Não quero aqui engrossar o coro que reclama do trabalho dos parlamentares e menos ainda contribuir para o fortalecimento da cansativa ideia de que as grandes empresas conspiram contra o povo indefeso e que os meios de comunicação dominam o mundo. Em contrapartida, por uma questão de inquietude, preciso desenterrar alguns mortos.
Se não morto, moribundo está o PL 29/2007 – projeto que regulamenta o mercado de TV paga brasileiro e abre espaço para as operadoras de telefonia oferecerem serviços neste segmento. Há quase um ano, especificamente no dia 22 de junho de 2010, o projeto deixou a Câmara e foi para o Senado para finalmente ser votado e reorganizar definitivamente o setor que tem sua legislação defasada há pelo menos 11 anos.
A questão que me inquieta aqui não é o congelamento do processo, mas o seu porquê. É fato que o cinturão em jogo é disputado por pesos-pesados; pesos de outrora muito pesados que veem sua invencibilidade ameaçada por lutadores até algum tempo desconhecidos, mais novos e com tanta ou mais força que os velhos donos do poder. O que ocorre é um confronto de interesses muito claro, entre os velhos radiodifusores e as novas empresas de telefonia. Adversário à altura, com poder econômico e político, para aqueles que antes dominavam o lobby dos corredores parlamentares.
O último embate, exemplo claro dessa guerra silenciosa, foi o recurso do deputado Régis de Oliveira (PSC-SP) que queria alterar a tramitação para atender a um pedido da operadora de TV por assinatura Sky, propriedade de Rupert Murdoch, parceiro comercial da Rede Globo de Comunicações. Requerimento indeferido, mas com resultado não menos prejudicial ao andamento do projeto. A ação barrou a tramitação do PL, mas não a expansão do setor.
Os entraves da democracia
Ocorre que, na prática, a ação de muitas empresas é ilegal. As telefônicas já oferecem TV paga e algumas TVs por assinatura já têm em seus pacotes serviços de telefonia. A falta de fiscalização rigorosa no setor permite que essa seja uma prática comum. A verdade é que a história da regulamentação das políticas de comunicação no Brasil é marcada por uma desorganização crônica, sendo efetivadas somente depois dos serviços em funcionamento e discutida por poucos atores sociais. Para confirmar o modus operandi é fácil: procure se informar da origem dos serviços telegráficos no Brasil Império de 1860, até o caso da regulamentação do SBTD.
A complexidade legal do setor vai aumentando com o surgimento das inovações tecnológicas; já a rapidez com que se tomam as decisões se mostra inversamente proporcional. É o caso claro da discussão do PL 29/2007.
Assim, já se vão quatro anos nesse caso, mas mais de uma centena para o funcionamento desorganizado da regulamentação do setor. Às vezes é como se o processo democrático travasse o próprio exercício da democracia. São atores políticos, econômicos e, por vezes, representantes da sociedade civil, se atracando por causa de nomes e dividendos. Numa guerra que nós, consumidores ou leitores interessados, somos ingênuos demais para entender.
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Jornalista, mestre, doutoranda em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Facom/UFBA) e professora de Teorias da Comunicação e do Jornalismo na Estácio/Fib