Setores ligados à mídia no Brasil preparam-se para a primeira Conferência Nacional de Comunicação, a ser realizada nos dias 01,02, e 03 de dezembro de 2009. O tema ‘Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital’ servirá de base para a discussão que será travada por representantes do poder público e de instituições da sociedade civil, como entidades do movimento social, organizações do setor privado-comercial e da mídia pública.
A cidade de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, já realizou sua primeira conferência, no âmbito municipal, elegendo propostas que serão encaminhadas para a etapa estadual e, logo em seguida, apresentadas em Brasília, onde se fecha o ciclo. O evento caracterizou-se como oportunidade para a população local discutir as políticas públicas que envolvem a mídia, além de poder contribuir com ações de alcance estadual e nacional.
Cerca de 200 pessoas, reunidas durante dois dias, debateram sobre a importância da comunicação na sociedade atual, que é um direito garantido na Constituição Federal de 1988, e acerca de como a democratização da produção da informação é fundamental para o pleno exercício da cidadania, além de abrir as portas para o gozo de outros tipos de direitos. Professor da Universidade de Brasília (UnB), Murilo Cesar Ramos, deu início ao embate de opiniões. Ele chamou a atenção para o sistema de concessão de rádios e emissoras de televisão no país, fazendo questão de frisar algo quase sempre esquecido – que a permissão para utilização dos canais advém do serviço público. Sendo assim, impossível pensar em empresas de comunicação privadas no Brasil, uma vez que são, naturalmente, públicas.
Audiência e publicidade
Deduz-se daí que se faz mister uma mobilização da sociedade, cobrando do governo federal mais clareza nos critérios de outorga de rádio e televisão. É lamentável constatar que a distribuição de emissoras respeita barganhas políticas, em que a troca de canais por voto é uma prática antiga, consolidando uma situação em que muitas empresas funcionam como apêndices de grupos partidários. Esta desprezível política de comunicação tem consequências obscuras sob diversos aspectos, criando uma relação de ‘favor’ entre o ganhador da concessão e o poder executivo. O resultado disso é prejudicial para a população, que não pode esperar imparcialidade advinda de uma emissora cujo proprietário não passa de um vassalo, afundado num mar de lama de conveniências políticas.
De uma maneira muito consciente, Murilo Cesar Ramos também suscitou o tema da regulação da TV paga no Brasil. Uma discussão principiante, mas que deve ser aprofundada no universo governamental e na sociedade civil porque seu avanço é primordial para o fomento da produção audiovisual brasileira, que, atualmente, está limitada entre os muros do Projac. Ela precisa ser descentralizada, abrindo espaço para uma diversidade de vozes no conteúdo veiculado pelos meios de comunicação, além de buscar maneiras para retirar das mãos dos empresários o poder de ditar a política de comunicação no Brasil.
De modo contundente, Ramos advertiu sobre o risco que corre a TV aberta, já que com a chegada da televisão digital e do crescimento dos canais por assinatura ficam cada vez mais fragmentados a audiência e o bolo publicitário. Se nada for feito, através de muita reflexão, chegará o tempo em que a sociedade brasileira terá que se movimentar para salvar a TV comercial, visto que o povo não pode prescindir dos canais de TV aberta de qualidade, que servem de fonte de informação para a maioria.
Boneco a serviço dos grandes meios
No que se refere à programação que é levada ao ar, Josué Franco Lopes, representante da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), tocou na ferida do preconceito racial. Na visão dele, a mídia brasileira não reflete a diversidade étnica do país. O negro é mostrado na televisão de forma estereotipada e os padrões de beleza ‘glamourizados’ pelas novelas estão longe daqueles que, verdadeiramente, caracterizam a maioria dos brasileiros. A opinião é compartilhada por Paulo Edson, do Instituto Vozes – entidade que trabalha em prol da representação das minorias –, que defendeu os movimentos sociais como agentes de luta por uma igualdade de oportunidade a todos os segmentos da sociedade na produção dos produtos midiáticos.
Chega-se à conclusão de que a participação da sociedade no processo de produção da informação irá transformar-se em benefícios para a construção das mensagens veiculadas na mídia, deixando de determinar desejos e fetiches condizentes apenas com o consumismo. A qualidade da informação é fundamental, quando se constata que ela é um direito assegurado também na Declaração Universal dos Direitos Humanos e que sem excelência a informação está na contramão da democracia, deixando de conferir condições de igualização de sujeitos. Para Victor Gentilli (1995), ‘nas sociedades modernas, estruturadas como democracias representativas, todos os direitos em alguma medida relacionam-se com o direito à informação: o alargamento da participação na cidadania pressupõe um alargamento do direito à informação como uma premissa indispensável, um pressuposto’.
Portanto, a participação dos segmentos sociais na mídia deve levar em consideração seu potencial de acordar a consciência crítica do público, sendo capaz de levá-lo à transformação social. Logo, o indivíduo precisa ver visto como protagonista do processo de geração de produtos midiáticos, mas sempre sem perder de vista suas reivindicações. Negando-se a ser transformado em boneco a serviço dos grandes meios de comunicação, que sustentam a ‘interação’ popular com a finalidade de crescimento de audiência e de sua publicidade.
Direito de informar e ser informado
O funcionamento das rádios comunitárias em Juiz de Fora também foi tema de debate durante a conferência, inclusive, assunto de audiência pública realizada na Câmara Municipal da cidade. Nas duas ocasiões, a municipalização das concessões para rádios comunitárias foi discutida e aprovada para ser votada em Brasília, em dezembro. Na última década, o município, com cerca de 500 mil habitantes, perdeu 25 emissoras comunitárias e, atualmente, apenas três funcionam com a autorização do Ministério das Comunicações. Diante deste quadro, a municipalização, segundo seus defensores, precisa ser discutida, pois trata-se de liberdade de expressão e de democratização dos meios de comunicação, uma vez que as emissoras convencionais se adequam a prioridades comerciais e deixam de prestar serviços destinados à comunidade da qual fazem parte.
Hoje, a mídia encontra-se blindada nas mãos de políticos e da classe empresarial. Neste contexto, a rádio comunitária funcionaria como facilitador da interação entre o veículo e a população da comunidade na qual está inserida, servindo de valorização da cultura periférica. Assim, cinco propostas para este setor foram votadas e aprovadas pela conferência de Juiz de Fora: criação de um conselho regulador, que seja autônomo do poder público, com a função de regularizar a abertura de novas rádios e cuidar para que as emissoras não se desvirtuem; implementação de um fundo financeiro para manutenção das rádios comunitárias aos moldes da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, com apresentação de projeto, prestação de contas e contrapartida social; anistia para emissoras que foram retiradas do ar; revisão da lei de concessão para rádios comunitárias e construção de um projeto de comunicação comunitária em rede, com utilização de outros meios como a internet.
A conclusão é de que o governo precisa rever a legislação, uma vez que o direito de informar e de ser informado é legítimo. O principal objetivo das rádios comunitárias não é infringir uma lei, mas prestar informações para um grupo local, contribuindo para o acesso à cultura e à educação.
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Jornalista, repórter do jornal JF Hoje, Juiz de Fora, MG