Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dever de publicar e não publicar

Na última terça-feira [27/7], jornais daqui e de fora destacaram o vazamento de informações sigilosas sobre ações militares dos Estados Unidos e do Paquistão em face do Taliban, no Afeganistão. A divulgação poria em risco vidas de soldados americanos naquela área da Ásia, o que Obama amenizou em avaliação feita um dia depois.

Subsiste a questão essencial: o jornalista deve revelar toda a informação segura que consiga obter? Sem outro parâmetro que não o interesse da cidadania, dos pagadores de impostos, ainda que a divulgação possa gerar perigos? É possível pensar a resposta em termos da Constituição brasileira. O parágrafo único de seu artigo 1º determina: ‘Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente.’ Só valem limites fixados na própria Carta.

Nesse perfil, o veículo de comunicação pode optar por revelar ou não o fato, avaliando o interesse do povo. Que interesse? No vazamento sobre o Taliban, o New York Times trouxe boa contribuição. Informou ter recebido a notícia há meses, mas só a divulgou agora, depois de inserida no diário britânico Manchester Guardian e na revista alemã Der Spiegel. Predominou antes a preservação das forças armadas de seu país.

A possibilidade de restrição

A Constituição brasileira, no artigo 5º, e a jurisprudência americana, aceitam que certos assuntos sejam mantidos em segredo. Entre nós há duas normas gerais. A primeira se acha no polo do informante: ‘É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato’ (inciso IV). Ou seja: o direito de manifestar (aí incluída a informação) compreende todos os assuntos. No polo do recebedor da notícia ‘é assegurado a todos o acesso a informação e resguardado o sigilo de fonte quando necessário ao exercício da profissão’ (inciso XIV).

A liberdade é a regra, com responsabilidades inafastáveis, também aceitas, desde que não ofendidos os direitos e as garantias dos interesses individuais nem os interesses coletivos de pessoas físicas e jurídicas, indicados na Constituição.

Mesmo na normalidade democrática há assuntos que, provisoriamente, podem ser negados ao conhecimento da comunidade. Exemplo corriqueiro é o de áreas imobiliárias nas quais haverá melhoramentos públicos aptos a aumentar o valor delas. O administrador que, sabendo disso, compra imóveis na mesma região comete crime, mas mantendo o segredo, sem se servir dele, defende o interesse geral. Boa definição nesse sentido saiu no recente livro Necessary Secrets, de Gabriel Schoenfeld (edição da N. W. Norton, 485 pág.), no cotejo de segredos governamentais e deveres do jornalismo. Schoenfeld é um conservador estudioso, mas deixa certo que – embora provisoriamente – certas informações possam ser restringidas se puserem a ordem democrática em risco ou sacrificarem a segurança da nação.

Segredo contra o povo

São postas na balança as valorações do que se perde no segredo mantido e o que se ganha na informação transmitida. Na dúvida, a solução ideal está na revelação.

Quando, como na invasão do Iraque, a omissão oculta o interesse político da facção dominante, o segredo arma o poder contra o povo, apenas reparado quando a verdade vem à tona, mas sem recuperar perdas e danos de vidas e bens.

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Advogado, jurista e professor universitário