’, copyright Folha de S. Paulo, 1/03/04

‘Bons de audiência na Globo, Angélica e Luciano Huck não estão se dando bem no cinema. ‘Um Show de Verão’, longa-metragem estrelado pelos dois, foi visto até a última quarta-feira por 114.406 pessoas, segundo o boletim especializado em cinema Filme B. Se fosse um programa de TV, isso daria apenas 2 pontos no Ibope na Grande São Paulo.

Com promoção da Globo, que cedeu espaços em seus intervalos, o filme estreou em 30 de janeiro em 111 salas. A expectativa inicial era de que chegaria a 1 milhão de espectadores. Agora, a previsão é de que não passa de 150 mil.

‘Um Show de Verão’, em seu final de semana de estréia, teve média de 31 espectadores por sessão, semelhante à de ‘Acquária’, de Sandy e Júnior, que foi lançado em 320 cinemas no final de dezembro e, na quarta passada, contabilizava público total de 802.295 pessoas. O fracasso de ‘Um Show de Verão’, no entanto, é relativamente bem menor do que o de ‘Acquária’, porque custou menos (R 2 milhões, mais R 1,2 milhão de mídia). ‘Acquária’ foi orçado em R 10 milhões e pretendia ter 5 milhões de espectadores.

Diler Trindade, produtor de ‘Um Show de Verão’, aponta o fato de o Ministério da Justiça ter classificado o filme como impróprio para menores de 14 anos, por mostrar seios, como principal causa do fiasco. ‘O filme foi totalmente planejado para pessoas de 10 a 14 anos’, afirma.

OUTRO CANAL

Outras 1 ‘Vivo por Elena’, ‘Bendita Mentira’, ‘Meu Destino É Você’ e ‘A Gata’ são os títulos pré-selecionados pelo núcleo de teledramaturgia do SBT para a vaga de próxima produção da emissora, que recentemente desistiu de realizar no Brasil a novela ‘A Outra’, que substituiria ‘Canavial de Paixões’ neste mês.

Outras 2 Silvio Santos, no entanto, poderá decidir por nenhum dos títulos. A vaga de ‘Canavial’ será ocupada pela versão mexicana de ‘A Outra’, dublada. Os quatro títulos disputam a sucessão da ‘A Outra’ dublada.

Esquentando A Record contratou o jornalista Carlos Amorim, ex-Band, para dirigir sua versão do ‘Fantástico’, que pretende estrear no final deste mês, aos domingos, das 18h às 20h.

Espera Ainda não há previsão de quando Galvão Bueno voltará a narrar jogos de futebol na Globo. O locutor, que sofreu acidente em janeiro, volta ao batente hoje, no comando do ‘Bem, Amigos’, no canal SporTV. Segundo sua assessoria, Bueno ainda não pode ir a estádios. Por algum tempo, só poderá narrar jogos em estúdios.

Trato Diretor de rede do SBT, Júlio César Casares vai presidir o ‘Conselho de Mercado’ da emissora, que reunirá anunciantes, publicitários e especialistas em mídia.’



TV RECORD
Keila Jimenez

‘Globo inspira novas estratégias de marketing da Record’, copyright O Estado de S. Paulo, 1/03/04

‘Não estranhe se a partir de hoje você ligar na Record e der de cara com Paulo Betti fazendo macarronada no Note & Anote, se Boris Casoy resolver entrevistar Luciano Szafir e se no júri de Raul Gil estiverem sentados Joana Fomm, Tizuka Yamasaki e Luciene Adami. Isso faz parte da nova estratégia de marketing da Record para o lançamento da novela Metamorphoses: fazer o elenco da trama interagir com todo o resto da programação.

O planejamento, programado pela agência que cuida da imagem da Record, a Calia Assumpção, segue a mesma linha adotada pela Globo no lançamento de seus programas: usar a sua audiência e a grade de programação para chamar a atenção para os seus lançamentos.

A Record também passa a navegar nesse ritmo em função de todas as estréias da casa, a começar por Metamorphoses. A novela estréia dia 14, excepcionalmente num domingo, às 20 horas, e depois assume sua vaga normal, de segunda a sexta, no horário em que a Globo exibe o Jornal Nacional.

‘Se queremos alcançar o segundo lugar em audiência, temos de quebrar paradigmas, arriscar’, diz o diretor de Marketing da Record, Wilton Madeira.

‘Sabemos que há um público feminino forte no horário que há muitos anos tem as mesmas opções. Vamos oferecer algo diferente, só podemos brigar com a concorrência indo na contramão’, explica o diretor Artístico da emissora, Del Rangel.

Durante pelo menos duas semanas, a partir de amanhã, a emissora vai levar atores, diretores e imagens da novela a outros programas da casa.

‘Faremos uma grande festa de lançamento no dia 14, em que todo o elenco da emissora estará reunido para assistir ao primeiro capítulo da novela’, conta Madeira, da Record. ‘Teremos links nos programas dessa festa’, continua.

‘Também estamos espalhando pela cidade cerca de 1.000 outdoors de Metamorphoses. É uma ação de marketing agressiva, se compararmos com um lançamento do mesmo tipo no mercado, que costuma ocupar 500 outdoors.’

Os próximos – Na fila de outros títulos que merecerão esse mesmo tratamento nas ações de marketing da emissora, estão:

Adriane Galisteu e seu novo reality show, o novo seriado de Netinho e o programa musical de Chitãozinho e Xororó. Todos esses fazem parte do pacote de estréias da emissora para esse semestre.

Uma outra sugestão da Calia é a criação de um talk show para Paulo Henrique Amorim, que já tem até cenário pronto.

‘Eu sugeri que o Amorim tivesse um programa assim e a Record adorou a idéia.

Nós, como agência, não estamos acostumados a interferir na criação de atrações, mas estou feliz com essa interação’, fala um dos sócios da Calia, Clóvis Calia.’



BAIXARIA NA TV
Update

‘Baixaria sem cartaz’, copyright Update, março de 2004

‘Imagine a seguinte cena: dois atores entram num táxi fingindo ser passageiros. Começam a discutir e a seguir simulam uma briga violenta sob o olhar assombrado do motorista. O desfecho é o pior possível: um dos atores saca um revólver e atira no desafeto. A cena foi levada ao ar em 2003 num programa de final de tarde de domingo da segunda maior rede de televisão brasileira, o SBT. Tudo não passava de encenação. Era uma ‘pegadinha’ para assustar o taxista. ‘Isso se chama educação para a violência. Uma criança que assiste a uma cena como essa pode reproduzir esse comportamento violento na idade adulta’, diz a psicanalista Ana Cristina Olmos, especializada em infância e adolescência.

A baixaria na televisão cresceu e assumiu formas cada vez mais agressivas nos últimos anos estribada na premissa de que dá audiência. Mas não dá. A audiência dos programas policialescos sensacionalistas que mais dão ibope não passava, no início deste ano, de 7 pontos. O sistema se sustenta porque a sociedade ainda não o questionou seriamente. No início de fevereiro, o Ministério da Justiça tentou forçar a mudança desses programas para horário noturno. Diante da resistência das emissoras ( e, segundo a Folha de S. Paulo, da pressão de parlamentares da chamada bancada parlamentar evangélica ligados a elas (, a portaria que tratava do assunto foi revogada e seu autor, demitido.

Do lado dos anunciantes, entretanto, algo está mudando. As empresas e agências de publicidade voltaram a se interessar atentamente pelo conteúdo dos programas. Não para mandar e desmandar neles, como nas origens da televisão brasileira, mas para evitar associar sua imagem aos que exploram a miséria humana, expõem pessoas ao ridículo, estimulam preconceitos, fazem apelos sexuais ou desrespeitam religiões e valores éticos da família, entre outros abusos.

Parlamentares pela ética na TV

Na Câmara dos Deputados foi formada a Frente Parlamentar em Defesa da Ética na Televisão. ‘Criamos este movimento a partir de uma demanda da população. As pessoas mandavam e-mails pedindo que alguém tomasse algum providência contra os abusos na tevê’, diz o deputado federal Orlando Fantazzini, do PT de São Paulo, que preside a Comissão de Acompanhamento da Programação de Rádio e Televisão. ‘É um canal para que a população se manifeste, pressione por uma programação mais ética. No Legislativo há dificuldade em aprovar leis que limitem o conteúdo televisivo. Os deputados têm muito arraigada a concepção de mídia como quarto poder, que pode enaltecer ou não uma pessoa’, diz Fantazzini. A Frente lançou uma campanha com o slogan ‘Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania’.

O objetivo da Comissão é discutir com as emissoras a qualidade da programação na televisão aberta. O cidadão que detecta programas que afrontam a Constituição (ver Liberdade e lei) pode fazer denúncias pelo site www.eticanatv.org.br ou pelo telefone 0800.619.619. A partir dessas manifestações, a Comissão elabora um ranking com os programas mais denunciados. Esse levantamento é divulgado na Internet, em sindicatos, em jornais e em revistas. Depois, um grupo de especialistas acompanha os programas mais citados, durante quase um mês, para ter certeza de que há abusos. Havendo confirmação, é elaborado um parecer e a emissora é chamada para o diálogo. ‘Se a emissora se recusa, então o parecer é enviado aos patrocinadores, às empresas que anunciam no programa citado. Afinal, os patrocinadores são tão responsáveis quanto a emissora’, diz o deputado Fantazzini.

Risco de contágio

‘O anunciante quer evitar associar sua imagem a programas de baixo nível e essa preocupação é cada vez maior. Existe uma espécie de consenso informal entre grandes anunciantes para evitar programas de conteúdo apelativo’, diz Danilo Castro, planejador de mídia da agência publicitária McCann-Erickson, dona das contas de grandes empresas como Nestlé, Abril, General Motors, American Airlines, Coca Cola, Goodyear, DuPont, L’Oréal, Lufthansa, Mastercard, Microsoft, Telefônica e Unilever.

Segundo Castro, na McCann existe uma política de orientação aos clientes para que não financiem programas de qualidade duvidosa. ‘Muitas vezes é um grande anunciante que praticamente banca um programa. E hoje há a preocupação em não financiar esse tipo de programação, para ajudar a elevar o nível da televisão’, diz ele. ‘A Gol Linhas Aéreas procura evitar a veiculação de anúncios em programas que explorem a fraqueza humana ou tenham cunho apelativo, por não condizerem com sua filosofia’, confirma Tarcísio Gargioni, vice-presidente de Marketing e Serviços da empresa.

‘As companhias já estão percebendo que há uma incoerência em gastar milhões para criar e preservar uma marca, mostrando ao consumidor que ela preza a responsabilidade social, e ao mesmo tempo anunciar em programas considerados abusivos pelo próprio consumidor’, afirma o publicitário Sérgio Miletto, também membro da Comissão de Acompanhamento da Programação de Rádio e TV da Câmara. Uma pesquisa recentemente concluída pela Universidade de Michigan descobriu que o consumidor lembra menos das marcas de produtos que anunciam em programas que exibem cenas de violência e sexo. Os especialistas verificaram que a ‘fixação’ das marcas e produtos pelos telespectadores foi 17% maior quando o programa era neutro, sem cenas consideradas abusivas. ‘Se o programa de TV tem sangue ou sexo, a lembrança da marca se apaga’, explica Brad Bushman, professor do Instituto de Pesquisas da Universidade.

Só quando doeu no bolso

Num primeiro momento, as emissoras de televisão ignoraram o trabalho da Comissão da Câmara. ‘Tivemos o caso de um apresentador que veio dialogar depois que seu programa apareceu no ranking porque estava com medo de perder o patrocínio de uma multinacional, não porque ficou sensibilizado’, conta o deputado Fantazzini.

O episódio em que o programa Domingo Legal, do apresentador Augusto Liberato, do SBT, simulou uma entrevista com falsos membros da facção criminosa PCC na qual havia ameaças de morte a personalidades, e a levou ao ar como se fosse verdadeira, em 7 de setembro de 2003, acabou dando novo rumo ao debate. A Justiça suspendeu o programa no domingo seguinte à exibição da reportagem, por ter sido feita apologia ao crime. Calcula-se que o prejuízo da rede e do apresentador tenha chegado aos R$ 4 milhões, entre anúncios e merchandising que deixaram de ser exibidos no programa. ‘O diálogo com as emissoras só foi iniciado quando a questão bateu no faturamento’, diz Fantazzini.

Laurindo Leal Filho, professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, sustenta que uma das razões da baixaria é o modelo comercial de televisão existente no Brasil. Mas o fato de haver tal modelo não implica necessariamente que haja baixaria. E a lógica comercial dos programas sensacionalistas já não funciona.

Televisão para a globalização

Falta uma lei federal que puna com rigor os excessos. Em diversos países da Europa há conselhos reguladores que não só têm o poder de punir abusos como realizam estudos detalhados sobre a programação televisiva. ‘Aqui, quando há punição fala-se em censura, como no episódio em que o Domingo Legal foi tirado do ar’, afirma Leal Filho, que criou a ONG Tver, um fórum de debates sobre o assunto ao qual também são encaminhadas denúncias contra a programação. Uma emissora comercial na Inglaterra levou ao ar uma cena que insinuava um incesto. Ficou fora do ar por três dias. ‘Na Europa, a legislação trata o que é transmitido pela tevê como alimento pedagógico’, diz a psicanalista Ana Cristina Olmos. Na Suécia, propagandas de produtos infantis não são veiculadas antes das 22 horas e nunca podem se dirigir diretamente às crianças. ‘Elas devem se dirigir aos pais. O desejo da criança não pode ser manipulado. Quem decide são os pais. Ainda estamos muito longe disso’, constata Ana Cristina.

A televisão tem no Brasil, país onde se lê pouco, uma função educativa (ou deseducativa) crucial. Os profissionais mais sérios sempre tiveram isso em conta. Não se trata de contrapor essa função ao profissionalismo, ao talento, à competência. A televisão pode ser boa, inteligente e atraente, como prova há décadas a Rede Globo ( apesar de transmitir ela mesma programas que entram no ranking da baixaria: na lista mais recente de queixas publicadas no site eticanatv.org.br figuram várias novelas e programas da emissora, e a exibição de chamadas do programa Big Brother Brazil em horário nobre é criticada pelo Ministério da Justiça.

Se se pretende preparar o brasileiro para exercer um papel cada vez mais ativo e consciente na esfera política, se é urgente elevar o padrão cultural e profissional do trabalhador, do empresário, do executivo para enfrentar a competição globalizada, muita coisa na televisão brasileira precisa ser revista. Em entrevista ao programa Observatório da Imprensa na TV, e no livro O Que É Ser Maestro, 2003, Isaac Karabtchevsky conta que propôs à Globo o Projeto Aquarius, no fim da década de 60, para compensar a eliminação do ensino artístico na escola pública após o advento da ditadura militar. ‘O jovem estudante da escola média elementar do Brasil viu-se diante de um grande vazio, sem nenhum acesso às formas de artes’, diz Karabtchevsky. A televisão foi a grande aliada do maestro para reagir. Hoje, o conceito de cultura que está em jogo é ainda mais amplo.

Liberdade e lei

Há limites legais para a baixaria? Para responder a essa pergunta, o advogado César Antonio Alves Cordaro, presidente da Comissão do Advogado Público da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo e membro da Comissão de Acompanhamento da Programação de Rádio e Televisão da Câmara, fez um apanhado da legislação existente e concluiu que ela é benevolente com as emissoras. ‘São leis antigas. Somente com pressão da sociedade serão aprovadas novas leis que regulamentem com maior rigor a programação da tevê’, diz Cordaro.

O Código Brasileiro de Telecomunicações, por exemplo, foi criado em 1962. Mas, por ser considerado muito conservador, foi revogado em sua maior parte. A Lei de Imprensa, de 1967, apenas tangencia o assunto, e o Estatuto da Criança e do Adolescente, mais recente, estabeleceu a classificação dos programas por faixa etária. A Constituição, de 1988, em seus artigos 220 a 224, também trata do assunto. Aliás, as emissoras costumam recorrer ao artigo 220 para justificar sua programação. O artigo prevê que ‘a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição’.

Defesa dos ofendidos

A ressalva já se torna explícita no artigo 221, segundo o qual os programas veiculados devem ter preferencialmente finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas. Sempre com respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. ‘Mas como o texto diz ‘preferencialmente’, nada é obrigatório. Se submetermos a programação aos princípios constitucionais veremos que pouca coisa é respeitada. O artigo 220, que proíbe qualquer restrição, serve para que nenhuma limitação seja feita’, explica Cordaro.

O texto da Constituição prevê a criação de uma lei federal para ‘regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre sua natureza, as faixas etárias a que não se recomendam, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada’. O texto também fala em estabelecer meios legais que garantam às pessoas e à família a possibilidade de se defender de programas que contrariem as determinações do artigo 221, bem como de propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. ‘Seria uma lei atual, para defender os telespectadores que se sentirem ofendidos com a programação. O problema é que essa lei nunca foi criada’, diz Cordaro.’



Cidade Biz


‘Exibição de criança doente na TV pode ser proibida’, copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 2/03/04


‘A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática está analisando o Projeto de Lei 2787/03, do deputado Elimar Máximo Damasceno (Prona-SP). A proposta proíbe a exposição da imagem de crianças e adolescentes doentes pelos veículos de comunicação.


De acordo com o texto, quem usar imagem ou voz de criança doente ou de seus familiares para pedir doações para tratamento médico estará sujeito a advertência; multa; suspensão da veiculação do programa; ou suspensão da publicação e recolhimento dos exemplares.


O projeto permite o pedido de doações, desde que não haja exibição da criança beneficiária. ‘A exibição de crianças doentes em programas de televisão vem se tornando rotina no Brasil’, afirma o autor da proposta. ‘Por meio dessa horrível estratégia de marketing, procura-se explorar doenças e deformidades no intuito de causar impacto ao telespectador e aumentar a audiência de seus programas’.


O parlamentar afirma que esse procedimento contraria o Estatuto da Criança e do Adolescente, e lembra que o código de ética das publicações científicas só permite a divulgação de imagens de pacientes por meio de recursos gráficos que tornem impossível sua identificação. ‘Se essa preocupação se aplica ao âmbito restrito da literatura científica, maior restrição deverá ser aplicada aos meios de comunicação de massa, que violentam a privacidade das crianças doentes’, pondera.


O projeto, que tramita em regime conclusivo, será analisando ainda pelas comissões de Seguridade Social e Família; e de Constituição e Justiça e de Redação.’