Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cenário pouco animador no Congresso

Ainda não se conhece sequer o pré-projeto de marco regulatório para as comunicações eletrônicas que o governo Dilma promete enviar ao Congresso Nacional (no segundo semestre?), mas deputados e senadores já explicitam suas posições para a eventual disputa que se antecipa.


É inevitável um forte sentimento de déjà vu, nada animador. Lembra-nos das velhas batalhas, por exemplo, da Constituinte de 1987-88. Em alguns casos, lá estão, ainda hoje, os mesmos atores, com o mesmo discurso, na defesa dos mesmos velhos interesses.


Velhos concessionários


Matéria da Agência Câmara revela dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) indicando que, na atual legislatura, existe uma bancada de, pelo menos, 60 parlamentares proprietários, acionistas ou ligados a emissoras de rádio e/ou televisão. Se forem contabilizados proprietários diretos e indiretos (parentes e outros), esse número passa dos 100, vale dizer, cerca de um quinto do total de deputados.


Seria ingenuidade acreditar que esses deputados-concessionários não atuarão em defesa de seus interesses como empresários de comunicação e como detentores do poder de construção da agenda pública em suas respectivas cidades e/ou regiões eleitorais. Muito provavelmente eles estarão – como sempre estiveram – na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara (CCTCI), por onde obrigatoriamente passa qualquer proposta legislativa referente às comunicações.


Caso emblemático


A matéria já referida da Agência Câmara traz, por exemplo, a posição de um velho conhecido daqueles que acompanham a história da regulação das comunicações no país, o deputado Arolde de Oliveira (DEM-RJ).


Concessionário de uma emissora de rádio no Rio de Janeiro, como presidente da Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação na Constituinte, ele liderava um grupo de parlamentares vinculados, direta ou indiretamente, a empresas de rádio e/ou televisão, como os deputados Arnoldo Fioravante, PDS-SP (Rede Capital de Comunicações); Fausto Rocha, PFL-SP (Sistema Sílvio Santos); José Carlos Martinez, PMDB-PR (Organizações OEME, TV Carimã-PR); José Elias, PTB-MS (TV Mato Grosso); Mendes Ribeiro, PMDB-RS (RBS –Rede Brasil Sul de Comunicações); Paulo Marques, PFL-PE (TV Tropical-PE), além do irmão e do filho do ministro das Comunicações à época, Antonio Carlos Magalhães.


Foram esses constituintes que, com a ajuda de outros três parlamentares do PMDB (Onofre Corrêa, MA; Aluízio Vasconcelos, MG; e Roberto Vital, MG) e um do PDS (Francisco Diógenes, AC), derrotaram o relatório que continha as propostas de democratização do setor preparado pela deputada e jornalista Cristina Tavares (PMDB-PE), na Subcomissão (ver, neste OIA Comunicação na Constituinte de 87/88‘).


Quase vinte e três anos depois, o mesmo deputado Arolde de Oliveira (DEM-RJ), se declara contra um marco regulatório e contra a proibição de que políticos no exercício do mandato sejam concessionários. Afirma:




‘Não temos que reinventar a roda (em relação à legislação), temos que corrigir problemas, sem mexer nas conquistas (…).


‘Por que [um parlamentar] não pode ter [concessões de radio e/ou televisão]? O político tem mandato temporário, ele entra e sai. E ele pode não ter a propriedade da emissora, mas ela pode estar em mãos de uma pessoa de sua confiança.


‘Se o político que tem rádio tem facilidade para se eleger, o político que tem dinheiro também tem. Essa é uma discussão ideológica’.


E os deputados não concessionários?


Por outro lado, o líder da bancada majoritária na Câmara dos Deputados, Paulo Teixeira (PT-SP), parece ter plena consciência do que virá pela frente ao afirmar:




‘A bancada de radiodifusão é cerca de 1/5 do Congresso, mas resta 4/5, e não quer dizer que este 1/5 seja todo contrário a mudanças, se elas forem boas para o País’.


Além disso, os primeiros sinais de articulação de deputados alinhados ao governo Dilma no sentido da aprovação de um marco regulatório para as comunicações eletrônicas começam a ser dados.


Os deputados Emiliano José (PT-BA) e Luiza Erundina (PSB-SP), estão articulando a criação de uma ‘Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e pelo Direito à Comunicação’ exatamente com o objetivo de promover a discussão em torno do projeto que deve vir. O texto preliminar do Manifesto de lançamento dessa Frente foi divulgado no dia 22 de fevereiro (ver abaixo).


O debate e a disputa em torno de idéias e interesses são próprios da democracia, sobretudo, no Congresso Nacional. O que se espera, todavia, é que, quase 23 anos depois da Constituinte de 87/88, avancemos no sentido do pleno estabelecimento do direito à comunicação e não prevaleça, ainda uma vez mais, o interesse de grupos empresariais concessionários do serviço público de radiodifusão.


A ver.


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Manifesto da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação com Participação Popular


A Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação é uma iniciativa de membros da Câmara dos Deputados, em parceria com entidades da sociedade civil, que visa a promover, acompanhar e defender iniciativas que ampliem o exercício do direito humano à liberdade de expressão e do direito à comunicação.


O direito à liberdade de expressão, previsto no artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos artigos 5º e 220 da Constituição Federal, enfrenta hoje dois tipos de obstáculos que justificam e reforçam a necessidade desta Frente Parlamentar.


O primeiro está na existência de ações de órgãos do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário e de entes privados que visam a cercear o exercício dessa liberdade pelos seus beneficiários, ou seja, os cidadãos e cidadãs brasileiros. É preciso que se tomem iniciativas e se criem mecanismos permanentes, inclusive no âmbito do Parlamento, para denunciar e combater esse tipo de ação.


O segundo obstáculo está na ausência de regulação e políticas públicas que promovam e garantam a liberdade de expressão e o direito à comunicação. Hoje, as condições para o exercício dessa liberdade são muito desiguais, já que os canais de mídia, elementos-chave para a efetivação desse direito, estão nas mãos de alguns grupos econômicos cuja prática impõe sérios limites à efetivação da liberdade de expressão do povo brasileiro e é fortemente marcada pela prevalência de interesses privados em detrimento do interesse público. Portanto, não basta denunciar e combater ações contrárias à liberdade de expressão; é preciso propiciar meios para que todos os cidadãos e cidadãs tenham condições de exercê-la. Assim, enquanto houver dificuldades ou impedimentos econômicos, culturais, sociais, técnicos e políticos para o exercício deste direito, é dever dos Poderes Executivo e Legislativo desenvolver ações no sentido de garantir que o maior número de cidadãos possa produzir, disseminar e acessar informações e cultura.


De outra forma, a promoção dos direitos à liberdade de expressão e à comunicação é condição para o pleno exercício da democracia no país. Se os meios de comunicação são os principais instrumentos de circulação de ideias e valores na sociedade brasileira, espaço essencial de consumo de informação e cultura pelos cidadãos e cidadãs, devem então refletir a pluralidade e a diversidade da sociedade, pré-requisito da verdadeira democracia.


A realidade dos meios de comunicação mudou muito nas últimas décadas, especialmente pelo surgimento da internet e a efetivação da convergência digital, nos seus aspectos técnico, comunicacional e empresarial. Com a mudança dessa realidade, alteram-se também os obstáculos, e, por sua vez, requerem-se respostas adequadas a esse novo cenário. Hoje, pensar a universalização do acesso à internet, por exemplo, é tão essencial à liberdade de expressão e ao direito à comunicação, quanto o é à promoção da diversidade de conteúdo no rádio e na televisão.


A Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação reúne parlamentares e organizações da sociedade civil comprometidos com valores democráticos e se propõe a atuar tendo como base os objetivos acima referidos, observando a complementaridade, indivisibilidade, interdependência e não hierarquização dos direitos humanos. Assim, ela reconhece, conforme prevê o artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, que o exercício da liberdade de expressão está sujeito a responsabilidades ulteriores (ou seja, a posteriori), especialmente quando o que foi dito representar violação de outros direitos humanos. Essa condição não deve criar precedentes para nenhum tipo de censura prévia, seja ela governamental ou judicial, mas precisa ser observada no sentido de proteger a dignidade da pessoa humana, especialmente a de grupos vulneráveis como crianças e adolescentes, mulheres, negros e negras, indígenas, população LGBTT e pessoas portadoras de deficiência.


A atuação da Frente se baseia em iniciativas já em curso no Congresso Nacional e em novas ações propostas por seus integrantes, levando em consideração estudos anteriormente realizados por comissões da Câmara e do Senado e propostas elaboradas por entes de todos os setores da sociedade civil, sobretudo as aprovadas na 1ª Conferência Nacional de Comunicação.


Entre os objetivos específicos da Frente Parlamentar estão, sem prejuízo de outros, os seguintes:


** defender os princípios constitucionais relativos ao tema, especialmente aqueles previstos nos artigos 5º e 220 a 224 da Constituição Federal;


** lutar contra qualquer tipo de ação direta ou indireta de censura prévia de caráter governamental ou judicial;


** contribuir para a regulamentação dos artigos 220, 221 e 223 da Constituição Federal, que tratam da proibição de monopólios e oligopólios no rádio e na TV; da existência de mecanismos de defesa contra programações que violem os dispositivos constitucionais; da preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas no rádio e na televisão; da regionalização da programação e do estímulo à produção independente; e da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal;


** defender a ampliação do acesso da população à banda larga, garantindo a universalização do serviço, preços acessíveis e qualidade do serviço ofertado;


** trabalhar pela liberdade na internet, tendo como parâmetros a proteção à neutralidade de rede e ao direito à privacidade e à liberdade de expressão;


** defender a ampliação da participação popular no acompanhamento e regulação do sistema de comunicações;


** defender transparência, regras e procedimentos democráticos em outorga e renovação de concessões, permissões e autorizações de rádio e TV;


** contribuir para o fortalecimento do sistema público de comunicação, inclusive rádios e TVs comunitárias;


** defender os direitos de grupos vulneráveis como crianças e adolescentes, mulheres, negros e negras, indígenas, população LGBTT e pessoas portadoras de deficiência, no tocante às questões de comunicação;


** defender políticas de incentivo à pluralidade e à diversidade em todos os meios de comunicação, com especial observância à diversidade regional e cultural brasileira;


** incentivar a produção, distribuição e acesso a conteúdo produzido no Brasil por empresas e organizações brasileiras;


** contribuir para o fortalecimento de pesquisa e adoção de tecnologias nacionais nas diversas etapas da cadeia produtiva das comunicações;


** estimular medidas que fortaleçam a educação para a prática e a leitura da comunicação, de maneira formal e informal, entre os estudantes do ensino fundamental e médio.


A Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito à Comunicação coloca-se, assim, como um instrumento do parlamento e da sociedade civil brasileira para a ampliação do exercício desses direitos e para o fortalecimento da democracia.

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Professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado) e autor, dentre outros, de Liberdade de Expressão vs. Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia, Editora Publisher,2010