Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Congresso deve discutir os limites

A aplicação do Artigo 222 da Constituição aos sites jornalísticos voltou a tomar conta da agenda do setor na quarta-feira (7/12), em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados. O referido texto constitucional cria limites à participação de capital estrangeiro na mídia brasileira. Apesar da pressão dos radiodifusores, os deputados presentes enfatizaram que a polêmica sobre a questão deve ser tratada pelo Congresso e que o debate ainda precisa amadurecer. Como não existem projetos de lei sobre a pauta, a tendência é que uma conclusão a respeito do tema fique para a próxima legislatura.

Isso só não acontecerá se a Justiça ou o Executivo anteciparem algum movimento sobre a questão. O governo federal não deve fazer isso, já que o Ministério das Comunicações foi mais uma vez enfático em afirmar que só compete ao órgão verificar os limites impostos no Artigo 222 quanto às empresas de radiodifusão, que diferentemente de jornais impressos e sites, são concessões públicas.

O assunto, porém, tem chances de ser definido pela Justiça. Em maio deste ano, a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert) e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) entraram com duas representações junto à Procuradoria Geral da República pedindo que o Ministério Público emita um parecer em relação a atuação de empresas estrangeiras em sites noticiosos brasileiros. A depender do tipo de resposta, a Abert cogita até dar entrada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin).

Mas não é assim que os deputados mais envolvidos com o imbróglio pretendem que seja resolvida a questão. Para o deputado federal Eduardo Gomes (PSDB-TO), o problema está posto e a audiência é o princípio de uma discussão mais propositiva. Ele foi o autor do requerimento para a realização do debate desta quarta-feira, convocado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara.

Polêmica

O Artigo 222 da Constituição Federal diz que a ‘propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País’. No parágrafo 1º, há uma definição do limite de participação de capital estrangeiro: ‘pelo menos setenta por cento do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverá pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, que exercerão obrigatoriamente a gestão das atividades e estabelecerão o conteúdo da programação’.

A polêmica é que as organizações que representam os radiodifusores interpretam o texto constitucional de forma diferente do Portal Terra, que foi diretamente acusado na representação da Abert. Para eles, o sentido desse artigo deve valer para todos os veículos de comunicação, mesmo que não cite diretamente todos eles, como é o caso da internet. O Terra pertence à empresa Telefónica, da Espanha, e é um dos principais concorrentes dos sites Globo.com e G1, ambos do grupo Globo, que é um dos associados da Abert.

A divergência central passa por desvelar se os sites noticiosos, como o Terra, são ou não empresas jornalísticas, já que não há nem na Constituição e nem em outras leis essa definição. Para o consultor da Abert Gustavo Binenbojn eles são. ‘A menção a empresa jornalística não se confunde com veículos’, defendeu. Para ele, se enquadram nessa categoria todos os veículos que apuram e divulgam notícias com vistas à obtenção de lucro. Ou seja, aquilo que se transforma em uma atividade empresarial.

A lógica do argumento da Abert é que é preciso entender o espírito daquilo que diz o texto constitucional. Como a Constituição foi promulgada em 1988, faria sentido que não se citasse a internet porque ainda não era uma ferramenta presente no cotidiano da sociedade. ‘Mas a finalidade constitucional é preservar a formação de opinião pública independente. Não há como imaginar a formação de uma nação por cidadãos estrangeiros despreocupados com a realidade brasileira’, disse Gustavo Binenbojn, apelando para o risco à soberania nacional que sites controlados por empresas internacionais poderiam causar.

O posicionamento atual da Abert destoa com o que a associação defendeu em 2002, quando foi aprovada a Proposta de Emenda Constitucional que liberou a participação de estrangeiros em até 30% nos veículos do país. Antes disso, apenas brasileiros poderiam deter o capital dos meios de comunicação. Na época, as Organizações Globo e outras emissoras foram a favor da mudança porque passavam por problemas financeiros provocados, entre outros motivos, pela crise econômica do final dos anos 90. Em 2002, estima-se que a Globopar, holding das Organizações Globo, somava cerca de R$ 5 bilhões em prejuízos.

O superintendente da Rede TV! e representante da Abra, Kalled Adib, tem o mesmo entendimento das outras associações. ‘Com o advento da internet a convergência é grande e não tem lei que protege isso’, diz Kalled. Ele também avalia que o assunto é dos mais importantes já que, segundo suas projeções, ‘daqui a um tempo o maior portal do país vai faturar mais do que a maior emissora de TV.’

O deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) também se inclinou a essa tese, embora tenha afirmado que ainda não fechou posição sobre o assunto. Para ele, o constituinte deve ter criado a limitação às empresas estrangeiras porque entendia que os meios de comunicação representavam uma instância de poder na sociedade. Por isso, segundo ele, foi colocada a tarefa de reservar aos brasileiros a obrigatoriedade de serem donos majoritários nos veículos nacionais. ‘Me parece que a Constituição já regula’, opinou.

Conceito

Já a defesa do Portal Terra se sustenta na tese de que um site noticioso não é um jornal e, portanto, a empresa não pode ser considerada jornalística. O advogado Floriano Peixoto Marques Neto, que defendeu o Terra, fez uma diferenciação conceitual entre os veículos. Para ele, a ideia de jornal pressupõe conteúdo noticioso previamente selecionado com alguma periodicidade. ‘Nos portais, a informação não é editada no sentido jornalístico. Ela também não é empacotada. Além disso, a periodicidade do instante não é periodicidade’, elaborou.

O advogado também rebateu o argumento dos radiodifusores de que os portais sem a restrição ao capital estrangeiro estariam competindo desigualmente com os outros tipos de veículos de comunicação. Para ele, a reserva de mercado é que limita a liberdade de competição. ‘Isso vai contra o Artigo 220 da Constituição, que proíbe o oligopólio’, citou Floriano Peixoto, que afirmou que o Terra deixará de produzir notícias se for entendido que os sites também devem se enquadrar ao Artigo 222.

A soberania nacional, segundo o advogado do Terra, também não pode ser evocada nessa questão. ‘A proteção do conteúdo não tem relação com a detença do capital’, disse Peixoto, lembrando que existem empresas de mídia controladas por brasileiros que transmitem produções de outros países. Marques defendeu que se mude a Constituição, caso queira se estabelecer isonomia comercial entre os sites noticiosos e as empresas jornalísticas tradicionais.

Foi também nessa tecla que bateu o deputado federal Jorge Bittar (PT-RJ). O parlamentar avalia que, se o objetivo é preservar a cultura nacional, deve-se partir para outros caminhos. ‘No caso da TV por assinatura, introduzimos uma política de cotas’, exemplificou, reconhecendo que o mesmo artifício é dificilmente aplicável à internet. Para o parlamentar, mais importante que observar a propriedade dos veículos é questionar se as empresas estão produzindo conteúdos brasileiros e gerando empregos para brasileiros.

Já a deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP), enfatizou o atual vazio legal que existe sobre a comunicação no país e lamentou que as entidades da sociedade civil não foram convocadas para opinar sobre a questão. Segundo a deputada, três princípios precisam ser considerados na elaboração de novas leis para o setor: a democratização dos meios de comunicação, o acesso universal à informação e o interesse público. ‘Sem isso, estamos mancos nessa tarefa de um novo marco legal.’