Entre 18 a 20 de março, Cuiabá (MT) vai receber jornalistas e estudiosos da temática ambiental de todo o país durante a realização do III Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, reeditando, certamente, o sucesso dos eventos anteriores, ocorridos em Santos e em Porto Alegre.
O Congresso se insere num contexto particularmente importante porque, mais do que em qualquer outra época, a consciência sobre a emergência da crise ambiental está avançando e, também mais do que em qualquer época, são necessárias soluções urgentes e esforços ingentes de mobilização planetária.
O jornalismo ambiental cumpre um papel fundamental porque, se autêntico, está alinhado com o interesse público, repudia alternativas meramente cosméticas empreendidas por governos e corporações que, apesar do discurso, insistem em consolidar modelos de desenvolvimento que se mostram incompatíveis com a sustentabilidade na verdadeira acepção da palavra.
É evidente que cada um de nós pode (e sobretudo deve) dar contribuição para eliminar o desperdício crescente e irresponsável dos recursos naturais e que a solução efetiva para mitigar a crise ambiental em que nos metemos não está apenas nas mãos de autoridades e de empresas. Todos participamos, em escala maior ou menor, deste processo predador que privilegia um modelo de consumo que compromete a saúde do planeta. Se nada fizermos em conjunto, não teremos saída a médio e longo prazos, mesmo porque o problema já é grave demais para ser sanado com medidas isoladas e de pouca monta.
Olho vivo
O jornalismo ambiental deve, portanto, estimular esta consciência individual e induzir os cidadãos a um mutirão em favor da proteção da biodiversidade, contra o desmatamento, o uso indiscriminado de agrotóxicos , a apropriação comercial da água doce, o aquecimento global etc. Mas ele precisa avançar além dos indivíduos e denunciar os abusos cometidos por corporações nefastas e por governos omissos e trazer para o primeiro plano os interesses empresariais e políticos que verdadeiramente jogam contra a natureza.
Há em curso uma adesão não crítica a uma postura transgênica que favorece as monoculturas na agricultura, mas também, como afirma Vandana Shiva, as monoculturas da mente, ou seja, soluções que apostam contra a biodiversidade e que consolidam monopólios, como o das sementes, da agroquímica, dos insumos veterinários, dos fertilizantes e assim por diante.
A imprensa, de maneira acrítica, tem se curvado a fontes comprometidas que defendem, cinicamente, as vantagens dos transgênicos e a dispensa da rotulagem, martelando um discurso hipócrita da solução tecnológica para a questão da fome que aumenta em todo o mundo. A imprensa não tem percebido as relações de poder, o tráfico de influência que se manifesta em algumas esferas de decisão e não consegue identificar os lobbies poderosos que atuam sobre (ou estão dentro) da CTNBio e se escondem em entidades aparentemente independentes, como o CIB e a ABAG, redutos dos grandes interesses empresariais.
O jornalismo ambiental precisa desmascarar as relações espúrias entre determinados setores da dita comunidade científica e os interesses inconfessáveis da indústria agroquímica e da biotecnologia, irmãos siameses (você nunca percebeu que as empresas de biotecnologia e as de agrotóxicos – veneno e não remedinho de planta – são as mesmas?) que avançam sobre a produção de alimentos, tornando-a refém de insumos químicos e de estruturas monopolistas.
O jornalismo ambiental precisa denunciar a apropriação da água doce pelos grandes exportadores rurais e pelos complexos industriais (a produção de um único carro consome um número absurdo de litros de água, assim como a pecuária consome muito mais energia do que sua carne produz como resultado final). Precisa contemplar rapidamente a escalada da iniciativa privada que avança sobre a produção da água, tentando se garantir para o futuro em detrimento das demandas dos cidadãos. Olho vivo sobretudo no avanço da Coca-Cola, Nestlé e da Danone e de outras empresas menos votadas.
Decisão política
O jornalismo ambiental precisa deixar claro que o desmatamento da Amazônia, ainda que possa estar pontualmente declinando, continua sendo obsceno e que, nesse ritmo, a floresta estará fatalmente comprometida daqui a poucas décadas.
O jornalismo ambiental precisa evidenciar o processo manipulatório empreendido por organizações que praticam o ‘marketing verde’, tentando utilizar o discurso ambientalista como forma de limpeza de imagem, esta hipocrisia tediosa de prometer plantio de árvores para continuar poluindo e emporcalhando o solo, a água e o ar.
O jornalismo ambiental não pode compactuar com bancadas de parlamentares que, a serviço de grandes proprietários rurais, se encastela no Parlamento para afrouxar a legislação ambiental e manter privilégios que, sistematicamente, atentam contra a nossa sustentabilidade.
O jornalismo ambiental precisa também olhar para o próprio umbigo para perceber que, pressionado pela sua própria sobrevivência, mídias ambientais podem estar estabelecendo parcerias que comprometem a sua independência, acreditando que determinadas corporações estejam realmente engajadas na luta a favor do planeta.
O jornalismo ambiental precisa assumir sua vocação militante e não se reduzir a uma mera modalidade do jornalismo moderno, que cobre a temática ambiental, mas não tem coragem de comprometer-se com as soluções verdadeiras. O jornalismo ambiental light faz o jogo do capitalismo selvagem.
O jornalismo ambiental precisa definitivamente andar de cabeça erguida, disposto a enfrentar os desafios que este momento lhe reserva. Não pode omitir-se, despolitizar-se como se as soluções não fossem, no fundo, de grande conteúdo político (o que não significa partidário porque os nossos partidos – inclusive o PV – são um arremedo de representação legítima). Vencer a fome é antes de tudo uma decisão política e não uma mera questão de tecnologia.
O jornalismo ambiental precisa deixar a tática do band-aid e do merthiolate e incorporar a tática do bisturi.
Regras do jogo
Que o Congresso de Jornalismo Ambiental recupere esta vocação militante, de coragem, e que saiba propor ações concretas para encaminhar o debate da questão ambiental. Que os colegas consigam inclusive identificar entre os patrocinadores, como a Syngenta, parceiros suspeitos que não têm uma história identificada com a biodiversidade, a sustentabilidade e a saúde de todos nós.
Será que ninguém se lembra de que a Syngenta é fruto da fusão da Zêneca Agrícola e da Novartis Agribusiness? Será que os colegas da área ambiental já se esqueceram do escândalo da Biomazônia com o envolvimento direto da Novartis, projeto felizmente abortado pelo governo brasileiro depois de denúncias veementes de entidades sérias como a SBPC? É fácil recuperar o episódio: coloque ‘BioAmazônia Novartis’ como palavra chave no Google e leia o que está lá.
O Congresso de Jornalismo Ambiental terá como objetivo reunir colegas que atuam na área e que, apesar de posições pontualmente divergentes, sabem que não se pode deixar o mercado (Monsantos, Bunges, Bayers, Cargills e Syngentas etc da vida, bem como setores, como a mineração, papel e celulose, agroquímica, petroquímica, de biotecnologia etc) ditar livremente as regras do jogo.
Vamos ao congresso, respeitando as divergências, mas de olhos bem abertos. Não podemos sozinhos evitar que o planeta seja destruído, mas que pelo menos tenhamos a coragem de denunciar governos e empresas que, por interesses mesquinhos, ameaçam a vida de todos nós.
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Jornalista, professor da UMESP e da USP, diretor da Comtexto Comunicação e Pesquisa