Em 7 de fevereiro de 1997, acontecia a primeira licitação para concessão de rádios FM e AM e para geradoras de televisão. Acabava assim a discricionariedade na outorga de emissoras de rádio e TV para dar lugar a critérios objetivos na classificação das propostas dos interessados em prestar os serviços de radiodifusão. Ainda que existissem brechas, mantendo vivo o clientelismo nas outorgas – mais especificamente nas concessões de rádios e TVs educativas e de retransmissoras de TV, que até hoje não necessitam de procedimento licitatório – tratava-se de uma conquista histórica. Não seriam mais o compadrio e o prestígio político que definiriam para quem outorgaríamos rádios e TVs comerciais, e sim a força das propostas técnicas e de preço apresentadas pelos concorrentes.
Mas hoje, passados exatos 14 anos, mais uma vez podemos constatar que o Estado vem sendo sistematicamente ludibriado. O que deveria ser uma concorrência de técnica e preço tornou-se, simplesmente, um leilão no qual leva a outorga quem pode pagar mais.
Das 905 licitações concluídas desde 1997 em que houve ao menos dois concorrentes, 846 foram vencidas pela empresa que apresentou a melhor oferta de preço. Em 16 casos o vencedor foi o concorrente que apresentou a melhor oferta técnica e a melhor oferta de preço. E em apenas 43 licitações a proposta técnica foi preponderante sobre a oferta de preço.
Gráfico 1: Critério que definiu o vencedor nas
905 licitações concluídas desde 1997 (em %)
Os mecanismos
De acordo com os Decretos nº 1.720, de 1995, e nº 2.108, de 1996, que estabelecem as regras para as licitações nas outorgas de radiodifusão, critérios técnicos como o tempo destinado na programação a conteúdos jornalísticos, educativos e culturais e o número de programas produzidos na própria área de prestação do serviço deveriam contar pontos na escolha de quais seriam os vencedores dos processos licitatórios.
Essa pontuação ponderada entre técnica e preço tinha, como objetivo primordial, impedir que o poderio econômico passasse a ser o critério exclusivo para a definição dos que seriam agraciados com uma outorga de radiodifusão. A proteção foi estabelecida de maneira proporcional, de modo que as propostas de preço tivessem um peso maior para rádios e TVs com grande alcance, e uma importância menor para pequenas emissoras de radiodifusão de abrangência local. No caso de rádios em frequência modulada e de televisões de baixa potência e cobertura restrita, por exemplo, o peso da proposta técnica seria responsável por no mínimo 70% da pontuação atribuída aos concorrentes.
Como os mecanismos são burlados
O desequilíbrio que faz com que as propostas técnicas tenham, na maior parte das vezes, nenhuma influência na definição dos vencedores das licitações de radiodifusão ocorre porque o Ministério das Comunicações se deixa enganar.
Segundo dados do próprio ministério, das 9.719 propostas técnicas apresentadas em procedimentos licitatórios desde 1997, 8.812 (90,67%) alcançaram nota máxima em todos os quesitos de avaliação e 310 (3,19%) receberam nota entre 99 e 99,999. Na maior parte dos procedimentos licitatórios, todos os concorrentes empataram na avaliação técnica, e foi a proposta de preço que definiu o vencedor.
Gráfico 2: Distribuição de notas na pontuação técnica das 9.719
propostas técnicas apresentadas em licitações desde 1997
Ou seja, as regras que pretendiam privilegiar critérios de qualidade da programação e impedir que o poder econômico fosse preponderante na definição dos vencedores dos procedimentos licitatórios são de um fracasso desconcertante. A proposta técnica virou uma simples formalidade, pela qual quase todos os concorrentes passam com nota máxima.
Confiantes na falta de fiscalização do poder público, cuja capacidade de acompanhamento e avaliação da programação das emissoras de rádio e TV é notoriamente deficitária, as empresas que concorreram em procedimentos licitatórios prometem entregar o melhor conteúdo do mundo à população. Depois de vencida a licitação, oferecem o que bem entendem, com uma certeza quase plena de que aquilo que pactuaram no procedimento licitatório não precisará ser cumprido.
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Jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e consultor legislativo da Câmara dos Deputados; editor do blog Museu da Propaganda