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Marilena Chaui – Em primeiro lugar, quero agradecer o convite que você me fez. Quero também explicar que eu não publiquei a carta na Folha de S.Paulo e não a postei na internet. Eu enviei aos meus amigos e eles colocaram na internet, depois ela foi publicada sem a minha autorização. Antes de me referir à própria carta, eu pensei que a publicação dela pela Folha de S.Paulo, dado o conteúdo que a carta tem, foi um instante shakespeariano da Folha, um instante de Hamlet. Porque você se lembra que Hamlet foi transformado em louco, em cuja palavra ninguém acredita, e ele precisa dizer à Corte o que foi que aconteceu. E o caminho que ele encontra é o de fazer teatro dentro do teatro. Eu tenho a impressão de que alguns jornalistas da Folha resolveram dizer o que se passa, usando a minha carta. Eu queria dizer também que sou filha de jornalista e, como tal, eu cresci no meio da profissão e tendo um profundo respeito por ela. O jornalismo, a figura do meu pai, a figura dos jornalistas à volta dos quais eu cresci e me formei são decisivos para minha própria história. E, portanto meus momentos críticos com relação à imprensa não são de desqualificação, de maneira nenhuma, por respeito a ela eu acho que é preciso a crítica.Queria dizer também que a importância da imprensa no século 17 é uma coisa extraordinária porque no momento em que os protestantes decidem fazer uma revolução, a primeira providência que eles tomam é alfabetizar as pessoas e traduzir a Bíblia. E depois a imprensa era uma coisa muito simples. Era uma prensa que cada um carregava debaixo do braço. E a Revolução Inglesa, que é a mais democrática de todas as revoluções, foi feita graças a este trabalho da imprensa dos revolucionários. Nós sabemos também o papel que ela teve na Revolução Francesa, no qual afirma pela primeira vez o direito. E você sabe a minha paixão filosófica, é o filósofo que dedicou toda a sua obra, explicitamente, à defesa da liberdade de pensamento e expressão.
Então esse é um dia importante de comemoração, e em nome da liberdade de imprensa, da liberdade de pensamento e da liberdade de expressão é que eu escrevi a carta aos alunos. Então o que aconteceu foi o seguinte: durante muito tempo eu me pronunciei publicamente sobre as questões políticas, sociais e culturais e depois eu fiquei muito em silêncio. Os alunos, meus colegas cobraram isso. Então eu resolvi explicar a eles. Explicando, sobretudo, que o fato de eu não escrever nos jornais não significava silêncio. Significava que eu estava discutindo de outra maneira, em outros lugares.
E eu pedi a eles que não confundissem a transformação que a mídia em geral e a imprensa em particular haviam feito do curso ‘O silêncio dos intelectuais’. Um curso pensado em abril de 2004, que tinha como finalidade entender se está ou não desaparecendo, e por que, a figura do intelectual engajado. Isso foi transformado numa discussão em torno dos intelectuais petistas e no meu caso mais do que os outros. O resumo da carta é esse: estou silenciosa com relação aos meios de comunicação porque não me sinto informada. Portanto não tenho condições de fazer uma reflexão e uma análise proveitosa. Eu falaria por falar. Em segundo lugar explicando a eles que o ‘Silêncio dos intelectuais’ não tinha nada a ver com a crise política brasileira. Em terceiro lugar, explicando o que tinha acontecido comigo na relação com a imprensa, na maneira pela qual pouco a pouco, do mesmo modo que defendemos a liberdade de expressão, o direito à palavra, eu defendi o meu direito ao silêncio, o meu direito a reflexão.
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João Ricardo Moderno – Na minha posição pessoal, uma pessoa que tem uma atividade política pública com anos de trajetória política, no momento de crise política com quadrilhas identificadas, sacos de dinheiro sendo carregados em aeroportos, confissões, provas testemunhais e materiais, o assassinato do prefeito Daniel (que já está na oitava morte) considera legítima essa posição, com relação a toda sua trajetória, de silenciar em um momento tão grave no Brasil?**
Marilena Chaui – Em primeiro lugar eu não sabia que há oito mortes no caso de Santo André. Eu vi a família do legista assegurando que era morte natural. O que se suspeita é de homicídio, mas isso eu não sei. E também não vou me pronunciar sobre o caso de Santo André e sobre esse acontecimento terrível do meu ex-aluno e grande amigo Celso Daniel, com quem eu trabalhei em certos momentos em Santo André. Então, devagar com o andor. Devagar com o andor. Estou explicando que não fiquei em silêncio sobre a questão de fundo, isto é, que significa a existência de caixa dois no processo eleitoral brasileiro.Segundo, o que significa o Poder Executivo nunca ter maioria e transar coisas impróprias, para dizer no mínimo, para obtenção de votos desde a Primeira República. Então sobre essas coisas eu escrevi, escrevi um artigo sobre o caso do Waldomiro Diniz e toda a discussão a respeito do financiamento de campanhas e a necessidade de mudar a legislação sobre esse financiamento.
Depois eu escrevi sobre a necessidade da reforma política, eu escrevi que a crítica estilo moralista não levará a nada. A qualidade da moralidade pública é medida pela qualidade das instituições. Como são as instituições partidárias, eleitorais, a forma da representação, o funcionamento do Legislativo, o funcionamento do Executivo? São compatíveis com a República? Com a democracia? Não são, elenquei os motivos e lancei a idéia em 2004 de que nós entrássemos numa séria campanha social pela reforma política.
Então das duas questões de fundo eu falei. A discussão sobre os problemas do Partido dos Trabalhadores eu tenho feito em grupos de trabalho. Por que não me pronunciei nos meios de comunicação? Em primeiro lugar tive um problema pessoal muito grave, de modo que eu só poderia me ocupar com este assunto depois de julho. Antes disso, se o senhor leu a carta, eu não tinha a menor condição. Ora, na altura de junho as coisas essenciais sobre a indignação, a perplexidade, a revolta e a cobrança dos petistas estavam em entrevistas de jornais, rádios e televisão. Os artigos sobre o que havia acontecido com o Partido dos Trabalhadores já existiam. Todos os petistas intelectuais já haviam escrito e os não-petistas também. E a discussão em torno da CPI e do próprio governo estava em curso. Eu não teria nada a acrescentar, mas havia mais um problema. Quando eu afirmei a vários jornalistas que eu me sentia desinformada isso não era uma retórica, o senhor deve ter notado que num mesmo dia diferentes jornais dão a mesma notícia de modo diferente.
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Francisco Karam – Em primeiro lugar quero dizer que a carta da Marilena Chaui é um marco no sentido de chamar a atenção para problemas que a mídia vive, particularmente o jornalismo. Mas tanto dá para tratar dos problemas e dos eventuais defeitos que ela tenha na cobertura quanto dos seus méritos. Se a gente observar bem, temos um conjunto de mídias e dentro delas um conjunto de atividades jornalísticas que vão da pauta até a edição final, e em decorrência disso a interpretação e as páginas de opinião que envolvem televisões, jornais, revistas, portais de internet, mas que envolvem também uma série de intérpretes, desde o articulista até quem seleciona os acontecimentos e as abordagens.Acho que de alguma forma é salutar a interpretação diferenciada sobre os mesmos fenômenos porque isso pode significar uma certa variedade de fontes e acho que o debate, que de alguma forma foi inaugurado pela professora Chaui, já vem ocorrendo há mais tempo em sites como Observatório da Imprensa, Comunique-se, como o Sala de imprensa do México, que discute também questões pontuais do Brasil. Como outros sítios digitais que debatem o jornalismo e outros programas, mas talvez não tenham a repercussão grande que deveriam como cobertura da área de política e como análise, porque de alguma forma o conjunto da população majoritariamente se vale para o entendimento da realidade social de forma imediata dos meios mais conhecidos.
Mas mesmo assim acho que seria necessário fazer algumas diferenças e eu vi que a professora Chaui, que tem uma bagagem enorme na área de filosofia e na administração pública da prefeitura de São Paulo, faz uma crítica genérica, e a minha pergunta a ela seria em dois sentidos: quais são os principais defeitos pontuais? Poderia apontar algumas coberturas que a levassem a esse silêncio?
A professora cita que não consegue formar um juízo adequado de valor em função mais da desinformação do que propriamente de um conjunto de coberturas, de fatos, de evidências, que permitam juízo, e isso faz com que ela tenha recuado um pouco nessa questão de falar à mídia. Então, a minha pergunta é: como costuma se informar diariamente sobre os acontecimentos diários da política, já que a mídia é quem os trata? Um terceiro ponto seria quais as possibilidades, como a mídia deveria atuar no jornalismo, como poderia melhorar, já que na própria carta ela situa o jornalismo como refém dos interesses de mercado, pois se trata de empresa capitalista, pelo menos o jornalismo hegemônico não-estatal.
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Marilena Chaui – Vu responder de uma maneira indireta, ou seja, eu acho que há dois jornalistas que respondem a estas perguntas que me foram feitas. A primeira é a jornalista Marina Amaral, que publicou no número especial da Caros Amigos [ver remissão abaixo] um artigo exemplar e que me deixou apavorada, chamado ‘Como nascem as notícias’.Ela fez um exame, entrevistou uma pessoa e a partir dali elaborou um conjunto de considerações em torno da produção da notícia através das chamadas fontes. É uma coisa de arrepiar os cabelos, essas chamadas fontes possuem muita informação, dossiês. Não interessa aqui para a resposta como isso é coletado. É uma imensidão de informação que fica guardada, e o gerenciador de crise explica que aciona a mídia quando empreiteiras, empresas, bancos, financeiras, partidos políticos pagam para ele fazer isso. Ele tem uma longa explicação do papel que ele e outros como ele tiveram na produção dessa crise atual. É um artigo de uma revista respeitável por uma jornalista respeitável, que respeita o jornalismo. Acho que ela responde melhor do que eu.Mas, há também uma outra coisa que eu li por esses dias, é um artigo extraordinário do Caio Túlio Costa [ver remissão abaixo], que é jornalista e professor na ECA/USP em São Paulo, escreveu: um ensaio, ‘Modernidade líquida, comunicação concentrada’, que é também muito apavorante, não só porque explica como a mídia está se tornando concentrada, verdadeiramente oligopólica, ditada pelas exigências efetivas de mercado, e o resultado disso para o jornalismo, em particular a questão da tecnologia digital no lugar da analógica, a multimídia, empobrecendo demais, o jornalista passa a ter que confiar nas fontes, que busca na via eletrônica. Na via eletrônica você tem fontes idôneas, não-idôneas, fatos verdadeiros, falsos e duvidosos que exigiriam investigação, que o jornalista não tem tempo para fazer. Ele diz que o jornalismo investigativo e de verificação está sendo substituído pela assertiva, a afirmação, com base em opiniões pessoais e tudo muito rápido, o jornalista tem que opinar muito rapidamente, de modo que esse tipo de jornalismo não informa e precisa ser revisto. A pergunta ‘como deveria ser’: não faço idéia, espero que os jornalistas nos digam como deveria ser. Que o panorama é assustador os jornalistas estão mostrando que é.
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João Ricardo Moderno – Eu observei alguns trechos da carta da professora quando ela menciona terror, tortura. Porque eu não vejo a imprensa brasileira como um sistema montado no terror, muito menos na tortura. Eu acho que o que pode estar desagradando a professora é que a imprensa não tenha sido tão ‘simpática’ ao partido dela e que haja um certo desconforto em relação ao que está acontecendo para poder se explicar, então a minha pergunta é a seguinte: há uma grande conspiração na mídia onde todos os meios de comunicação social do Brasil estão todos combinados entre si para gerar um sistema de terror, um sistema de tortura moral contra a senhora, contra o Partido dos Trabalhadores e contra o governo?**
Marilena Chauí – Eu espero que não. Eu realmente espero que não. A colocação sobre os jornalistas é um alerta para que esse tipo de coisa não aconteça. Se deixar solto como está aqui poderia acontecer. Você é filósofo, não é? Da Academia Brasileira de Filosofia. Eu citei o Hegel, então não estou falando de qualquer terror, e citei Blanchot, então eu não estou falando de qualquer tortura. Um filósofo deve imediatamente entender o que eu quis dizer. O que Hegel chama de terror não é a prisão, nem a ditadura militar daqui, mas sim o processo pelo qual um suspeito é imediatamente transformado em culpado por ser suspeito, e que, ao ser culpado, é imediatamente executado, e que é o processo totalitário. Você lê Lefort, você leu Hannah Arendt, você sabe do que eu estou falando. Seria ingenuidade da sua parte imaginar que eu estou falando de outro tipo de terror. Eu estou falando de um processo de produção da culpa e da execução.E, com relação à tortura, eu estou me referindo a Blanchot, no momento em que ele analisa a experiência-limite. Então ele diz que ‘os seres humanos inventaram a linguagem como forma de ultrapassar a violência animal’. E na situação de tortura o que é terrível nela não é a violência animal. E na situação de tortura o que é terrível nela não é a dor física, é que o torturador pede ao torturado que lhe dê o dom de sua humanidade. Que ele diga uma palavra verdadeira. Então, o paralelo que eu fiz é que a exigência de que eu falasse quando eu ainda não queria falar é desse tipo. Você é filósofo e sabe muito bem que o que eu estou falando é praticar uma violência.’
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Fransico Karam – Observando a carta da professora Marilena, há alguns aspectos que chamam atenção. A questão da desinformação, volto a repetir. Hoje, cada vez mais conglomerados mantêm sociedades cruzadas de comunicação – como propriedade de rádio e TV, jornal e internet – e, ao mesmo tempo, sociedades com setor armamentista, setor agropecuário, setor banqueiro, e isso faz com que o espaço que foi conseguido a duras penas, ainda que não totalmente realizado ao longo do século 21, em que figure o interesse da sociedade e o direito do público a saber fique, de certa forma, ainda mais constrangido nos últimos anos. Mas, ao mesmo tempo, cresce a segmentação da informação e os meios públicos, seja por meio da TV Câmara, a TV Senado, seja por meio do jornalismo institucional e, especialmente público, nas assembléias legislativas.Então, é um momento em que o volume de informação é tão grande e, ao mesmo tempo, há demanda por mais informação, porque as grandes redes e as grandes mídias e o jornalismo dos grandes meios não pode cobrir tudo. Surge um déficit informacional que faz com que haja necessidade de pequenos meios, pequenos municípios, órgãos como Assembléia, Senado, Câmara têm seus próprios meios, não para fazer mais o release, o jornalismo de chapa-branca, mas pra tratar de forma mais transparente aquilo que interessa à sociedade.
Há conflito nesses poderes, há jornalistas trabalhando com interesses ideológicos conflitados internamente. Então eu gostaria de perguntar à professora Marilena, embora ela não seja jornalista, se ela, com o olhar de filósofa sobre a nossa época, vê alguma perspectiva de realização plena do direito social à informação que desde 200 anos atrás vem sendo afirmado. Seja na Declaração de Independência americana [1776], na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão [1793], na Declaração Universal dos Direitos do Homem [1948]. De alguma forma esse direito vem mais ou menos explicitamente sendo afirmado. O jornalismo pode realizar esse papel?
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Marilena Chaui – ‘A minha expectativa é que sim. Eu me dedico ao estudo de um filósofo que dedicou a vida à liberdade de pensamento e de expressão e mencionei os momentos fundamentais em que a imprensa foi decisiva nos processos revolucionários e nos processos de libertação. O que diferencia a democracia substantiva de uma democracia meramente formal é que a democracia meramente formal se define como o regime da lei e da ordem com processos eleitorais. Uma democracia substantiva é aquela que se dedica à criação de direitos, que cria e assegura direitos. Ou seja, a democracia substantiva é aquela que cria a cidadania econômica, social, cultural e política. Ora, a condição sine qua non de uma democracia substantiva é o direito à informação. Não só o direito de receber a informação, mas o direito de produzir a informação e de divulgar a informação. Não por acaso que a forma política institucional assumida pela democracia quando ela nasce é a assembléia, na medida em que é na assembléia que os cidadãos são informados um pelos outros, produzem informação e opiniões.Então nós não vivemos mais no mundo da possibilidade da democracia direta, mas a democracia representativa pode incluir momentos de democracia participativa e, sob esse aspecto, o direito à informação. Recebê-la, produzida e analisá-la é decisivo. Desse ponto de vista acho que há uma discussão importante, acho que é essa a discussão que o Caio Túlio Costa propõe. Temos novos meios tecnológicos que permitiriam, efetivamente, uma ampliação, um alargamento do direito à informação. Ao mesmo tempo ele tem controles e formas de circular e de interpretar essa informação que podem ser desinformadores. Então é um problema fascinante que nos concerne a todos porque está ligado ao destino da democracia.
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Alberto Dines – Professora, eu queria dar uma contribuição, sobretudo nesse aspecto da democracia participativa. Eu vou fazer um pequeno comercial do Observatório da Imprensa. Nós estamos há quase 10 anos, graças ao Caio Túlio Costa – primeiro na internet, depois na televisão há sete anos, e agora em rádio – tentando fazer o contra-poder ao poder da imprensa. Eu tenho a impressão que essa é a essência da democracia, e mesmo a democracia burguesa, que permite que haja poderes e haja imediatamente o contra poder.**
Marilena Chaui – ‘Exatamente. Eu participo da concepção da democracia que aparece em vários filósofos em que a democracia é pensada como a possibilidade da construção dos contra-poderes. Porque ela é o único sistema que não considera apenas que o conflito existe. Considera que o conflito é legítimo e que é a forma mesma de ela existir.**
Adauto Novaes [depoimento gravado] – Houve uma série de equívocos e mal-entendidos em quase toda a imprensa brasileira em relação ao ciclo [O silêncio dos intelectuais]. O ciclo foi pensado há mais de um ano, tanto o tema quanto o título e os conferencistas. O título foi pensado por mim, mas foi a fonte de muitos equívocos na imprensa. Eles quiseram associar o ciclo e o título aos acontecimentos políticos recentes do Brasil. Não dá para entender bem qual é a origem desse equívoco, mas na realidade quase toda a imprensa tratou de maneira deturpada.Talvez seja uma impossibilidade da imprensa, hoje, de lidar com o pensamento. Ela trabalha fundamentalmente com as opiniões. Sabe-se que opinião é o lugar das paixões, do interesse, dos caprichos. Essa é a primeira grande dificuldade da imprensa. E a segunda dificuldade, a gente viu nesse ciclo de conferências, é que ela abriu para certos articulistas de uma maneira muito irresponsável. Desde chamar de ‘silêncio dos indecentes’ a ‘Porcos práticos’. Em terceiro lugar, acho que a reportagem está se misturando com a opinião do jornal. Então você tem no corpo do que seria uma reportagem opiniões que não têm nada a ver com aquilo que está sendo dito.
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Marilena Chaui – Eu e Adauto somos amigos de longa data. Concordo inteiramente com o que ele falou. Eu fui realmente vituperada, massacrada e injuriada por causa desse curso, mas Adauto também. Adauto, cuja seriedade intelectual, cuja seriedade como jornalista é dedicada integralmente ao desenvolvimento cultural do Brasil. Uma pessoa de uma dignidade e de uma inteligência aguda sensível para os problemas atuais. O que foi feito com o Adauto é uma coisa imperdoável. O campo das paixões é efetivamente o campo das paixões, dos interesses, dos conflitos. O campo do pensamento é a operação que a razão realiza para compreender as próprias paixões e para compreender a multiplicidade de opiniões. Então, quando nós nos referimos ao silêncio dos intelectuais havia três coisas que interessavam. A primeira: o intelectual é aquele que exprime publicamente pensamentos que advêm de sua área própria de trabalho, mas ele faz uma intervenção pública, uma intervenção política. Ele é intelectual por isso. Então a questão é: ainda existem intelectuais? Será que Sartre e Foucault são os últimos intelectuais?A essa pergunta, cada um de nós procurou responder da maneira mais adequada possível. Eu me concentrei na formação do saber, uma força produtiva do capital, e o fato de que os pensadores estão nas universidades e nos centros de pesquisa, e não mais na praça pública. Você mesmo escreveu, sobre a minha carta, que ‘é preciso um tempo para análise, para que o pensamento possa ser produzido’. [ver remissão abaixo] Opinião eu tenho aos montes. Cada manhã, depois de ler vários jornais tenho inúmeras opiniões. Pensamento está difícil…
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Francisco Karam – Vejo que o jornalismo acerta muito, erra também bastante, mas o que chama atenção são os erros. Vejo grandes jornalistas, jovens jornalistas tentando fazer o possível dentro de uma estrutura que existe também na saúde pública, que existe na medicina constrangida por uma série de interesses. Então eu vejo que as críticas são pertinentes, me parecem bastante procedentes, muitas das críticas na carta da professora Marilena Chaui. Acho que esse programa ajuda bastante semanalmente, tanto aqui quanto na Internet, a debater temas próprios da atividade jornalística e do seu papel social, da sua importância e acho que os outros meios de comunicação poderiam abrir mais para fazer uma espécie de autocrítica dentro dos limites possíveis, mas também de uma forma desabrida.Outro aspecto que eu vejo é que talvez o conjunto de críticas e de abordagens do comportamento de alguns jornalistas, hoje, não tenha mudado muito. Talvez venha vindo mais como um bumerangue, mas de forma mais forte ainda porque alguns dos procedimentos verificados hoje foram de líderes do PT na gestão anterior, também se apoiavam em críticas às vezes infundadas ao governo anterior. E eu não tenho nada de apoio ao governo anterior, de FHC, mas eu vi líderes do PT pedirem, por exemplo, a renúncia de FHC, e naquele momento houve repercussão, menor em relação a hoje. Acho que há uma diferença gritante talvez pelo fato de o PT ter atuado sem uma base, e o peso está redobrado nas acusações contra ele.
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João Ricardo Moderno – Eu acho que são fatos isolados… Os jornalistas são pessoas físicas que cometem erros, como cometem acertos. Acho essa carta louvável no aspecto de que pode contribuir para o debate, mas me parece extremamente fantasiosa com relação à imprensa, no sentido de dizer que as palavras têm peso, professora, de que a opinião dissidente é tratada como crime. Eu não vejo a imprensa brasileira, com toda a sinceridade, trabalhando dessa maneira. Eu acho que repressão havia sido ensejada pelo governo federal, de criar o Conselho Federal de Jornalismo. Um conselho federal que pudesse cercear a liberdade de imprensa no Brasil. Chegaria ao ponto justamente do totalitarismo que a senhora critica.**
Marilena Chaui – Eu quero agradecer enormemente o convite, Dines, acho que o trabalho que você realiza é o caminho… Aliás, quando eu recebi o convite, pedi que fosse dito a você que você é o exemplo do verdadeiro jornalismo que esse país precisa. E por isso eu estou muito agradecida pelo convite. Queria dizer que discutir os meios de comunicação em geral é uma das discussões mais importantes que nós temos no presente, pela grande mudança que a tecnologia estaria imprimindo. Então nós lidávamos com a indústria cultural, mas agora nós vamos lidar com outro tipo de realidade que vai dominar o século 21. A nós, os filósofos ou os profissionais da área, cabe fazer essa reflexão, e acho que o Observatório tem sido exemplar no modelo a ser seguido neste país. Muito obrigada.