Levar a internet para dentro das casas das pessoas e acabar com a política de inclusão digital do faz-de-conta, como ‘a armadilha dos telecentros’. Este é um dos desafios do governo brasileiro, admite o pesquisador James Görgen, coordenador do Instituto de Pesquisa em Comunicação, defendendo que o país tem um duro caminho a trilhar nesta área.
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A internet surgiu como uma ferramenta tecnológica para democratizar a informação. Hoje, o que se percebe é que não realizou o que prometeu. O que falta para isso?
James Görgen – As comunicações no Brasil atravessam dois momentos, como tudo no país onde existem uma Bélgica e uma Índia. De um lado, apenas 14% da população têm acesso à internet em casa, de outro, 93% têm TV. A questão da internet, da inclusão digital e da democracia pelo acesso às novas tecnologias não é garantia de democratização. Acredito que as duas coisas precisam ser concomitantes.
Como isso poderia ser feito?
J.G. – Um deles, o desenvolvimento da inclusão digital a partir de políticas públicas de governo, como telecentros e redes comunitárias sem fio, tecnologia bastante avançada lá fora. Ou seja, o chamado people play, uma versão popular do serviço triple play, que consiste na oferta de vídeo, dados e voz para as populações de baixa renda. Isso é um movimento importante que os estados, municípios e a União precisam fazer para incluir digitalmente a população, uma vez que a gente tem esse desequilíbrio econômico de rendimento.
Falta dinheiro para a população ser incluída digitalmente?
J.G. – Ela precisa de políticas públicas para ser incluída digitalmente. Mas de outro lado, existe uma necessidade de democratização da comunicação pela reestruturação dos sistemas e mercados. Estou falando especificamente sobre rádio, televisão e jornal, esses dois processos têm que se dar em paralelo já que a democratização pela sociedade da informação ou pela internet, no Brasil, vai demorar alguns anos ainda.
Como é vista a relação do povo brasileiro com a TV já que ela está presente em 93% dos lares?
J.G. – O percentual de TV nos domicílios é diferente da programação a que a população assiste. Na maioria absoluta dos municípios, apenas três canais chegam, com 85% da programação gerada no eixo Rio-São Paulo e o Brasil se vê por essas lentes. Romper essa realidade tem relação com democratizar a comunicação, porque significa quebrar as desigualdades regionais verificadas na produção de conteúdo audiovisual. E isso está garantido na Constituição, mas não existe lei que regulamente. Desde 1991, tramita no Congresso Nacional uma lei justamente para regulamentar a regionalização da programação do rádio e TV propondo 30% de produção regional na programação das rádios locais.
Mesmo dentro deste contexto é possível a comunicação ao alcance de todos?
J.G. – Sempre irão existir graus possíveis de democratização e não estamos trabalhando com o ideal, porque nunca será democrático plenamente. Mas existindo mais atores, regionalização, alguns princípios, mais emissoras, mais jornais, tudo isso garante maior acesso, equilíbrio de vozes, e isso é essencial na comunicação. É isso o que fazem os Estados Unidos e alguns países da Europa, que praticam um mercado mais equilibrado.
Como o senhor analisa as novas mídias dentro do contexto socioeconômico do país? A guerra pela audiência mudou de eixo?
J.G. – As novas mídias estão apenas em 14% dos domicílios nas classes A e B, enquanto 40% da população só se informa pela televisão e isso não será quebrado tão rápido. As barreiras econômicas transformam essas novas mídias numa utopia de comunicação. As pessoas dizem que tudo será maravilhoso na internet. Na realidade, podem ser vistas duas barreiras: a econômica que impede o acesso, e aqueles que têm procuram sempre os mesmos locais – os grandes portais, por exemplo. A concentração da produção de informação continua a mesma. Então, novas mídias não necessariamente garantem democracia.
Como se daria o processo para uma conjuntura de igualdade?
J.G. – Com o Estado regulando a atividade econômica da comunicação e pela maior participação da sociedade civil na reivindicação por esses espaços. Só que, no Brasil, a sociedade civil é bastante desmobilizada. As pessoas têm uma relação muito afetiva com a TV no Brasil. E isso faz com que qualquer medida de governo no sentido de regulação de atividade econômica como é feita nos Estados Unidos e no Reino Unido, ou em qualquer lugar do mundo, seja vista com antipatia.
Uma sociedade com bom nível educacional pode influenciar na qualidade dos produtos oferecidos pelos meios de comunicação?
J.G. – A gente fala muito de experiências que existem lá fora, como no Canadá e no Reino Unido: a educação para a mídia. Lá, tanto no ensino básico quanto no médio, existem disciplinas de educação para mídia. A gente acredita que deveria passar por uma política pública nacional que incluísse no currículo escolar disciplinas sobre mídia desde a mais tenra infância. O que está acontecendo no Brasil é que as pessoas aprendem a mexer com a tecnologia.
Como se falar em democratização do setor quando cada vez mais os meios se fecham, isto é, cresce o número de canais fechados ou de TVs por assinatura?
J.G. – Foi um grande avanço. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) ajudou a aprovar a lei do cabo incluindo os canais legislativos, universitários e comunitários. O problema esbarrou, mais uma vez, na barreira econômica. As pessoas não têm dinheiro e a TV por assinatura está em apenas 9% dos domicílios no Brasil, quando na Argentina, em 60%. A situação piorou com a entrada de grupos estrangeiros. Eles não oferecem pacotes acessíveis à população. Trabalham basicamente com essa faixa de renda muito alta que pode pagar R$ de R$ 50,00 até R$ 70,00 por mês, quando poderiam oferecer pacotes mais baratos. Hoje, o sistema de cabo oferece também banda larga.
De que forma as autoridades poderiam propiciar mecanismos que pudessem promover a inclusão digital?
J.G. – Implementando políticas públicas para garantir os serviços mais baratos, desde comunicação social, passando pela internet e telefonia. Tecnologicamente isso é possível basta vontade política de um governo fazer um projeto nessa área. Um programa de inclusão digital que saia dessa armadilha dos telecentros, dos espaços públicos e leve a internet para dentro das casas das pessoas.
Por outro lado, o que se observa é que independente do nível de inclusão, pesquisas no Brasil mostram que as pessoas estão conectadas à internet, sobretudo em chats de relacionamentos, bate-papos, sendo porta de entrada para a pornografia…
J.G. – Poderiam existir campanhas nesse sentido. Qualquer equipamento, seja ele uma estrada ou uma rede de telecomunicações pode ser usada de diversas maneiras. Não se pode cercear esse tipo de inclusão pensando que pode ser usada para o mal. O importante é ter o acesso. Depois, o Estado vê como mediar a questão, arbitrar e punir quem cometer abuso.
Como está inserida a informação numa sociedade que a trata como um produto?
J.G. – Existe uma padronização dos produtos audiovisuais que já é mundial e vem forçada pela indústria cultural norte-americana. Além de um padrão estético que a publicidade muitas vezes determina e define. A televisão sofre deste mal, justamente reproduzir o que tem no intervalo comercial para dentro dos conteúdos dos seus programas.
A TV pública poderia mediar esta questão?
J.G. – A experiência da TV pública que está sendo gestada agora pode ser um momento de discussão sobre o assunto. Como não está atrelada ao mercado pode ter um perfil mais emancipatório. É uma experiência que está começando no Brasil, mas no mundo todo essas redes públicas têm sempre baixa audiência.
É a questão da eterna guerra de audiência…
J.G. – O telespectador tem que ter um certo preparo para ler de uma forma diferente a mídia.
No Brasil, ele não tem ainda?
J.G. – Não dá para dizer que o brasileiro não sabe ver televisão. A questão é ir além do que já se estabeleceu no modelo que prepondera. Como conseguir ter atrações e programações que além de entreter também formem e emancipem cidadãos.
Quando se fala em comunicação, o discurso fica muito restrito à televisão. E os outros meios?
J.G. – É preciso produzir conteúdos que quebrem um pouco o modelo hegemônico de simplesmente vender produtos ou questões ligadas à violência e sexo. O brasileiro já mostrou que tem interesses em outros programas. As pessoas estão procurando alternativas, e uma prova disso, é a TV por assinatura.
E, com relação à TV digital, lançada pelo presidente Lula no último dia 2, qual a expectativa no que diz respeito à interatividade?
J.G. – Basicamente, na escolha da TV digital brasileira foi feita uma opção pelo avanço de imagem e de som. Isto é, se optou por uma televisão de alta definição (HDTV). Ela terá qualidade melhor do que a de DVD e nível de som melhor do que de CD. Só que, em detrimento, acabou deixando-se de lado a questão da interatividade, que era o grande potencial democratizador. Inicialmente, TV digital vai trabalhar com a chamada interatividade local.
Na prática, o que muda no Brasil?
J.G. – No momento, o que vai mudar é a inclusão de uma caixinha que as pessoas já podem começar a comprar, chamada caixa conversora (set top box). O equipamento vai ficar em cima do aparelho de televisão para fazer, basicamente, a tradução dos sinais digitais para os televisores analógicos que as pessoas têm em casa, porque elas vão poder trocar de televisores de uma hora para outra, devido ao custo alto. Essa caixinha não tem a interatividade que poderia ter.
O que falta?
J.G. – Para isso, ela teria de ser ligada a uma linha telefônica como acontece com a internet. A opção agora foi por uma caixinha burra que só baixa as informações que a emissora manda.
A opção do governo não contribuiu para a democratização da informação?
J.G. – Infelizmente, a opção do governo brasileiro foi por uma transição mais lenta, mais conservadora. Todo potencial democratizador de imediato não será implantado no Brasil.
A gente pode dizer que o Brasil está inserido na sociedade da informação?
J.G. – Ele está inserido da forma que todos os países periféricos, do Terceiro Mundo estão, levando em conta as suas limitações econômicas, culturais e educacionais. É óbvio que está inserido, mas não da forma como a gente gostaria, isto é, com melhor penetração das novas tecnologias. É um caminho árduo que temos de percorrer e que tem um custo.
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Da Redação do Diário do Nordeste