Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Bicombustíveis, uma história incompleta

A Folha de S.Paulo, no caderno ‘Dinheiro’ de terça-feira (7/6), voltou a tratar do assunto dos bicombustíveis, desta vez de modo mais criterioso.

Para quem não acompanhou, convém lembrar que, no domingo anterior, na capa do caderno de Classificados, a Folha anunciava, em título, a interessante contradição de que o carro… ‘Bicombustível deve usar apenas um tipo de combustível’.

Discutidas as possibilidades que levaram a um título daqueles – omissão da imprensa especializada quanto a um produto enganoso; ou irresponsabilidade dos envolvidos na edição, como o apontado neste Observatório (remissão abaixo) –, restaria aos jornalistas e jornais continuar com o assunto, esclarecer as dúvidas.

Por coincidência ou por terem discutido o assunto internamente, a Folha voltou ao tema, dando voz ao presidente da Anfavea: ‘A [aceitação da] tecnologia vem crescendo à medida que aumenta a disponibilidade de modelos’. Se na primeira matéria eram ouvidos dois ou três mecânicos, sem nenhuma representatividade ou valor de amostragem, desta vez era apenas a palavra oficial da indústria automobilística.

Mas uma matéria do caderno ‘Dinheiro’, da mesma Folha, oferece mais dados interessantes: de janeiro a maio de 2005, de 629 mil unidades vendidas, 36,8% eram de bicombustíveis, ou seja, mais de 230 mil veículos. Portanto, já existe massa e tempo de uso suficiente para que seja possível levantar, com algum rigor estatístico, os tipos de defeito que podem ou não ocorrer com os bicombustíveis.

Essas informações – sejam positivas ou negativas – já estão nas oficinas das revendedoras oficiais e, certamente, na mesa dos executivos da indústria. Por maior que seja o segredo imposto pelas fábricas sobre certas informações, não é nada que bons repórteres não consigam, desde que seu compromisso seja com os leitores.

Basta o bom senso para chegar a algumas conclusões. Se mais de 200 mil veículos rodando apresentassem defeitos como os apontados pela Folha, haveria um clamor nacional. O que não exclui um bom trabalho jornalístico sobre o tema, que ainda não foi feito.

Na mesma

A matéria do caderno ‘Dinheiro’ é complementada por outra, assinada pela editoria técnica. De novo, ou por coincidência, ou por terem discutido o assunto, o texto não desmente diretamente o do caderno de classificados. Mas até repete a recomendação de que seja usado um tanque de gasolina para cada 5 mil quilômetros rodados com álcool – uma informação contraditória do primeiro texto, cuja principal afirmação era de que o carro bicombustível deve usar apenas um combustível. Agora a edição joga panos quentes: elogia o desenvolvimento dessa tecnologia ‘inacreditável’ e afirma que ‘o tempo tem mostrado que a tecnologia ainda está se aperfeiçoando’.

Se o caderno de classificados tinha sido lido e eventualmente provocado alguma reação das indústria, as duas materinhas da Folha tratavam de restabelecer o bom relacionamento entre redação e setor automobilístico.

Mas o leitor, mesmo, continua na incerteza.