Um em cada cinco deputados da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) tem ligações com emissoras de rádio ou TV. Dos 76 membros (titulares e suplentes) do colegiado, que tem o poder de analisar e aprovar projetos de outorga e renovação das concessões dos serviços de radiodifusão, 16 mantêm relações diretas ou indiretas com veículos de comunicação.
A participação de parlamentares vinculados a empresas de radiodifusão não é uma prática nova, assim como a discussão sobre a legalidade da situação. De acordo com o artigo 54 da Constituição Federal, deputados e senadores não podem ter participação nesse tipo de empresa, concessionária da administração pública.
Ainda assim, segundo dados levantados pelo Congresso em Foco no Ministério das Comunicações, oito membros da Comissão de Ciência e Tecnologia são sócios de rádios ou emissoras de televisão nos estados onde possuem suas bases eleitorais.
Apesar de não aparecerem na lista do ministério, três deputados da CCTCI declararam ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – no ato da inscrição da candidatura nas eleições de 2006 – possuir cotas de veículos de radiodifusão. Pelo menos outros cinco participantes da comissão são parentes ou cônjuges de permissionários [ver matéria abaixo].
Transparência
Na reunião de ontem, a Comissão de Ciência e Tecnologia aprovou o pedido da deputada Luiza Erundina (PSB-SP) para que seja recriada uma subcomissão, instalada no final do ano passado, com objetivo de rever as regras de outorga e renovação das concessões. O número de parlamentares foi ampliado de 13 para 14 a fim de garantir uma vaga para o PV.
As legendas têm até a próxima segunda-feira (05/03) para indicar os membros da subcomissão que deverá ser presidida pela própria Erundina. ‘Nós queremos avaliar a mudança dos procedimentos para nos dar mais segurança na hora de apresentar nossos pareceres. Hoje apresentamos nossos votos às escuras’, justificou a deputada.
Segundo ela, a subcomissão terá como meta propor mudanças no regimento de concessões, artigo 223 da Constituição, que confere ao Executivo os poderes para conduzir as autorizações e, ao mesmo tempo, limita a atuação do Legislativo com o fornecimento de informações insuficientes. ‘Vamos levantar as distorções e fazer as sugestões que vão além das competências da comissão, mas o desdobramento vai depender do Plenário’, disse.
Mas a presença de parlamentares donos de rádio e TV está longe de ser exclusividade da Comissão de Ciência e Tecnologia. Como revelou o Congresso em Foco em dezembro de 2005, uma representação encaminhada à Procuradoria Geral da República pelo ProJor, instituição jornalística mantenedora do site Observatório da Imprensa, apontava 49 deputados como concessionários diretos de emissoras de radiodifusão.
Dos 81 senadores que estavam no exercício do mandato um ano atrás, 28 controlavam emissoras de rádio ou TV, em nome próprio ou de terceiros, de acordo com pesquisa feita pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom).
Legalidade
Erundina afirma que a atuação de parlamentares ligados às empresas de radiodifusão merece investigação e não descarta nem mesmo a necessidade de se criar uma CPI para eventuais irregularidades.
O presidente da comissão, deputado Júlio Semeghini (PSDB-SP), afirmou ao Congresso em Foco que a subcomissão deverá avaliar todo o processo de outorga e a participação dos parlamentares em emissoras de rádio e TV, uma vez que o assunto ainda depende da regulamentação da lei, que está pendente desde 1991.
‘Na verdade, a lei não veda [a participação de membros com concessões públicas na comissão], mas não quer dizer que é justo o deputado usar do seu tempo de atividade aqui na Casa para tratar e defender os próprios negócios’, disse Semeghini.
Segundo o presidente, todas as novas outorgas ou renovações serão suspensas por 30 dias, até que a subcomissão avalie todo o processo de concessão e a situação das empresas. ‘Precisamos ouvir as entidades, os órgãos e a sociedade para discutir as normas’, afirmou. Semeghini disse que o grupo irá trabalhar por fases. Primeiramente, a discussão será em torno da legalidade das novas permissões, mas depois abrangerá a atividade parlamentar.
O deputado Paulo Bornhausen (PFL-SC), segundo-vice-presidente da CCTCI, revela não ter uma opinião formada sobre o assunto, mas afirma não acreditar que a participação de concessionários afete o processo de renovação da permissão do serviço. ‘Já participei por quatro anos da comissão e não percebi a atuação dos deputados nesse sentido’, declarou.
Para Bornhausen, muitos deputados já eram concessionários antes mesmo de se elegerem, o que não qualificaria irregularidade. O problema, segundo ele, ocorre nos casos de parlamentares que se tornam sócios dessas empresas depois de assumirem os mandatos. ‘A subcomissão de outorgas pode ter um papel importante nessa discussão’, disse. Embora o deputado não tenha nenhuma emissora em seu nome, membros de sua família aparecem como sócios de uma rádio em Santa Catarina.
Frente
Um exemplo da relevância da discussão do tema na Casa é a grande adesão dos parlamentares à Frente de Radiodifusão, presidida por Bornhausen. Até ontem, o grupo já contava com 116 membros, mas as inscrições para participar das discussões ainda continuam. ‘O objetivo é trabalhar a democratização da informação com a garantia da diversidade e qualidade do conteúdo’, explicou o pefelista.
A frente foi criada na legislatura passada pelo ex-deputado Ivan Ranzolin (PFL-SC), com a participação de 55 deputados. Como não conquistou a reeleição, Ranzolin sugeriu ao colega a recriação do grupo, que neste ano contará também com a presença dos senadores. ‘Como não tenho rádio, TV e nenhum interesse correlato ao tema, decidi aceitar a tarefa’, comentou Bornhausen.
A primeira reunião do grupo deverá acontecer em março e contará com a presença do próprio Ranzolin. Segundo o deputado, será feita uma avaliação sobre a atuação passada da Frente e levantado todos os pontos necessários para o desenvolvimento da radiodifusão no país.
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Para eles, está tudo bem
Deputados ligados a emissoras de rádio e TV e que integram a Comissão de Ciência e Tecnologia dizem não ver incompatibilidade entre as duas coisas
O Nordeste é a região do país com o maior número de deputados donos de rádios e TVs na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática. Sete parlamentares da região possuem ligações com empresas de radiodifusão. Dos 16 membros do colegiado que possuem algum tipo de relação com empresas do ramo, seis são do PFL, legenda com maior número de representantes na lista.
Todos os deputados citados nesta reportagem foram procurados pelo Congresso em Foco. Os que se manifestaram disseram não ver incompatibilidade entre a atividade empresarial e a participação na comissão. Alguns afirmaram, inclusive, que pretendem se afastar do colegiado caso chegue até lá o pedido de renovação de suas concessões.
O deputado Jader Barbalho (PMDB-PA) é um exemplo de parlamentar com forte atuação na área. Na lista de concessões do Ministério das Comunicações, Jader aparece como sócio da Belém Radiodifusão Ltda (FM) e do Sistema Clube do Pará de Comunicação Ltda (TV), em Belém e Marabá. Além disso, o deputado declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) participações no capital das empresas Rádio Clube do Pará PRC5 Ltda, Carajás FM Ltda e Rede Brasil Amazônia de Televisão Ltda (RBA).
No ano passado, Jader foi um dos principais articuladores de um manobra que impediu a rejeição de 227 processos de outorga no Congresso (ver aqui). O deputado conseguiu convencer o presidente Lula a requisitar a devolução dos processos como meio de regularizar as documentações. Na época, diversos veículos funcionavam mesmo sem a autorização legal. Como a Rádio Clube do Pará, que operou por mais de 13 anos com a concessão vencida, além da RBA e da Rádio Carajás FM, todas ligadas a Jader. Outros políticos também foram beneficiados.
Concessões
Na lista de concessionários do Ministério das Comunicações, o nome do tucano Roberto Rocha (PSDB-MA) aparece associado a quatro emissoras de rádio e a uma de televisão. A exemplo dos colegas, o deputado mantém as empresas na própria base eleitoral, no Maranhão. O deputado figura como sócio-diretor das três concessões da Radiovale – Rádio e Televisão Vale do Farinha Ltda e da Rádio Ribamar Ltda.
O primeiro-vice-presidente da comissão, José Rocha (PFL-BA), também consta da relação do ministério como associado das rádios Rio Alegre Radiodifusão Ltda e Rio Corrente Ltda, de Santa Maria da Vitória (BA). A assessoria do parlamentar informou, entretanto, que Rocha vendeu, há mais de um ano, as cotas que possuía. O parlamentar teria demorado a solicitar a transferência por desconhecer as normas. De acordo com a assessoria, Rocha teria sido alertado pelo próprio ministro das Comunicações, Hélio Costa, sobre a necessidade de enviar a notificação ao ministério a fim de regularizar a situação.
Em São Paulo, o deputado Jorginho Maluly (PFL-SP) é sócio das rádios Clube de Mirandópolis Ltda, Veneza Paulista Ltda e Cidade Andradina Ltda. Em nome do pai de Jorginho, Jorge Maluly Netto (PFL), prefeito de Araçatuba, estão a Rádio Nova Bebedouro Ltda e a TV Sistema Araça de Comunicação Ltda. No mesmo estado, o deputado Beto Mansur (PP-SP) tem sociedade na Rádio Cultura FM Santos Ltda, na Sociedade Rádio Cultura São Vicente Ltda e na Empresa de Comunicação PRM Ltda (TV).
No Piauí, o deputado Júlio César (PFL-PI) tem sociedade na Rádio FM Esperança de Guadalupe Ltda. Já o deputado Rodrigo de Castro (PSDB-MG) é sócio da rádio Medina FM Ltda. Gérson Peres (PP-PA) tem participação nas rádios Pérola FM Ltda e Tocantins Ltda.
Apesar de não constarem da lista de concessões, outros três parlamentares declararam ao TSE possuir quotas em rádios e TVs. O baiano Marcos Medrado (PDT-BA) é sócio das rádios Cidade de Itapetinga, Clube de Valença e Rádio Valença FM. O deputado José Mendonça Bezerra (PFL-PE) assumiu ter participação na TV e Rádio Jornal do Commercio Ltda e na Rádio Bitury Ltda Brasil.
Negócios de família
Já o deputado Manoel Salviano (PSDB-CE) declarou ao tribunal ter participação nas quotas das rádios Progresso e Vale do Cariri, em Juazeiro do Norte (CE). Salviano explicou à reportagem que comprou as quotas da Rádio Progresso, mas já pediu a devolução do dinheiro e o desligamento da empresa, uma vez que ainda não foi feita a transferência para o nome dele. O deputado ainda afirmou que a Rádio Vale do Cariri não é dele, mas de sua mulher, Fátima Maria Sampaio.
O tucano disse que as concessões foram aprovadas há muitos anos, quando ele ainda não pensava integrar a CCTCI. Entretanto, Salviano disse que quando o processo de renovação de sua rádio chegar ao Congresso, ele deixará a comissão. ‘Porque não quero ser acusado de ter beneficiado alguém ligado a mim’, justificou.
Mesmo sem possuir nenhuma concessão em nome próprio, o deputado Paulo Bornhausen (PFL-SC) figura entre os parlamentares ligados a empresas de comunicação. O sobrenome do segundo-vice-presidente da comissão aparece entre os sócios da Cia Catarinense de Rádio e Televisão e da Rádio Difusora de Itajaí. Além disso, a Prime Publicidade, empresa da irmã do pefelista, Fernanda Bornhausen, está entre as doadoras de sua campanha, com a contribuição de R$ 33 mil.
De acordo com a assessoria do deputado, a família não possui mais nenhuma quota da Cia Catarinense de Rádio e Televisão. ‘Paulo Konder [Bornhausen], tio do deputado Paulo Bornhausen, foi sócio da empresa até 1976, quando vendeu sua parte. A companhia agora é da RBS’, explicou a assessoria. Já a Rádio Difusora de Itajaí teria restado como espólio do avô do parlamentar, Irineu Bornhausen, morto em 1974, que possuiria 2% da empresa.
Doação para campanha
Campeão entre os membros da CCTCI no recebimento de doações de campanha da área da comunicação, o deputado Ratinho Júnior (PPS-PR) ganhou R$ 445 mil da empresa Massa & Massa, de propriedade de seu pai, o apresentador de TV Carlos Roberto Massa, o Ratinho. Além disso, o deputado contou com o ‘paitrocínio’ de R$ 970 mil para conquistar uma cadeira na Câmara.
O ex-ministro das Comunicações Eunício Lopes Oliveira (PMDB-CE), também integrante da comissão, já foi acusado de ter ligações com a rádio comunitária ELO, em Lavras de Mangabeira (CE), que funcionava em nome da Fundação Cultural e Beneficente Otoni Lopes de Oliveira (pai do ex-ministro) e dirigida por Discinelha de Oliveira (mãe). Na época, Eunício negou participação na emissora. Atualmente, a mulher do deputado, Mônica Paes de Andrade Lopes de Oliveira, aparece como sócia da Rádio Tempo FM Ltda, de Juazeiro do Norte.
Outro a ter vínculos familiares com donos de rádio é o deputado Paulo Henrique Lustosa (PMDB-CE). A Rede Abolição de Rádio Ltda, de Juazeiro do Norte (CE), é listada como de propriedade de sua mãe, Angélica Maria Ellery Lustosa da Costa, e de seu irmão Carlos Eugenio Ellery Lustosa da Costa. O peemedebista afirma, entretanto, que a rádio foi vendida há mais de quatro anos, mas ainda não houve a transferência total para os nomes dos atuais donos devido ao processo gradual de repasse da empresa exigido pela legislação.
Paulo Henrique revela, ainda, que não acha problemático o deputado ter concessão de radiodifusão, desde que se afaste da comissão quando forem analisadas as próprias outorgas. ‘A concessão de rádios e televisão é um dos temas de menor relevância diante dos grandes temas que a comissão estará tratando nos próximos anos. Assim não enxergo qualquer conflito ético nisso’, disse o deputado.
Dono de uma grande rede de comunicação no Amapá, José Alcolumbre é tio do deputado Davi Alcolumbre (PFL-AP), outro integrante da Comissão de Ciência e Tecnologia. Entre as posses do empresário estão a TV Marco Zero, a TV Amazônia, além de mais de uma dezena de rádios espalhados pelos municípios do estado. (Ricardo Taffner)
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Repórter do Congresso em Foco