Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Cadê a mídia?

Excelente e muito necessária a matéria “A cura pela expectativa” sobre o efeito placebo e a pseudomedicina publicada pela Folha de S.Paulo (domingo, 17/5, ver aqui). O texto do Hélio Schwartsman é muito bom, não apenas porque está sustentado em informação séria, mas porque de forma inteligente alfineta desde a homeopatia até os “adoradores de vitaminas”.

Matérias assim são hoje mais necessárias do que nunca, com a população apavorada com a epidemia de dengue que fugiu do (ou da falta de) controle. Infelizmente, chegamos a 2015 sem vacina nem tratamento específico para essa doença antiga. Apenas os homeopatas não concordam com esta dolorosa asseveração: eles vendem o elixir milagroso.

Há muito silêncio na imprensa frente ao perigoso aumento do uso da homeopatia contra a maior tragédia de saúde pública que sofre o Brasil. São muitas as razões pelas quais muitas pessoas resistem a transitar pelo caminho que percorreu a medicina no último século, aquele que permitiu passar de um sistema de crenças a um método científico baseado em evidências. O que interessa aqui não é isso, mas quando a mídia é cúmplice na divulgação de inverdades.

Não há matérias esclarecedoras sobre a ineficácia da homeopatia na prevenção ou tratamento da dengue. Quando o assunto é divulgado, se faz sem o menor sentido crítico. Por exemplo, em uma matéria do G1, “Procura por homeopatia tem alta de até 250% após epidemia de dengue”, a posição editorial fica evidente nas fontes consultadas: a Associação Médica Homeopática, o dono de uma farmácia, um médico homeopata e um paciente.

Sem resultados

A tarefa de esclarecimento é ainda mais difícil quando a mentira tem carimbos oficiais. Como nesta nota divulgada no site da Prefeitura de São Carlos (SP):

“Em busca de novas alternativas no combate à dengue, a Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de São Carlos realizou na tarde desta segunda-feira (9), no auditório Bento Prado Júnior do Paço Municipal, uma palestra com a médica Ana Teresa Dória Dreux. A profissional do Rio de Janeiro desenvolveu uma fórmula homeopática para a prevenção da doença. Durante o encontro voltado para profissionais de saúde, a médica explicou a fórmula criada há 16 anos a pedido da Secretaria Estadual no Rio de Janeiro, quando ainda era presidente do Instituto Hahnemanniano do Brasil (IHB). (…) Para combater a dengue em São Carlos, a médica elaborou duas fórmulas para serem administradas em dose única, que serão distribuídas nas unidades de saúde. Pode receber o medicamento qualquer pessoa que pretende se proteger da doença, que está com os primeiros sintomas, ou, que com a doença confirmada” (ver aqui).

Segundo noticia o Diário do Norte, a Prefeitura de Trombas (GO) também promoveu uma campanha de homeopatia contra a dengue. “Diversas autoridades do município compareceram, entre elas a primeira-dama Soraya Pedro dos Santos”, anotou o noticiário (ver aqui).

São Carlos e Trombas não estão isolados. Segundo o site combateadengue.com.br (ver aqui), medicamentos homeopáticos são produzidos no Hospital de Medicina Alternativa do Estado de Goiás (HMA) como forma profilática da dengue e diminuição dos sintomas que provocam a evolução do quadro clínico da doença. Para ter acesso ao tratamento, o paciente deve ser encaminhado pelo médico do posto público de saúde ou com prescrição particular. “Duas formas do medicamento estão em uso em 22 cidades do Estado, o que tem dado resultados positivos para a população”, informa o site.

Há quem não se surpreenda que o SUS aceite o fraude da homeopatia quando o que ela promete é saúde a custo de banana. Leila Aparecida de Souza Nunes, da Secretaria de Saúde de Macaé (RJ), assegura que segundo, seus cálculos, há um custo de R$ 3,50 por pessoa para o tratamento homeopático da dengue e R$ 0,01 para a prevenção (ver aqui, em inglês).

“Quando a mídia divulga a notícia de mais uma Secretaria de Saúde oferecendo homeopáticos para a prevenção e tratamento da dengue, deveria informar à população que não há estudos científicos que demonstrem sua utilidade”, disse a este Observatório o professor associado do Departamento de Medicina Social Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Edson Zangiacomi Martinez. Junto ao seu colega Altacilio Aparecido Nunes, Martinez revisou todo o material publicado recentemente em revistas científicas sobre a homeopatia na prevenção e tratamento da dengue. Os especialistas logo publicaram nos Cadernos de Saúde Coletiva os resultados do um exame exaustivo: há apenas três ensaios sobre o uso da homeopatia na dengue, e nenhum deles evidenciou eficácia terapêutica nem profiláctica.

Cadê a mídia para noticiar?

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Roxana Tabakman é bióloga e jornalista, autora de A saúde na mídia. Medicina para jornalistas – jornalismo para médicos (Editora Summus)