Democracia e liberdade são palavras de trânsito frequente na boca de governantes – mesmo dos déspotas e liberticidas. O paradoxo costuma acontecer, com frequência, no realismo fantástico latino-americano, em seus ciclos de nacional-populismo, por definição autoritário.
O continente passa por um desses momentos, mas o Brasil enfrenta incólume a zona de turbulência continental, em que pontifica a Venezuela, foco do bolivarianismo chavista, exportado para Bolívia, Equador, Nicarágua e com focos de contaminação na Argentina, a serem cauterizados nas próximas eleições presidenciais, como se espera.
O vigor dos anticorpos institucionais brasileiros, de rejeição ao autoritarismo, é expresso de várias formas. Na terça, eles foram expostos no pronunciamento da presidente Dilma na posse de Edinho Silva, petista de carreira, como ministro da Comunicação Social (Secom), no lugar de Thomas Traumann.
“Somos contra a censura, a autocensura, as pressões, os lobbies e os interesses não confessados que podem coibir o direito à livre manifestação e à liberdade de imprensa” – afirmou Dilma, em fase de baixa popularidade, enquanto ocorrem manifestações de rua contra seu governo e partido, o PT.
Tema sensível
Os anticorpos de proteção contra o autoritarismo derivam da força das instituições republicanas, fonte de inspiração de decisões sensatas de governantes para evitar a invasão dos espaços de liberdade garantidos pela Constituição. No primeiro governo Lula, por exemplo, o Planalto mandou para as gavetas o projeto de controle da produção audiovisual por meio de uma agência (Ancinav) e o de patrulhamento ideológico dos jornalistas profissionais por um conselho paraestatal. Prova do poder dissuasório das instituições e também da capacidade de mobilização dos que resistem ao nacional-populismo.
O pronunciamento de Dilma na posse de Edinho é coerente com seu comportamento no primeiro mandato, quando não deu espaço a manobras de cerceamento do jornalismo profissional herdadas do período Lula, sob o disfarce de “regulação da mídia”. O lulopetismo comprou a ideia da “regulação” desenvolvida pelo chavismo, cujo objetivo é limitar a ação do jornalismo profissional – independente, porque não vive de verbas oficiais –, por meio do abalo dos alicerces das empresas de comunicação, projeto em curso na Argentina. Como o jornalismo de qualidade é caro, trata-se de cortar seu financiamento.
Dilma fez questão de destacar, no discurso, que a Secom “adotará o mais rigoroso cuidado” na distribuição das verbas de publicidade do governo, tema sensível devido ao documento apócrifo, mas com impressões digitais da secretaria, em que se reivindicava mais apoio financeiro a blogs e veículos em geral chapas-brancas. Outra maneira de cercear a liberdade de expressão, pois a mão que ajuda aliados prejudica supostos inimigos.