Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Desta vez a culpa não foi da imprensa

O caso da ministra Matilde Ribeiro é uma sucessão de enganos.

O primeiro foi da própria ex-ministra, quando disse que ‘não é racismo quando um negro de insurge contra um branco’ (ver ‘Mídia descobre a ministra Matilde‘, 3/4/2007). O segundo foi dos seus assessores, ao recomendarem que ela resistisse à demissão ‘para demonstrar a resistência de uma mulher negra diante da elite brasileira’ (Folha de S.Paulo, 1/2/2008).

E o terceiro foi novamente de Matilde Ribeiro, ao declarar: ‘Eu não estou arrependida. Eu até então estava sendo orientada a usar o cartão como um instrumento para essa agenda de trabalho que eu tenho’ (O Estado de S.Paulo, 2/2/2008).

Neste grande imbróglio, parece que, felizmente, a imprensa não cometeu enganos. A cobertura, tanto no caso da declaração ‘racista’ em abril, como no abuso com o cartão corporativo, semana passada, tem sido correta e imparcial. Preocupada em não caracterizar o erro da ministra como problema de sexo ou raça, a mídia ouviu a própria ministra, publicou a carta do presidente Lula, mostrou o perfil de Matilde e ouviu as entidades de defesa de minorias das quais ela foi representante no Ministério.

Abatidos por escândalos

Quando fez a declaração polêmica, em abril do ano passado, Matilde Ribeiro tentou culpar a imprensa, tentou esclarecer o sentido do que tinha dito e continuou no Ministério, embora o governo tenha recebido pedidos de entidades de defesa dos negros para que ela fosse demitida. Acabou voltando à rotina na pasta com poucos recursos e, até então, com pouca divulgação da mídia. Para sorte dela, parecia ter sido esquecida.

Agora, sem poder culpar a imprensa, a ex-ministra preferiu culpar os assessores – que tratou de demitir esperando com isso resolver seu problema. E foi esse o ponto muito bem analisado por Clóvis Rossi no artigo ‘Gastava bem a ex-ministra’: ‘Matilde Ribeiro insinuou ter sido vítima de preconceito. Pode ser, mas não de raça. Preconceito por uma servidora pública graduada abusar dos privilégios de que gozam funcionários públicos graduados, inacessíveis a mortais não-funcionários nem graduados (Folha de S.Paulo, 2/2/2008).

A cronologia da crise, feita pelo jornal O Estado de S.Paulo, mostra que a ex-ministra não foi a primeira – e talvez nem seja a última – dos ministros a cair por mau comportamento: ‘Matilde Ribeiro elevou para oito o total de ministros abatidos – uns rapidamente, outros após alguma resistência – por escândalos no governo Lula’ (2/2/2008).

‘Racismo’ e ‘corrupção’

Talvez o único – e discreto – veneno da cobertura esteja na Folha de S.Paulo: ‘Ontem, em sua primeira declaração pública após a divulgação das irregularidades, Matilde se recusou a revelar a data na qual devolveu aos cofres públicos o valor usado irregularmente num free shop. ‘O dinheiro foi devolvido em janeiro’, limitou-se a dizer. Matilde também não revelou os produtos comprados no aeroporto, após viagem de lua-de-mel’ (2/2/2008).

As entidades feministas e os movimentos de defesa das minorias não podem, pelo menos desta vez, acusar a mídia de parcialidade, já que até os admiradores da ex-ministra, que apelaram para o racismo como motivo para a demissão, encontram espaço para se manifestarem. Foi uma pena que não estivessem ao lado dela – enquanto ministra – para dizer que o que se espera dos ministros, como de qualquer pessoa que tenha um cargo público, é uma correção absoluta. Especialmente quando essa pessoa poderia ter feito história como a primeira mulher negra a fazer história.

É uma pena, mas muito em breve, esquecida pela mídia, a ex-ministra vai estar nos mecanismos de busca da internet sob as palavras ‘racismo’ e ‘corrupção’.

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Jornalista