Wednesday, 25 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Crítica diária

09/08/07

Picanha, Playstation e pistoleiras

O melhor jornalismo de hoje está no diário carioca Extra. Quem quiser saber o que foi a aventura dos pugilistas cubanos longe da vila do Pan tem à disposição três saborosas páginas inteiras. Os repórteres Camilo Coelho e Gabriela Moreira reconstituíram as estripulias passo a passo.

A manchete: ‘Cubanos fujões caíram na farra, foram abandonados e pediram socorro à polícia’. O jornal conta que os boxeadores ‘foram aliciados, ganharam uma adiantamento de R$ 70 mil’, mas desavença entre ‘empresários frustrou fuga deles para a Europa’.

Se está mais claro o que aconteceu com os boxeurs e os agenciadores, falta saber quais foram as ações dos governos de Cuba e do Brasil.

O governo federal amarga pelo menos um vexame: até pela boate Help, manjado inferninho de Copacabana, os cubanos passaram. Nem assim a Secretaria Nacional de Segurança Pública, que os buscava, logrou encontrá-los.

A Polícia Militar só chegou a eles quando um salva-vidas e um pescador, a pedido dos atletas, a chamaram por celular –conforme a reportagem do Extra.

‘Arrependidos’

A Folha conta (‘Atletas não agüentaram pressão do governo cubano, diz empresário’, pág. A10) que Rigondeaux cantou o hino de Cuba na TV.

É impossível não lembrar dos ‘arrependidos’ fabricados a ferro e fogo pela ditadura militar no Brasil. Estes também eram levados à televisão para, à sua maneira, entoarem outros hinos.

Erramos – Editorial

Na releitura do editorial de ontem, notei referência à prisão dos pugilistas no Estado do Rio na sexta-feira passada. Foi na quinta.

Mistério no Rodoanel

No Painel do Leitor –que não deveria ser espaço para autoridades se manifestarem–, o secretário de Transportes do Estado de São Paulo afirma que o investimento de R$ 795 milhões no Rodoanel com pedágio deve ser feito ‘ao longo dos 25 anos previstos para a duração da concessão’.

O repórter da Folha, em resposta, cita ata do Programa Estadual de Desestatização que norteia a concessão: ‘Investimentos de R$ 795,5 milhões para a execução do programa intensivo inicial’.

Não há algo de estranho na declaração do secretário?

Um senhor personagem

O deputado Eduardo Cunha, de muitas memórias no governo Collor e nos governos Garotinho no Rio, voltou ao noticiário em grande estilo, depois das chantagens para Conde assumir Furnas e da ação pró-governo Lula na CPI do Apagão (além de circular com CDs contendo dados da caixa-preta do Airbus da TAM).

Vale perfil.

Relógio atrasado

A reportagem ‘PF abre inquérito para apurar negócio entre Gamecorp e Telemar’ (pág. A6) informa que, entre a determinação do Ministério Público Federal e a abertura de inquérito pela Polícia Federal, se passaram oito meses.

Não seria o caso de o jornal informar por que demorou tanto tempo a investigação sobre negócios suspeitos que têm a participação de um filho do presidente da República? Tamanho atraso é costumeiro?

Espectro da Escola Base

O Globo publica uma página valiosa sobre a discussão jornalística no Reino Unido e em Portugal a respeito da cobertura do desaparecimento da menina Madeleine.

Supertele nacional

Além de oportuna, foi muito bem conduzida a entrevista com Carlos Jereissati em Dinheiro. Um belo furo.

Deus ajuda a quem cedo madruga (ou aos insones)

Há um aspecto interessante no furo que rendeu a manchete do Globo, ‘Negócio beneficiou empresa uruguaia e operador da Bolsa’. A identificação dos beneficiários de aparente vazamento de informações sobre a compra da Suzano Petroquímica pela Petrobras foi possível, segundo o jornal, porque o site da Justiça Federal divulgou os nomes na madrugada de ontem. Como há segredo de Justiça, o material teria sido retirado de manhã.

Imagem do buraco

Creio que a Folha acertou em publicar no alto da primeira página foto do novo buraco surgido em obra do Metrô, agora na rua dos Pinheiros. As capas do Estado e do Diário de S. Paulo não mostraram o buraco.

Buraco na apuração

O jornal publicou extensa manifestação do Metrô e do consórcio de empreiteiras que toca a obra da linha 4-amarela. Fez bem. Mas fez mal em não ouvir um só engenheiro independente daquelas empresas.

Ao agir assim, a Folha privou seus leitores de terem acesso a opiniões plurais.

Lata de sardinha

Duas coisas sobre a reportagem ‘Usuário terá mais espaço em avião, afirma Jobim’ (pág. C8).

Primeira: eis um aspecto da ganância das empresas aéreas que merecia mais atenção já antes que uma declaração de ministro despertasse o jornalismo.

Segunda: o texto diz, sem indicar a fonte, que ‘em média, nos anos recentes, o acréscimo de poltronas correspondeu a quatro fileiras a mais para as companhias […]’. Portanto, mais 24 poltronas (seis por fileira). A TAM, em nota, afirmou que nos Airbus-A320 e A319 o pulo foi de seis poltronas, portanto uma fileira.

É preciso esclarecer quem tem razão: se a Folha ou a TAM.

Espelho meu

Título principal do Esporte da Folha: ‘Feio, São Paulo vence e dispara’.

Título principal do Esporte do Estado: ‘Show do São Paulo no Maracanã’.

O caderno Viagem & Aventura do Estado traz na capa de hoje o mesmo tema, cruzeiros marítimos, do Turismo da Folha na semana passada. O título do Estado: ‘Boa vida no embalo do navio’. Na Folha: ‘Balança mas não cai’.

O Estado esclarece hoje: os repórteres que acompanham a viagem presidencial também fizeram trechos de carona no Aerolula.

08/08/07

Antes dos escritores

Seria muito ruim esperar por livros de memórias dos integrantes da cozinha do Palácio do Planalto, por livros-reportagem sobre a era Lula ou por investigação de fôlego de historiadores para saber o que se passou com Lula e a Presidência nos dias seguintes à tragédia de Congonhas. O jornal prestaria um serviço aos leitores se contasse que análises e sentimentos provocaram o sumiço do presidente. Sugestão de título? ‘73 horas’ (o tempo entre o desastre e o pronunciamento na TV).

Mais: não há por que esperar por apurações mais transcendentes, à espera da liberação de documentos secretos algum dia (se escaparem ao ‘sigilo eterno’), para tentar descobrir como foram as negociações e ações dos governos de Cuba e do Brasil na busca e repatriação-relâmpago dos dois boxeurs que abandonaram a delegação da ilha durante o Pan. É um caso não contado.

Por fim, para ‘roubar’ um último ‘furo’ dos escritores, o jornal deve duas boas histórias: como o colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía vivia no Brasil e, principalmente, qual foi a participação da agência antidrogas dos Estados Unidos na caçada ao traficante. Pelo relato de hoje, a DEA é quase marginal. Em uma operação dessa natureza, é praticamente impossível que não tenha sido protagonista. Deixar os louros do feito para as autoridades locais, aqui a PF, faz parte da opção americana por promover os parceiros que se associam à sua política de ‘guerra às drogas’ .

Sem transparência – Sobre o UOL

Interessado em conhecer os serviços para carregar e-mails antigos em viagem, li as três páginas de Informática sobre webmail.

Um serviço útil, porém com um grave problema jornalístico, a falta de transparência: o UOL é citado em todas as páginas. Perdoem eventual falta de atenção, mas não li que a Folha é sócia e controladora do portal. Trata-se de informação indispensável, que não deve ser escondida do leitor, ainda mais porque o caderno compara o produto da empresa do Grupo Folha com o de concorrentes.

Uma estranha coincidência

A reportagem de Informática conta, sem chamar a atenção para a coincidência, que o serviço de e-mail do UOL ‘sai por R$ 7,90 por mês para assinantes e R$ 8,90 por mês para não assinantes’.

Quanto o Terra cobra? Exatamente o mesmo valor, nas duas modalidades!

E o IG? Idênticos R$ 7,90 por mês para assinantes. Para os não-assinantes, R$ 1 a mais, R$ 9,90.

Talvez a informação já tenha sido publicada, mas deveria constar da edição de hoje: serviços de internet são tabelados no Brasil? Ou a incrível igualdade de preços pode sugerir acordo entre empresas que resulta em prejuízo aos consumidores?

Não vale reportagem?

Os sigilos de Renan

Creio que faltou uma informação na chamada da manchete, ‘Supremo quebra sigilo fiscal de Renan’. A Folha informa que o STF quebrou o sigilo fiscal e o de movimentação financeira do senador. Usa ‘movimentação financeira’, e não ‘bancário’, ao contrário do que fizeram Estado e Globo.

O motivo se lê na pág. A4: ‘Essa espécie de quebra de sigilo bancário não permite acesso a dados sobre depósitos e transferências’, mas à movimentação financeira ‘a partir do recolhimento da CPMF’.

Ou seja: a quebra de sigilo bancário foi muito parcial, o que, creio, deveria ser destacado logo na primeira página.

Pequim 2008 e o jornal previsível

Tudo bem que falta exato um ano para o começo dos Jogos de Pequim, mas o título de primeira página é previsível demais: ‘A um ano da Olimpíada, Pequim ainda enfrenta problemas’.

Em todas as Olimpíadas, Copas do Mundo, Jogos Pan-Americanos é assim: um ano antes, suas sedes ‘ainda enfrentam problemas’.

China e Cuba, dois pesos

É interessante a reportagem ‘Falta pouco e falta muito’ (pág. D5), sobre os preparativos para a Olimpíada.

Mais uma vez chama a atenção, no entanto, o fato de o espaço noticioso da Folha não informar como é o regime político na China, uma ditadura de partido único.

Por que os burocratas chineses não são chamados de ‘ditadores’, como jornal se refere ao cubano Fidel Castro? Os dois sistemas não são semelhantes?

A diferença seria o fato de a China adotar crescentemente valores e métodos do capitalismo, em contraste com a recusa de Cuba de se integrar ao mercado globalizado?

Ditador bom tem ‘espírito capitalista’ e ditador ruim é comunista? A Folha deveria se referir ao regime chinês como uma ditadura.

Câmbio flutuante

O jornal confunde os leitores ao não padronizar a cotação real/dólar. Bastaria definir uma referência, determinada cotação que sai diariamente em Dinheiro.

Hoje, em Esporte, os US$ 34 bilhões do custo da Olimpíada equivalem a R$ 65 bilhões. Logo, US$ 1 igual a R$ 1,91.

No texto ‘Recompensa por colombiano é de US$ 5 milhões’ (pág. C3), US$ 5 milhões equivalem a R$ 9,5 milhões. Portanto, US$ 1 igual a R$ 1,90.

Na mesma página, o quadro ‘Rota das drogas e do dinheiro’ afirma que US$ 80 mil representam R$ 160 mil. Aqui, US$ 1 igual a R$ 2.

E depois, nós, jornalistas, nos divertimos a falar mal de economistas…

O espectro da Escola Base

A Folha dá chamada na primeira página e amplo espaço interno à informação divulgada pelo jornal português Diário de Notícias sobre a suspeita de que os pais da inglesa Madeleine, 4, seriam os autores da suposta morte da menina.

Esse episódio dramático, de enorme repercussão na Europa, faz doer até a última veia do coração. Como se sabe, é também uma história mal contada, desde o estranho relato dos pais sobre como deixaram a filha sozinha em um quarto de hotel em Portugal a cuidar de irmãos menores.

Desconheço como o ‘Diário de Notícias’ apurou e editou a informação. Mas penso que a Folha deu-lhe um destaque exagerado.

É claro que desde o início a versão dos pais sobre o desaparecimento não é clara e aparenta contradições. Mas é indevida sua exposição sem limites, com as poucas informações por enquanto disponíveis, como a Folha fez hoje.

O fato de o sr. e a sra. McCann não lerem o jornal não o desobriga de considerar as lições da tragédia jornalística da Escola Base.

Erramos tardio

Em 19 de julho, o jornal publicou informação errada sobre a data do acidente com o Boeing da Gol no ano passado.

No mesmo dia, esta crítica apontou o erro.

Somente hoje, 20 dias depois, saiu Erramos.

Não basta o jornal se corrigir, é preciso se corrigir logo. É um direito dos leitores saber o quanto antes que o jornal se enganou.

Alma de release – Rodoanel

O texto ‘Serra autoriza privatização de trecho do Rodoanel’ (pág. C3 de ontem) se assemelha mais a um release do governo paulista do que a reportagem.

De jornalismo crítico e independente, nada identifiquei. Não se ouve um só especialista em tráfego urbano para comentar a decisão.

Não se dá voz a um só opositor da medida ou da gestão Serra.

Não há um só ‘porém’ introduzido pelo olhar fiscalizador que deve presidir a atividade jornalística.

Previ, enganado, uma suíte ‘problematizando’ o tema.

Para sorte dos leitores, os espaços plurais da Folha asseguram hoje pelo menos três comentários sobre a privatização: a primeira carta do Painel do Leitor; a seção Tiroteio do Painel; e a coluna de José Simão, ‘Socuerro! Roubágio no Rouboanel!’.

Nas asas da transparência

Folha e Globo informam que os jornalistas que cobrem a comitiva de Lula no exterior viajaram em avião da FAB em dois trechos. Segundo a Folha, devido à ‘falta de vôos comerciais em tempo hábil para a cobertura’.

Já no Estado não li nenhuma nota de esclarecimento, procedimento obrigatório de transparência.

Das duas uma: ou havia vôos comerciais e Folha e Globo preferiram o comodismo da carona ou o Estado não informou seus leitores sobre as condições peculiares da viagem.

O Jornal Nacional de ontem, além de noticiar a carona, anunciou que depositará o valor das passagens de sua equipe em conta do Fome Zero.

Lição aprendida

A Folha tem hoje um ótimo momento jornalístico, desses cuja percepção costuma ser inversa ao seu valor, a reportagem ‘Senado poupa e faz elogios a diretor do Dnit em sabatina’ (pág. A12).

Há alguns dias o jornal publicou reportagem sobre como os diretores da Anac foram aprovados em sessão de comissão do Senado que não os questionou sobre assuntos relevantes.

Foi um bom trabalho, mas seria melhor ter feito em 2005, cobrindo a sessão.

Agora, o repórter Humberto Medina acompanhou a aprovação do diretor do Dnit no simulacro de sabatina. Na Folha, não faltou aviso: os senadores deram o ok ‘em uma sessão de muitos elogios e poucos questionamentos’.

Diplomacia pugilística

A cobertura da Folha sobre a repatriação dos dois pugilistas cubanos que abandonaram a delegação no Pan não tem uma só informação sobre a situação deles em Havana. Estariam, de acordo com agências internacionais, em uma ‘casa de visitas’, eufemismo para o local onde estão detidos e não podem sair, embora conste que recebam parentes.

A Folha não ouviu uma só entidade de defesa dos direitos humanos sobre o imbróglio.

Em artigo escrito em 4 de agosto, Fidel Castro afirmou no Granma (li na internet) que a imprensa poderá conversar com os lutadores, ‘se eles desejarem’. Por que o jornal não pede uma entrevista? Nem que seja para ouvir que ‘eles não desejam’.

O mais estranho na história oficial parece ter sido a proibição de contato da imprensa com os pugilistas no Rio e a pressa no regresso para Havana.

História por contar, mesmo que, como escrevi na segunda-feira, a falta de inteligência de Rigondeaux e Lara pareça semelhante à de Tyson.

A reportagem ‘´Eles se entregaram´, diz dono de hotel no Rio’ (pág. A13), além de outros méritos, tem o de não editorializar a notícia, mal que acometeu a cobertura da duvidosa ‘debandada’ de parte da delegação cubana na véspera do encerramento do Pan.

Por fim: Editoriais e Sucursal do Rio grafam ‘Rigondeaux’. A Sucursal de Brasília, ‘Rigoundeaux’. Padronização seria bem-vinda.

Alma de release – Itaú bomba

Dificilmente um release do Itaú seria muito diferente do texto que a Folha publica hoje, ‘Itaú supera Bradesco e tem lucro recorde’ (PÁG. B5).

O jornal se submete à divulgação da casa bancária, sem senso crítico e disposição de, pelo menos, oferecer idéias divergentes sobre o significado do espetáculo do crescimento dos bancos.

O que representam os recordes para o país? Que prioridades econômicas indicam? Há alguma conseqüência no peso das finanças na economia, em especial em comparação com o setor produtivo? É possível que haja distribuição de renda simultânea ao progresso fabuloso e concentrador das instituições financeiras?

Responder a questões como essas também é papel do jornal. E não o de servir de eco a empresas e governos.

Personagens ocultos

Repetindo o que disse no começo, personagens decisivos na captura do traficante de drogas colombiano aparecem somente como coadjuvantes: os agentes da DEA. Há alguns deles fixos no Brasil. Para uma operação como a de ontem, se costuma trabalhar com equipes bem maiores.

O nome correto da DEA é Drug Enforcement Administration. A boa reportagem ‘Banco de vozes do governo dos EUA ajudou na identificação’ (pág. C4) escreve Drugs [no plural] Enforcement Agency [em vez de Administration].

E, se é ‘Administration’, o correto seria ‘a’ DEA, e não ‘o’ DEA. Tudo bem que se pode considerar ‘Escritório’, mas a tradução literal me parece mais fiel.

Lição não aprendida

O texto ‘Caixa-Preta: CPI vai comparar pouso em SP com o de Porto Alegre’ (pág. C6) afirma: ‘Em Congonhas, a alavanca da turbina direita foi deixada em ponto de aceleração no pouso, o que causou o bloqueio da frenagem automática programada’.

Não! Essa é uma hipótese.

O que se sabe é que o computador ‘leu’ assim a ‘informação’ e a registrou na caixa-preta. Mas é possível que a alavanca (manete; driblei de novo o artigo masculino…) tenha sido operada corretamente, e uma pane eletrônica tenha impedido o sistema de ‘entender’.

Ou seja: a Folha sentenciou, sem ter dados que amparem a ‘certeza’.

Pitacos de ombudsmans

Convidado ao ‘Observatório da Imprensa’ de ontem na TV, para discutir o tema ‘vazamento de informações’ na cobertura da tragédia de Congonhas, tive a curiosidade de indagar a outros ombudsmans como os veículos nos quais trabalham procederiam se tivessem as informações da caixa-preta divulgadas na quarta passada na Folha: publicariam ou não?

Todos responderam que publicariam, depois de checada a autenticidade da ‘matéria-prima’. São eles os representantes dos leitores do Washington Post, Orlando Sentinel, Salt Lake Tribune e Fort Worth Star-Telegram, jornais americanos, e o presidente da Fundação dos Ombudsmans de Media da Holanda.

´Família de negros`

Ontem, li e reli. Hoje, reli uma vez mais. Não entendi qual seria a mais remota relevância em informar a cor das pessoas na seguinte passagem da reportagem ‘Abarrotado, IML-Sul vive seu próprio ´apagão´‘ (pág. C10 de ontem): ‘Uma família de negros que mora perto de Guarulhos entrava ontem às 19h na sétima hora de espera pela liberação do corpo de um parente’.

Se fosse de brancos valeria menção? E de mestiços? E de descendentes de asiáticos?

Pena, porque a reportagem é boa.

07/08/07

Forfait

Devido ao grande número de leitores que procuraram o ombudsman na última semana e à necessidade de pôr o atendimento em dia, hoje não haverá crítica.

06/08/07

Duas ou três coisas sobre listas (ou dois ou três votos que coroaram Godard)

Confidência desimportante que não lustra as veleidades culturais de ninguém: não resisto a uma lista de melhores ou o melhor de todos os tempos, de hoje, seja lá de quando for.

Cineasta? Truffaut, seguido por Hitchcock. Seriado japonês? National Kid. Abertura de romance? Ana Karênina entre os cinco. Cena de novela? Sônia Braga subindo no telhado em Gabriela. Refrigerante? Nem Crush nem Grapette, mas guaraná (frisante) Polar. Melhor time brasileiro? Santos e Botafogo dos anos 1960 ou o Inter dos 70? Qual nada: o Flamengo do Zico!

E daí? E daí que a chamada do Mais! na primeira página de ontem anunciou: ‘Enquete aponta Godard como maior cineasta da atualidade, seguido de Lynch, Resnais e Coppola’. Deixei até a Revista da Folha com Marilyn e sua linda cicatriz para trás e corri ao caderno.

No alto da pág. 8, o título ‘E a coroa vai para… Godard!’. A linha-fina: ‘A convite da Folha, 16 críticos e diretores votam e elegem o francês como o maior cineasta vivo; Lynch, Resnais e Coppola vêm em seguida’.

Sabe quantos votos recebeu o diretor de ‘A Chinesa’? Um, dois, três! A Folha deu destaque na primeira página e no Mais! a uma ‘eleição’ com 16 votantes, na qual o campeão amealhou sufrágios que podem ser contados com alguns dedos da mão.

A recente onda de listas do jornal surgiu, até onde a memória alcança, com um levantamento sobre o maior brasileiro de todos os tempos. Ouviram-se 200 personalidades. O colégio eleitoral foi murchando.

Esse tipo de entretenimento exige, entre outras coisas, suor. Dá trabalho selecionar e procurar os votantes. Com três preferências, a eleição, a rigor, é um simulacro até de brincadeira.

Para constar: Acossado, de Jean-Luc Godard, está na minha lista dos 20.

Uma senhora vesícula

Ficou simpática e de bom gosto a edição da Revista da Folha sobre a morte de Marilyn Monroe há 45 anos.

Norma Jeane não está na minha lista das dez divas do cinema, liderada por Grace Kelly, um naco de unha à frente de Ingrid Bergman. Mas Quanto Mais Quente Melhor está entre os ‘meus’ dez filmes.

Uma história mal contada

Está por ser contada a verdadeira história sobre o tal pedido para voltar para casa feito pelos dois boxeadores cubanos que abandonaram a delegação no Pan e foram presos na semana passada pela Polícia Militar do Rio e entregues à Polícia Federal.

Mesmo que a (falta de) inteligência de Rigondeaux e Lara não supere a de um Tyson, é tudo muito estranho.

No Brasil, foi a ditadura militar que inventou, com o auxílio do pau-de-arara, os ‘arrependidos’.

Na edição de hoje (pág. D4), a Folha dá mais espaço ao texto ‘Hipismo almeja popularizar eventos’ do que à notícia ‘Boxeadores de Cuba que desertaram deixam o Rio’.

Questão de prioridade.

Título versus reportagem

O título ‘Em Porto Alegre, opções à esquerda já ameaçam PT’ (pág. A13 de domingo) parece uma leitura correta da pré-corrida eleitoral da capital gaúcha, mas não é isso o que a reportagem foca.

Ela afirma que há seis ‘pretendentes declarados’ à cadeira do prefeito José Fogaça, que planeja tentar a reeleição. Fogaça é do PPS, não do PT.

O título, na verdade, é uma pauta, para outra reportagem.

O texto tem um problema: não informa nem remotamente o nível de aprovação do governo municipal.

Pode ser formalismo, já que a entrevistada tem 25 anos, mas, na condição de deputada federal, Manuela D´Ávila deveria ser tratada como ‘a sra.’, e não por ‘você’.

As revistas semanais e a tragédia

Veja (título em página interna): ‘As caixas-pretas não mentem’ – ‘O cruzamento dos diálogos da cabine do Airbus da TAM com dados do vôo reforça a convicção de que o piloto deixou o manete na posição incorreta’.

Época (capa): ‘É justo culpar os pilotos?’ – ‘Os fatos e as dúvidas sobre o vôo 3054’.

Isto É (capa): ‘´Oh, meu Deus! Vira, vira, vira…` – Os erros fatais: um Airbus sem um reverso, sem spoiler e com manete travado; uma pista escorregadia, sem ranhuras e sem área de escape; um avião com o peso no limite e carregado de combustível – E A CULPA É DO PILOTO?’.

Carta Capital (página interna): ‘Gritos e sussurros’- ‘Os vazamentos dos diálogos da caixa-preta agitaram o Congresso, mas não diminuíram as especulações sobre as causas do acidente’.

Miséria humana

É impressionante a ótima reportagem ‘Mortos do vôo da Gol foram pilhados’, ontem no ‘Estado’.

A Folha fez bem em suitar o furo do concorrente.

Aposta na luz

Ficou muito boa a entrevista dominical com dois investigadores de desastres aeronáuticos (‘Acidentes não têm causa única, dizem especialistas’, pág. C7).

Terminologia aeronáutica

Aeronautas e aeroviários com quem conversei nos últimos dias questionam a tradução de ‘ponto morto’ para a posição ‘idle speed’ da alavanca chamada de manete.

A denominação mais apropriada, afirmam, é ‘marcha lenta’.

Padronização

Volto a sugerir: por que não padronizar? O jornal segue empregando tanto ‘reverso’ como ‘reversor’.

Inflexão

A reportagem ‘Airbus isenta avião e indica falha operacional’ (capa de Cotidiano 2, no sábado) banca de quem são as vozes na cabine do avião pouco antes do choque. Até então, o jornal sustentava saber o que dizia o piloto que estava à esquerda e o que estava à direita.

Se o comandante manteve a posição, sua voz é a da posição esquerda. A hipótese virou certeza no meio do texto. O jornal deveria ter explicado que novas informações ou análise o levou a abandonar a cautela.

Militarização

Brigadeiro Kersul, brigadeiro J. Carlos, coronel Junqueira. Oficiais da Aeronáutica nas páginas de hoje da Folha, em entrevistas sobre a aviação civil.

O problema, claro, não é do jornal, que deveria, entretanto, problematizar (sic) o controle militar sobre a aviação comercial.

Esqueçam o que escrevi

O Globo foi feliz na primeira página do sábado, ao editar com sabor a chamada para a reportagem, que também saiu na Folha, comparando declaração de Lula sobre o caos aéreo na semana passada e um artigo de 2002.

Título: ‘Esqueçam o que escrevi II’.

Miséria humana 2

A capa de Cotidiano do sábado, ‘Crianças dormem em colchões à espera de inauguração de abrigo’, conta uma história de chorar. As crianças e os adolescentes, vítimas de violência ou abandono, só não teriam se mudado para um novo abrigo porque o prefeito de Ribeirão Preto não encontrou tempo na sua agenda para a festividade de abertura. Dormem em colchões, porque as camas já foram.

Uma menina de seis anos disse: ‘Meu quarto vai ser lindo. Tudo é novinho’.

A reportagem tem uma limitação: ela cita o outro lado da Prefeitura, que alega estar pintando móveis e que o cheiro de tinta impede a transferência. Todo o texto é pautado no diz-que-diz. Por que a Folha não foi ao novo abrigo para saber se, de fato, está tudo pronto, e as crianças só não foram para lá porque o prefeito não encaixou a cerimônia na agenda?

Ainda é tempo.

Título versus reportagem 2

O título ‘PSTU e PSOL dominam a assembléia dos metroviários’ (pág. C11 de Cotidiano 2, de sábado) é derrubado pela boa reportagem. Quem dirige o Sindicato dos Metroviários de São Paulo são PC do B, partido do presidente da entidade, e PSTU, do vice.

Para que serve o jornalismo

As reportagens dominicais ‘Fundação é acusada de superfaturamento’ (pág. C13) e ‘EUA terão de pagar adicional a brasileiros’ (pág. C16) são suítes de investigações próprias ou revelações da Folha no passado.

Painel do Leitor?

Metade do Painel do Leitor de sábado foi subtraída por carta de assessor de imprensa e de senador. Suas manifestações deveriam ser publicadas, como nota ou afirmações entre aspas, nas editorias em que saíram as reportagens às quais os remetentes se referem.

O Painel é para o leitor comum, não para personalidades e autoridades.

Homofobia

A Folha deu um belo furo com a reportagem sobre a sentença de um juiz para quem ‘o futebol é jogo viril, varonil, não homossexual’.

Só não precisava ter errado, na suíte de sábado, no título do alto da capa, o nome do jogador: o atleta são-paulino se chama Richarlyson, e não Richalyson, sem o ‘r’, como saiu (‘Ministros atacam discriminação no caso Richalyson’).

‘Oitentação’

As três páginas da Ilustrada de sábado dedicadas aos 80 anos de Décio Pignatari, entrevista com gosto de quero mais, ficaram muito boas.

Jornalismo versus divulgação

José Sergio Gabrielli, o presidente da Petrobras cujo nome foi poupado de citação na Folha durante dias, na Operação Águas Profundas, apareceu muito bem no texto com alma de release ‘´Espírito` carioca faz empresário tirar gravata’ (pág. B12 de domingo). Exagero? Segue trecho.

‘Com muitos bilhões a mais para administrar, o presidente da Petrobras, o baiano José Sergio Gabrielli, prefere uma atividade física menos radical: caminhar no calçadão de Ipanema, bairro da zona sul da capital fluminense onde mora com a mulher, e malhar quatro vezes por semana.’

‘Gabrielli –que se tornou diretor da Petrobras em 2003 e, em 2005, assumiu o comando da estatal– aceitou a proposta de se mudar para o Rio por causa do ´desafio de ser parte de uma equipe liderada pelo presidente Lula, que pretende redirecionar o desenvolvimento brasileiro com mais inclusão social e crescimento´.’

‘Missão que lhe custou ter só dez dias de férias por ano e muito trabalho aos sábados e domingos. ´Trabalho até 15 horas por dia, mas tenho procurado trabalhar menos nos finais de semana´, disse o executivo, que costuma fazer as refeições na estatal. Na última sexta-feira, porém, foi visto saboreando uma moqueca baiana no tradicional Oxalá, restaurante da Cinelândia, centro do Rio, desprovido de qualquer glamour.’

Breve contribuição ao Erramos 1

Ao contrário do que considera o texto ‘Lula mantém aprovação após caos aéreo e acidente da TAM’ (pág. A4 de domingo), o valor do salário mínimo é de R$ 380, e não R$ 350. Logo, dez salários mínimos somam R$ 3.800, e não R$ 3.500, como consta erroneamente na edição.

Breve contribuição ao Erramos 2

Ao contrário do que informa a reportagem ‘São Paulo faz maior ´Fora, Lula´; protesto reúne 3 mil pelo país’ (pág. A8 de domingo), o Segundo Exército não existe há muito tempo. Sua denominação correta é Comando Militar do Sudeste.

Breve contribuição ao Erramos 3

Não faltam, é verdade, publicações acríticas no jornalismo. Mas a fotografia publicada na pág. C4 de domingo não é do jornal amazonense ‘Acrítica’, mas sim ‘A Crítica’.

A legenda é imprecisa: Nelson Jobim, ao contrário do escrito, não ‘participa de exercícios das Forças Armadas’, mas o ministro reservista os acompanhou, observou, sem participar.

Breve contribuição ao Erramos 4

A reportagem ‘Airbus isenta avião e indica falha operacional’ (Cotidiano 2, de sábado) afirma que a Folha antecipou informações da caixa-preta na terça-feira anterior. Foi na quarta.

Breve contribuição ao Erramos 5

Ao contrário do que informa o texto ‘Erro de projeto levou à falha, diz brigadeiro’ (Cotidiano, capa de hoje), o acidente com o Airbus da TAM ocorreu em 17 de julho (e não 17 de março).

Breve contribuição ao Erramos 6

Ao contrário do que afirma o texto ‘Lagos é aqui?’ (pág. E2), a capital da Nigéria é Abuja, e não Lagos.’