Em outubro de 1993, apenas quatro meses após a aprovação da Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF), o deputado distrital Wasny de Roure apresentou o projeto de lei 1110/93 à Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) propondo a criação do Conselho de Comunicação Social (CCS-DF) previsto em seu artigo 261 para “assessorar o Poder Executivo na formulação e acompanhamento da política regional de comunicação”.
Priorizada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF, a criação do CCS-DF foi discutida publicamente com os candidatos a governador na campanha de 1994. Todos eles se comprometeram a cumprir o artigo 261 da LODF, inclusive o candidato que veio a ser eleito, Cristovam Buarque.
O projeto pioneiro de Wasny de Roure, arquivado ao término da legislatura, foi desarquivado em 1995 e voltou a tramitar. O governo Cristovam Buarque (1995-1998), então no PT, criou uma comissão para propor um substitutivo ao PL de Wasny de Roure que foi elaborado e apresentado pelo deputado Milquéias Paz, em 1996. Aprovado em todas as comissões da CLDF pelas quais tramitou, esteve pronto para votação em plenário desde abril de 1998, mas, ao contrário do prometido, o PL não teve o apoio do governo Cristovam Buarque e não foi votado. Cinco anos depois, acabou arquivado e até hoje, 22 anos depois, a LODF continua sendo descumprida.
No Senado Federal
Não constitui surpresa, portanto, para aqueles que – há décadas – defendem o cumprimento das normas constitucionais federais e estaduais e participam de movimentos a favor da regulação democrática da mídia, as declarações do novo presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT) do Senado Federal, em sua primeira entrevista, na terça-feira (3/3).
Cristovam Buarque (PDT-DF) manifestou-se contrário à regulamentação da mídia, advertindo: “A gente começa a fazer umas regulamentações até corretas para evitar excessos, mas depois vem a tentação de dar um passo a mais e de repente a mídia termina controlada completamente”. E completou: “Então, às vezes, é melhor você não se submeter ao necessário para não cair no erro posterior. É um passo que muito rapidamente você perde o controle e passa a censurar conteúdo” (ver aqui).
Na Câmara dos Deputados
No dia seguinte, o novo presidente eleito da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, afirmou: “Eu acho que não deve regulamentar coisa nenhuma, porque a liberdade de imprensa é algo muito sério e jamais deve ser combatida”. E mais: “Regulação da mídia para mim é o uso do controle remoto, é pai desligando a televisão em programas não apropriados para seus filhos, é você decidindo o que vai assistir”.
Segundo a matéria assinada pela jornalista Lúcia Berbert, o novo presidente da CCTCI inclui o arrendamento, por igrejas, de horários nas emissoras concessionárias do serviço público de radiodifusão como uma das formas de liberdade de expressão. Há, todavia, uma ressalva: “O que não pode é beneficiar apenas um credo religioso” (ver aqui).
O deputado Fábio Sousa (PSDB-GO) está em seu primeiro mandato e na sua página na Câmara dos Deputados constam como profissões: Apresentador de Televisão, Gestor Público, Pastor e Radialista. Ele é também bispo da Igreja Fonte da Vida.
À repórter Lúcia Berbet o novo presidente da CCTCI admitiu que o programa do qual foi apresentador em canal de TV de Goiânia, por quase 20 anos, até a sua recente eleição, era arrendado pela Igreja Fonte da Vida.
Contra a Constituição?
Os (poucos) pronunciamentos sobre regulação da mídia feitos por autoridades do segundo governo Dilma Rousseff têm reiterado insistentemente que se trata de regular o que está previsto na Constituição Federal de 1988 e de atualizar o que é necessário em função do desenvolvimento tecnológico.
Será que os presidentes das comissões onde necessariamente a matéria deverá ser tratada nas duas Casas Legislativas ignoram que o Congresso Nacional tem sido omisso em relação à regulamentação das normas e princípios constitucionais relativas à comunicação social há mais de 25 anos? Ou, o que seria ainda pior, estariam desafiando e declarando-se contrários ao que está na Carta Magna?
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Venício A. Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor com Juarez Guimarães e Ana Paola Amorim de Em defesa de uma opinião pública democrática – conceitos, entraves e desafios (Paulus, 2014), entre outros livros