Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Casal K. investe contra a concentração

A péssima relação entre o casal Kirchner e os principais meios de comunicação da Argentina deverá deteriorar-se ainda mais a partir da próxima quarta-feira [18/3], com a apresentação do projeto para aprovar uma nova lei de radiodifusão no país (a atual foi aprovada pela última ditadura). O conteúdo do projeto elaborado pela Casa Rosada ainda é um grande mistério, mas, segundo informações extraoficiais, o principal objetivo da presidente e de seu marido e antecessor é impedir que grupos econômicos tenham participação majoritária em diferentes segmentos da comunicação televisiva e de rádio.


De fato, segundo confirmou ao Globo uma fonte do governo Kirchner, a presidente argentina incluirá no projeto alguns dos 21 pontos sugeridos pela ONG Coalizão por uma Radiodifusão Democrática.


A lista de propostas da ONG argentina inclui, por exemplo, a adoção de ‘políticas efetivas para evitar a concentração da propriedade dos meios de comunicação’, a defesa de ‘leis antimonopólicas, já que os monopólios e oligopólios conspiram contra a democracia’ e a implementação de ‘cotas que garantam a difusão sonora e audiovisual de conteúdos de produção local, nacional e própria’, entre outras.


A nova ofensiva do casal presidencial coincide com as cada vez mais fortes denúncias sobre a suposta compra de meios de comunicação por parte de empresários vinculados a Néstor e Cristina Kirchner.


De acordo com o deputado opositor Federico Pinedo, do direitista Pro, ‘é extremamente perigoso que o governo pretenda participar da guerra pelo controle da mídia e, ao mesmo tempo, estabelecer as regras de jogo do setor’.


Nas últimas semanas, a disputa entre Kirchner e grande parte da imprensa local tornouse ainda mais agressiva, sobretudo por parte do casal presidencial.


Entrada proibida


Depois da derrota de seus aliados na eleição legislativa da província de Catamarca, há uma semana, o ex-presidente mostrou-se furioso pela maneira como a mídia local interpretou o resultado. A grande maioria dos meios de comunicação do país destacou ‘a derrota do kirchnerismo’, o que despertou a ira do ex-presidente, que participou ativamente da campanha eleitoral em Catamarca. Kirchner não conseguiu conter sua irritação e, em ato público na província de Buenos Aires, atacou publicamente o grupo Clarín, um dos mais importantes do país.


– Qual é seu problema, Clarín? Por que está tão nervoso? – disse o ex-presidente, que desde sua chegada ao poder protagonizou diversos bate-bocas públicos, não somente com o grupo Clarín, dono de rádios, jornais e canais de TV, mas também com outros veículos importantes, entre eles o jornal La Nación, um dos mais tradicionais da Argentina.


Néstor e Cristina Kirchner nunca esconderam suas divergências com os principais meios de comunicação do país, sobretudo com os que se atrevem a criticar o governo.


O jornal La Nación foi um dos primeiros a ser considerado, publicamente, inimigo do casal K. Em viagens internacionais, por exemplo, enviados do jornal são excluídos do avião presidencial. Nos últimos meses, jornalistas do grupo Clarín tiveram, na prática, sua entrada proibida na Casa Rosada.


– Não foi uma medida anunciada oficialmente, mas cada vez que queremos entrar (na sede do Poder Executivo) o governo inventa uma desculpa para evitar nossa presença – revelou um alto executivo do canal de TV argentino.


Comunicação direta


Segundo rumores, o grupo Clarín será um dos principais prejudicados, caso o projeto da Casa Rosada seja aprovado. Paralelamente, informou na semana passada o jornal El Cronista, o casal K estaria analisando a possibilidade de anular a fusão entre os canais de TV a cabo Multicanal e Cablevisión, aprovada pelo Congresso em 2007.


Juntos, os dois representam 50% do faturamento do poderoso grupo argentino.


Para a jornalista e deputada opositora Norma Morandini, que integra a Comissão de Liberdade de Expressão do Congresso argentino, ‘o governo Kirchner tem uma visão autoritária sobre a imprensa’.


– Nosso governo pressiona os meios de comunicação, castiga jornalistas, não realiza coletivas e faz uma distribuição seletiva e discriminatória dos recursos da publicidade oficial – lamentou Morandini. – A necessária democratização da lei de Rádio Difusão impõe, antes, um debate sobre a liberdade de imprensa e a concepção antidemocrática que se esconde no estilo de comunicação direta defendida e praticada pelo casal que está no poder.


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Mídia privada sob a mira de Chávez


Reproduzido de O Globo, 15/3/2009


Depois de ter vencido o referendo sobre o polêmico projeto de emenda constitucional que permitirá sua reeleição ilimitada, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, está pensando em enviar à Assembleia Nacional (o Congresso venezuelano, controlado pelo governo) novas iniciativas de controle da mídia local, segundo informou recentemente o presidente da Comissão Permanente de Ciência, Tecnologia e Meios de Comunicação Social, o deputado chavista Manuel Villalba.


De acordo com Villalba, ‘cerca de 80% da informação divulgada pelos meios privados são contra o governo, e o povo está pedindo que esta situação seja castigada’.


– Chega de tanta impunidade midiática! – disse o deputado chavista.


Desde que chegou ao poder, em 1999, o governo de Chávez adotou uma série de medidas consideradas atentados à liberdade de expressão por organizações locais e internacionais.


Dois exemplos são a Lei de Responsabilidade Social de Rádio e TV, aprovada em 2004, e a reforma do Código Penal, votada um ano depois, que estabeleceu, entre outras condenações, entre seis e 30 meses de prisão para quem ‘ofender de maneira grave’ o presidente da República.


Mais de 2 mil horas em cadeia nacional Na visão do especialista em comunicação social venezuelana Antonio Pasquali, fundador do Instituto de Pesquisas da Comunicação, ‘Chávez agride e ameaça verbalmente a imprensa, mas sua verdadeira obsessão são os canais de TV e estações de rádio, acusados por ele de terem participado do golpe de 2002’.


– O presidente conseguiu suprimir uma dúzia de programas de grande audiência que eram hostis, comprar e fechar emissoras – disse Pasquali ao Globo.


A Lei de Responsabilidade Social, explicou o autor de diversos livros sobre comunicação considerados fundamentais pelas universidades independentes do país, refere-se unicamente a rádios e TVs.


– A enorme quantidade de disposições e penalidades que contém (a lei) simplesmente completam o artigo 10, que obriga todas as emissoras a respeitarem as redes nacionais, sem limite de tempo, quando o presidente quiser – assegurou Pasquali.


Segundo o especialista venezuelano, entre 1999 e 2008 o presidente realizou 1.751 redes nacionais de rádio e TV e, através de seu programa ‘Alô Presidente’, falou durante 1.203 horas. Somando as redes ao extenso programa presidencial, no período analisado por Pasquali, Chávez discursou durante 2.294 horas. Em 23 de setembro de 2007, o presidente venezuelano bateu um recorde, falando durante oito horas seguidas em todas as rádios e canais de TV do país.


– As redes nacionais do presidente representam um caso flagrante e completamente anormal de abuso de uma posição dominante. Constitui um atentado quase diário à liberdade de escolha do usuário de meios de comunicação – argumentou o especialista.


Quatro TVs e 150 jornais ligados ao governo


Além de utilizar as redes nacionais como principal via de comunicação com seus seguidores, Chávez controla vários dos meios de comunicação: dos oito canais de TV nacionais, quatro são estatais (Telesur, Venezolana de Televisión, Vive TV e canal da Assembléia Legislativa). Existem, ainda, cerca de 150 jornais estatais no país.


– Chávez fortaleceu os meios públicos e os transformou em porta-vozes de sua ideologia. Por outro lado, através de aquisições, suspensão de licenças (como foi o caso da RCTV) e ameaças, tentou minimizar a voz da oposição – disse Pasquali.


Para ele, ‘o objetivo do presidente é alcançar a hegemonia comunicativa e acabar com a liberdade de expressão’, nos moldes do modelo cubano. (J.F.)

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Jornalista, correspondente de O Globo em Buenos Aires