A mídia, tão interessada em espetacularizar as notícias, criar escândalos e denunciar fraudes, construindo pautas para criar enquadramentos e atacar o governo e o partido hegemônico que lhe dá sustentação, desta vez não terá como se esconder sob suas manchetes: o padrão da TV Digital brasileira será analógico.
Será analógico porque, se for definido como a mídia quer, manterá tudo como está hoje, que já é analógico. Ou seja, será análogo à política de comunicação da TV analógica.
Tecnicamente, digital é o sistema em que o sinal não tem a propriedade de variar. É um termo proveniente do inglês digit (digito ou número). É utilizado para designar as estruturas técnicas que empregam processos numéricos. É, também, a informação processada de forma binária através de bits (dígitos binários): 0 ou 1, on ou off. Aberto ou fechado. Falso ou verdadeiro. Ser ou não ser. Claro ou escuro. Branco ou preto. Direita ou esquerda. Diferente e oposto ao sistema analógico, no qual os sinais variam de forma contínua. Sistema analógico, portanto, é aquele que simula situações para compreender, explicar ou predizer uma situação ou processo específico, atuando como análogos estruturais dessa situação ou processo. É aquilo que é comparável com a realidade. Análogo a ela.
Interesse de todos
O sistema de televisão analógica em cores terrestre brasileira é PAL, padrão M e a transmissão do seu sinal de radiofreqüência (RF) é feita na faixa de VHF (do inglês Very High Frequency). PAL significa Phase Alternate Line ou Linha de Fase Alternada, e foi desenvolvido na Alemanha pela Telefunken Laboratories of Hanover, nos anos 1960. É usado no Brasil, na América Latina e na maioria dos países europeus. Basicamente, é um NTSC melhorado. Os outros sistemas são o NTSC, americano, e o Secam, desenvolvido na França. Todos têm muito em comum. Inclusive, sofrem muitas interferências de ruídos na sua propagação.
Televisão digital é uma tecnologia que permite a compressão de dados, para que possam ser enviados utilizando-se a mesma largura de faixa de freqüência que a televisão analógica utiliza hoje, ou seja, os 6 MHz. O que se denomina de televisão digital é, portanto, a transmissão de sinais de televisão em forma digital. Porém, transmitindo uma quantidade bem superior ao que pode ser enviado normalmente. Com a capacidade de até 19 Mbps, é possível transmitir até quatro programas diferentes, mantendo-se a mesma qualidade da TV convencional (que é de 4 Mbps), ou um programa em alta definição (15 Mbps), também conhecido como High Definition Television (HDTV). Utilizando-se o sinal digital, a deterioração do sinal de RF, que gera fantasmas e chuviscos, não ocorrerá mais. Se o sinal for realmente muito fraco, a transmissão poderá ser até mesmo interrompida onde, sob as mesmas condições, uma transmissão analógica ainda poderia ser assistida (porém, com imagem muito ruim). A imagem da TV digital pode ser semelhante à imagem projetada na tela do cinema.
O anúncio do padrão da TV digital que será analógico deve provocar o interesse de todos. Até o Senado da República e a Câmara dos Deputados (que, recentemente, criou comissão especial para estudar a TV digital terrestre brasileira) proporão Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para apurar os responsáveis e culpados por este escândalo. Será a CPI da Mídia.
Simples montador?
Serão convidados a se pronunciar, nos vários espaços de debates, as entidades que lutam pela democratização da comunicação, as universidades e centros de pesquisas, os especialistas e personalidades da área. Subsidiarão os debates, provavelmente, os inúmeros estudiosos do tema. Contribuirão, também, aqueles pesquisadores que baseiam suas análises em cientistas e pensadores, brasileiros e estrangeiros, como Nelson Werneck Sodré, Robert Alan Dahl, Giovani Sartori, Eul-Soo Pang, Vitor Nunes Leal, Juergen Habermas e Perry Anderson, dentre outros.
Os deputados e senadores especialistas neste assunto poderão ser chamados para presidir e relatar os trabalhos. A situação a ser analisada é complexa. Afinal, em dois anos de trabalho, foram gastos 40 milhões de reais em estudos para depois concluir que a televisão digital brasileira de hoje é a mesma cogitada pelo governo anterior. Evidentemente, será muito complexo explicar por que é prioritário decidir sobre o padrão de TV digital, num país que tem 46 milhões de domicílios com televisão aberta e gratuita e só 26 milhões com fogão e mais de 10 milhões de pessoas sem energia elétrica.
Os debates terão que ser amplos, profundos e democráticos. Afinal, esse setor exigirá investimentos de mais de 120 bilhões de reais ao longo dos próximos 15 anos. E é uma soma muito alta para uma decisão governamental que não pode ficar restrita aos agentes do mercado. Ademais, o Brasil não pode se contentar em ser um simples montador de semicondutores. Não há montadoras nos Estados Unidos e na Europa. Será porque essas empresas são poluidoras? Taiwan, que concentra a maioria das montadoras do mundo, tem uma boa política de remuneração dos seus trabalhadores? Se não for boa deve se tornar uma vantagem competitiva quase imbatível.
Direito humano
Além do mais, uma montadora de semicondutores é tão cara que não justifica encapsular chips apenas para a TV digital. O país teria que ter uma montadora integrada aos diversos ramos da indústria para suprir o mercado interno e externo. Com uma necessária política transversal, não só uma postura desenvolvimentista. O valor agregado de um chip está concentrado na fase de design e arquitetura. E isso não é feito nas montadoras, mas em pequenas empresas (ou unidades dentro de empresas maiores) que lidam exclusivamente com softwares de design de chips.
A maioria da sociedade brasileira não sabe o que está em curso na radiodifusão aberta brasileira: a sua transição do sistema de transmissão analógica para o digital. Esta mudança pode até alterar as perspectivas da comunicação, já que a digitalização pode ampliar em até quatro vezes o número de canais num mesmo espectro e, a longo prazo, transformar os aparelhos de TV em instrumentos de inclusão digital e de transmissão de conteúdo. Mas as coisas não são tão simples. Até hoje ninguém disse como seria essa inclusão digital pela TV. Claro que seriam passos importantes para a democratização da comunicação no país. Mas os passos dados, até agora, e o caminho construído para ser trilhado apontam no sentido da manutenção do mesmo modelo autoritário, patrimonialista e antidemocrático da televisão analógica.
Comunicação social é reconhecida como direito humano e deve ser tratado no mesmo nível e grau de importância que os demais direitos humanos. O direito humano à comunicação incorpora a inalienável e fundamental liberdade de expressão e o direito à informação, ao acesso pleno e às condições de sua produção, e avança para compreender a garantia de diversidade e pluralidade de meios e conteúdos, a garantia de acesso eqüitativo às tecnologias da informação e da comunicação, a socialização do conhecimento a partir de um regime equilibrado que expresse a diversidade cultural, racial e sexual; além da participação da sociedade na definição de políticas públicas, tais como conselhos de comunicação, conferências nacionais e regionais e locais.
A importância do direito humano à comunicação está ligada ao papel da comunicação na construção de identidades, subjetividades e do imaginário da população, bem como na conformação das relações de poder. Além disso, há imposições constitucionais estabelecidas para a prestação desses serviços no Capítulo da Comunicação Social da Constituição Federal. E, acima de tudo, sua exploração diz respeito à democracia.
O poder outorgado
Não só a democracia de uma sociedade igualitária, mas até a democracia liberal poliárquica, como o ponto extremo da democratização e a responsabilidade do governo às preferências dos cidadãos, considerados politicamente como iguais, caracterizada, acima de tudo, pela diversidade das condições sociais, culturais e econômicas dos indivíduos e pela multiplicidade de interesses em jogo a as condições necessárias e suficientes para o seu estabelecimento. Neste aspecto, caberá ao Estado decidir, sempre, em benefício da sociedade.
Para agravar a situação referente à denúncia, a elevada concentração da propriedade das emissoras de televisão e seu quase-monopólio, geram desequilíbrios nas relações de poder na sociedade brasileira. Presidentes foram eleitos com apoio de uma única rede de televisão; candidaturas foram construídas e desconstruídas; até mandatos foram ampliados, com a força política dos detentores de outorgas de televisão.
A distribuição das outorgas da dita radiodifusão de sons e imagens, a televisão aberta, contempla 5 geradoras próprias para a Rede Globo, 96 geradoras afiliadas, 19 retransmissoras próprias e 1.405 retransmissoras afiliadas. A Rede Bandeirantes tem 10 geradoras próprias, 23 afiliadas, 191 retransmissoras próprias e 234 retransmissoras afiliadas. O SBT tem 10 geradoras próprias, 37 geradoras afiliadas, 1.749 retransmissoras próprias e 639 retransmissoras afiliadas. E a Rede Record tem 18 geradoras próprias, 18 geradoras afiliadas, 322 retransmissoras próprias e 216 retransmissoras afiliadas. Existem 138 grupos regionais afiliados.
O líder PFL
Um único grupo empresarial detém 69,3 % do mercado de revistas e 14% do mercado de TV por assinatura. Apenas dois grupos detêm 10% da tiragem de todo os jornais diários do País. Vinculados à televisão aberta têm 436 jornais diários, 1.487 publicações com outras periodicidades, além de 1.460 emissoras de rádio em AM, 1.225 em FM, 59 emissoras em OC e 70 em OT.
Complexo, também, é o uso político das concessões de rádio e televisão, como moeda de troca e barganha eleitoral. Em 2001, de um levantamento geral, com dados de 1998 e 2000, onde foram pesquisadas 3.315 emissoras de radiodifusão, sendo 271 concessões de televisão, 1.579 de OM, 64 de OC, 80 de OT e 1.321 de FM, foram identificados, entre os 48.061 vereadores e 5.547 prefeitos do país, aqueles que são acionistas ou dirigentes de emissoras de rádio e televisão. Ao mesmo tempo, foram levantados dados dos deputados estaduais e federais, senadores e governadores que detinham concessões de radiodifusão.
Do percentual de participação societária ou de direção, de parlamentares, prefeitos e governadores, em concessões de rádio e televisão, o PFL detinha 37,5%, seguido do PMDB com 17,5%, o PPB com 12,5%, o PSB com 6,25%, o PSDB com 6,25%, o PPS com 5%, o PL com 3,75% e o PDT com 3,75%. Os demais partidos tinham menos de 3%, à exceção do PT que não dispunha de nenhuma concessão. Em 2003, após o resultado eleitoral de 2002, os dados obtidos demonstravam que o PFL detinha 37,29% das concessões de rádio e televisão, o PMDB 19,49%, o PDT 14,41%, o PSDB 8,47%, o PP 8,47%, o PPS 4,24%, o PTB 3,39%, o PSB 2,54% e o PL 1,69%.
Todos atônitos
Nas eleições de 2004, consultadas as prestações de contas dos candidatos aos pleitos municipais, disponíveis no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), constata-se que doadores de campanha, identificados com a palavra ‘jornal’ contribuíram, em todo o país, com mais de 5 milhões de reais para os diversos candidatos.
Sócios ou dirigentes de emissoras de rádio e televisão teriam contribuído com os candidatos, em cheque ou dinheiro, com um montante de mais de 11,9 milhões de reais, para quase todos os partidos políticos. Às vezes, os sócios das emissoras são os próprios candidatos, doutras são parentes, amigos ou correligionários. Deve ser investigado com essa denúncia, também, como a mídia financia, direta e indiretamente, os seus candidatos. Qual é a matriz adotada e quais os interesses que regem esses apoios.
Os representantes dos sistemas Advanced Television Systems Comitee (ATSC), Integrated Services Digital Broadcasting (ISDB) e Digital Vídeo Broadcasting (DVB), diante desse anúncio, também ficarão atônitos. O que dirão do seu leque de serviços e aplicações que envolvem os meios, recursos, funcionalidades e procedimentos? Como continuarão a justificar suas arquiteturas como soluções para a transmissão terrestre? E os seus conteúdos; suas codificações e decodificações de sinais-fonte; sua camada de transporte? Ou mesmo a transmissão, recepção, modulação, e a codificação e decodificação do canal? Seu middleware? Como justificar a ambicionada portabilidade/mobilidade no mesmo canal de freqüência alocado para serviço de televisão para receptores fixos?
Emendas e remendos
Enfim, como justificarão os benefícios dos efeitos de propagação, pouco sensíveis à presença de multipercursos, de distorções e interferências do sinal de Rádio Freqüência (RF), que são quantificadas ao longo de todo o espectro ocupado pelo canal digital, para não haver nenhuma deterioração do sinal resultando em perda ou penalidade de cobertura, desenvolvidos para a TV digital? Todo esse hardware e software parecerão analógicos, vis-à-vis com a política vigente para a exploração dos serviços de radiodifusão de sons e imagens.
O Ministério Público Federal, pela Procuradoria dos Direitos do Cidadão, que já instaurou procedimento para averiguar eventuais irregularidades na adoção da TV Digital, poderá querer abrir um inquérito civil e, mais tarde, uma ação judicial. E poderá querer respostas aos seguintes quesitos: o novo padrão a ser adotado é análogo ao atual que assegura a elevada concentração da propriedade e o conseqüente monopólio de grupos familiares ou permitirá novos concessionários? Será digital ou análogo ao atual? De que forma possibilitará a inclusão social? Que tipo de inclusão social? Enfim, será realmente digital, permitindo a interatividade para a efetiva livre escolha dos cidadãos quanto ao que querem assistir, ou continuará importando pacotes tecnológicos fechados, ampliando mais ainda a sua dívida com a grande maioria da população pobre que só tem como lazer a televisão, e beneficiará os mesmos círculos reduzidos da população como se prioridade fosse? Será, então, ‘analógico’ e análogo, ao que existe?
O Comitê Consultivo e o Comitê Gestor, criados pelo Decreto 4.901, de 23 de novembro de 2003, que instituiu o projeto do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTV) ficarão estupefatos. Esses grupos, analisando os impactos da introdução da TV digital, à luz das emendas e remendos do arcabouço regulatório do setor, realizadas nesses 50 anos de televisão no país, bem como procedendo ao mapeamento dos instrumentos de política industrial que apresentam relação direta com a cadeia produtiva da TV digital, não lograram êxito para prevenir essa denúncia. Restringiram-se ao modelo de exploração e implantação vis-à-vis com o mercado. Ora, televisão é comunicação social eletrônica. É política pública. É tudo o que o governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos de suas ações e omissões.
Coronelismo e barganha
A TV Digital deve contribuir com o fim da patronagem, do clientelismo político e do coronelismo eletrônico no Brasil
O tema do clientelismo político, enquanto fenômeno social, tem conquistado, no campo das ciências, no Brasil e em todo o mundo, a atenção de inúmeros estudiosos. Clientelismo é conceituado como a apropriação privada da coisa pública. Em um conceito da barganha político-eleitoral é como um sistema de lealdades, que se estrutura em torno da distribuição de recompensas materiais e simbólicas, em troca de apoio político. O clientelismo indica uma relação entre atores políticos envolvendo concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, benefícios fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de votos.
Há, evidentemente, divergências nos conceitos de coronelismo, mas se pode considerar que era um sistema político nacional, baseado em barganhas entre o governo e os coronéis. O governo estadual garantia, para baixo, o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais, sobretudo cedendo-lhe o controle de cargos públicos, desde o delegado de polícia até a professora primária. O coronel hipotecava seu apoio ao governo, sobretudo na forma de votos. A fonte de poder político de um coronel era medida, além da base econômica, pela força eleitoral. Para cima, os governadores davam apoio ao presidente da República, em troca do reconhecimento deste de seu domínio no estado.
Relação clientelista
Se, na República Velha (1889 a 1930), ou mesmo a partir dos anos 50, do século passado, o poder estava concentrado nos coronéis latifundiários, hoje, são os meios de comunicação, como rádio, TV e jornal, principalmente nas regiões Norte e Nordeste do país, que permitem que esse poder político-partidário seja exercido pelos novos coronéis. Muitos desses veículos pertencem a políticos de expressão nacional, regional e local. As famílias oligárquicas, desses novos coronéis que detêm o poder político, detêm o poder dos veículos de comunicação, assim como o poder econômico.
Se antes tínhamos uma visão autoritária e arcaica da figura do coronel, atualmente, apresenta-se uma nova imagem: tecnológica e moderna. O coronel de hoje investe nos meios de comunicação. E, assim, os antigos coronéis políticos transformam-se em coronéis eletrônicos e passam a veicular, estritamente, os interesses eleitorais dos proprietários de concessões de rádio e televisão. A grande concentração da propriedade dos meios de comunicação nas mãos de parlamentares, e dos grupos familiares e oligárquicos, conforme já demonstrado, indica quais os interesses que estão em jogo.
Numa relação clientelista, há um aspecto que merece ser ressaltado: o Estado nem sempre representa o patronus, termo latino de validade atual, porque evita uma terminologia ambígua, como protetor, padrinho, patrão, patrocinador etc. Às vezes, ele é cliente do capital internacional, quando tem que submeter a administração a políticas asfixiantes de organismos financeiros internacionais; outras vezes, é cliente do mercado, quando, por exemplo, o apoio a candidatos a postos eletivos, pelas empresas de comunicação, ou mídia eletrônica, mais especificamente, se constitui em um dos quesitos para obter maior visibilidade em uma campanha eleitoral.
Complexo de relações
Em uma relação de barganha, em torno de vantagens materiais, entre o eleitor e o cabo eleitoral, o patronus é uma espécie de líder local, o qual cuida dos interesses de seus representados, principalmente junto às autoridades públicas, fazendo às vezes de um advogado administrativo da sua comunidade, vila, favela, ou mesmo de um quadro associativo de um clube recreativo, de um setor empresarial, até de um setor de serviços públicos, dentre outros. Controlando, em geral, uma centena ou uma dezena de votos, o cabo eleitoral os vende ao político de clientela, que não passa de um cabo eleitoral suficientemente poderoso.
Patronus também é a pessoa que usa sua influência para proteger e ajudar outra pessoa que se torna, então, seu cliente, e que retribui prestando serviços a ele. No clientelismo, o fator condicionante são as relações de dependência impessoal gestadas no âmbito das relações institucionais e das suas garantias jurídicas. As relações, na medida em que estão baseadas em incentivos fiscais, em que há apropriação privada de bens públicos, seja sob a forma de subsídios, ou de regulamentações e privilégios, tende sempre a trazer um ganho maior para o patronus. Ao mesmo tempo, as relações clientelísticas tendem a serem pessoais, porque esta é a forma pela qual a lealdade ou a credibilidade no processo de troca entre o patronus e cliente, ou entre patroni, se cristaliza e, às vezes, não muito raramente, os clientes se unem em busca dos patroni.
Outrossim, o fenômeno da patronagem é um complexo de relações entre aqueles que usam sua influência, posição social ou algum outro atributo, para ajudar e proteger aqueles que buscam ajuda e proteção. O patronus tem poder de conceder alguns benefícios que o cliente deseja, que pode ser desde uma estrada perto da casa do cliente ou mesmo o emprego de um parente deste, em escritório sob controle do patrão, ou influenciar para que a concessão ou autorização de um canal de televisão vá para o seu cliente. A patronagem pode ser uma característica de governo, uma organização formal, uma relação que se expressa mais claramente durante as campanhas eleitorais.
O foco da complexidade
Os cientistas políticos, ao estudarem esse fenômeno, utilizam termos como: ‘chefe’ e ‘máquina política’, ou mérito versus compromisso político. Enfim, nesta perspectiva, patronagem é o estudo de como os líderes políticos buscam canalizar para seus próprios fins as instituições e os recursos públicos, e de como favores de vários tipos são permutados por votos.
A expressão coronelismo eletrônico inclui a relação de clientelismo político entre os detentores do poder público e os proprietários de canais de rádio e televisão, que são dispositivos eletrônicos para transmissão e recepção de sinais radioelétricos. Os rádios e as televisões usam recursos da eletrônica para transmitir seus conteúdos.
Enfim, o debate sobre a escolha do melhor padrão, não pode ter precedência sobre a questão central que é a política de comunicação social eletrônica. Será conseqüência dessa nova política. Padrão são aspectos tecnológicos que, se forem enfocados isoladamente, limitam e desviam o debate mais legítimo. Retiram o foco da complexidade que é a transmissão e exploração da radiodifusão de sons e imagens em bases democráticas. Trata-se de um tema com implicações muito relevantes para o país, englobando desdobramentos socioculturais, políticos, de política industrial e tecnológica, de estratégia de cooperação internacional, de inclusão social e de geração de emprego e renda. Os países europeus, que adotaram o sistema terrestre de televisão digital, alteraram suas políticas de comunicação. Inclusive permitiram novos players. Os EUA têm uma legislação anticoncentradora. O Japão convive com emissoras públicas e privadas.
É sim ou não
Como será difícil justificar para as próximas gerações que o Sistema Brasileiro de Televisão Digital, o SBTVD, não previu preliminarmente a modernização de todo o arcabouço legal da comunicação social eletrônica. Como será difícil justificar que a ausência de uma política pública de comunicação de massa continuará contribuindo para a criminalização das rádios comunitárias; impedindo uma comunicação democrática não monopolista, e, ao mesmo tempo, continuar beneficiando quase-monopólios privados do rádio e televisão brasileiros.
Em 2002, a aprovação da Emenda Constitucional nº 36, que alterou o artigo 222, da Constituição Federal, permitiu a participação do capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens. A sua aprovação pelo Congresso brasileiro foi resultado de um acordo com os radiodifusores, para que apoiassem uma lei geral de comunicação social eletrônica. Até hoje essa lei sequer foi para o papel.
Portanto, trata-se de, preliminarmente, discutir e construir uma política democrática para as comunicações brasileiras. E a questão a responder deverá ser: queremos continuar com um modelo de comunicação social antidemocrático ou não? Sem otimização do espectro para permitir a entrada de novos concessionários? É sim ou não. On ou off. Ou se quer uma política pública, democrática, que leve em conta os padrões da tecnologia digital disponíveis no país e no mundo, rompendo com elos de dependência tecnológica, sem nenhum neocolonialismo videofinanceiro ou se quer continuar com essa política do século 20, essencialmente autoritária, patrimonialista e antidemocrática? Só que agora com os novos coronéis digitais?
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Engenheiro eletricista (especialização Eletrônica), mestrando em Ciência Política, pesquisador do Laboratório de Política de Comunicação (LaPCom), da Universidade de Brasília, especialista em Regulação de Telecomunicações e em Assessoria Parlamentar pela UnB