O ex-governador do Pará Simão Jatene autorizou sua assessoria a publicar, apenas em O Liberal, um suplemento de 96 páginas, em formato tablóide (equivalentes a 48 páginas em tamanho normal), com a prestação de contas dos seus quatro anos de mandato. Além da relação de obras, o caderno, todo em papel especial, trouxe 22 fotografias do governador. Segundo o cálculo feito pelo Diário do Pará, excluído da divulgação, a propaganda custou 350 mil reais, faturados exclusivamente pelo jornal da família Maiorana.
Se não houve adiantamento no pagamento, a conta deverá ser quitada pela governadora Ana Júlia Carepa. Nesse caso, ela estará partilhando uma experiência que seu ex-correligionário Edmilson Rodrigues viveu. Ao assumir a prefeitura de Belém, eleito pelo PT, em 1996, ele encontrou uma dívida de propaganda do seu antecessor, Hélio Gueiros, com o grupo Liberal, que chegou a ser calculada em R$ 2 milhões.
Pagar ou não pagar, pagar tudo ou só o que fosse comprovado, foi a primeira casca de banana que ele encontrou em seu caminho. Mugiu e tossiu, como deve ter dito Hélio Gueiros, assistindo o drama de camarote. O prefeito-criança prometeu dobrar os Maiorana, mas acabou se submetendo a eles. Até co-patrocinou a comercialização de vídeos de filmes da corporação, apesar do sentido comercial da iniciativa.
Aditivo para o monstro
Ana Júlia já se defronta com várias cascas de banana deixadas pelo caminho do novo governo por Simão Jatene. Algumas delas relacionadas ao grupo Liberal, podiam servir de mote para uma reflexão mais profunda e conseqüente por parte dos novos gestores dos recursos públicos.
Jatene mandou publicar seu caderno de propaganda apenas em O Liberal porque o jornal de Jader Barbalho é considerado adversário. Mas não estava nesse enquadramento no início do governo, quando Jatene e Barbalho ensaiaram um acordo. Nessa época não havia distinção entre O Liberal e o Diário do Pará para a mídia governamental. Quando os arranjos políticos, dando em nada, se desfizeram, a propaganda oficial sumiu do Diário, que também mudou o tratamento editorial dado ao governo do Estado. Não aos poucos, mas drasticamente.
Na sua mensagem onerosa de fim de governo, Jatene reserva duros ataques à folha dos Barbalho, da qual foi alvo preferencial nos últimos meses. Se sua administração foi apresentada no jornal como exemplo de descalabro, Jatene lembra o tempo passado, ‘em que o descalabro administrativo era, lamentavelmente, bem mais do que manchete de jornal cotidiano’, que classifica de ‘tendencioso’. Proclama ter conseguido elevar a auto-estima dos paraenses e restaurar a credibilidade e a confiança do governo, ‘mesmo diante de campanhas contrárias orquestradas por veículos de comunicação que não conseguem esconder a parcialidade de sua orientação política’.
É verdade. Mas foi gratuito e desinteressado o apoio – integral e absoluto – que os dois governos tucanos obtiveram do grupo Liberal? O noticiário dos veículos da família Maiorana foi mais isento e verdadeiro do que o dos Barbalho? Refletiu, de fato, a verdade e expressou os interesses da opinião pública? Resultou de uma diretriz editorial ou ecoou o movimento do caixa? É essa a ‘imprensa séria’ a que se refere o ex-governador na sua última manifestação oficial?
É incrível que um intelectual, professor universitário com título de mestre e servidor público há 30 anos, como Simão Robson Jatene, se permita apresentar como verdades afirmativas tão falsas, tão simploriamente enganosas, tão primárias. E coloque no âmbito da sua responsabilidade atos como a renovação do ‘convênio’ entre a Funtelpa e a TV Liberal, contaminado de ilegalidade e imoralidade.
A prorrogação foi assinada no dia 28 de dezembro para ter vigência no dia 31, sendo publicada, porém, no Diário Oficial do dia 2, quando o fato já estava consumado e o responsável em última instância pela excrescência estava fora do cargo, poupando-se do odor ruim da criatura disforme.
O conteúdo do ‘convênio’ e a forma adotada para a prorrogação da sua vigência sugerem ao cidadão um comportamento irresponsável e leviano por parte do gestor público. O aprendiz de feiticeiro que concebeu a malfadada peça, o governador Almir Gabriel, ao encerrar seu segundo mandato de 8 anos, em cinco dos quais avalizou a inusitada relação entre o poder público (que pagava para ceder seu patrimônio) e uma empresa privada (que dispunha do bem e ainda recebia 200 mil reais por mês, reajustáveis, para dele se servir), assinou um termo aditivo prolongando a existência do monstro por mais três meses; apenas três meses. E seu sucessor era o correligionário, amigo e ‘lua preta’ Simão Jatene. Já o mesmo Jatene, ao transferir a alta magistratura do Estado a uma adversária, assinou um aditivo para prorrogar o prazo do ‘convênio’ por um ano inteiro, até 31 de dezembro de 2007.
Circulo vicioso
Qual a ética, o respeito e a decência nessa decisão? Uma aberração jurídica, que sobrevive há nove anos, alcançará o decênio graças ao 14º termo aditivo editado durante o império tucano, ao arrepio de normas categóricas em contrário da lei sobre licitações públicas e das regras que visam preservar o interesse público, simplesmente ignorado pelos donos da verdade no Pará.
Essa é uma trajetória inevitável? Aos amigos, os favores da lei; aos inimigos, os rigores. Será sempre assim, mesmo quando o instrumento para acertos ou vinganças é o dinheiro do povo? Não é possível criar uma instância independente para mediar essas relações, definindo o que o governo pode e o que não pode fazer quando estiver decidindo sobre a aplicação do dinheiro público? No Pará, um dos Estados que mais gasta com propaganda oficial, a anunciada ‘democratização da informação’ continuará a ser apenas peça decorativa de uma estratégia de marketing?
A cautelosa reação do novo governo ao legado que assumiu, e particularmente em relação ao ‘convênio’ Funtelpa/TV Liberal, não indica respostas seguras e confiáveis a essas inquietações. A esta altura do estado do conhecimento sobre a questão, solicitar um novo parecer e dar a esse trabalho, requerido em caráter de urgência, uma lenta tramitação, de 15 dias, renováveis por mais 15, pode levar os observadores a achar que a definição está sujeita a um tratamento cosmético e a uma tentativa de conciliação baseada em conveniências, não na afirmação do interesse público.
Não se está defendendo a simples anulação do convênio. Denunciá-lo, no entanto, pode ser um começo adequado para rever suas cláusulas nocivas e preservar pontos nevrálgicos (como a transmissão do Jornal Nacional e das novelas da TV Globo ao interior do Estado), ao menos no momento, em caráter emergencial, até a completa regularização da situação, para ajustá-la à letra da lei.
Se Ana Júlia veio para mudar, convinha mudar a quadratura desse círculo vicioso e não ficar a burilar suas bordas.
Ambivalência
O Diário do Pará e O Liberal estão numa nova temporada de guerra. A disputa é tanto pelo mercado quanto por um lugar no governo de Ana Júlia Carepa. Os Maiorana, depois de tudo fazer pela vitória de Almir Gabriel, agora adotam uma tática de morder e assoprar: uma crítica à nova administração (como matérias seguidas anunciando que tudo continuará na mesma em matéria de política fiscal e tributária) é seguida pelo culto à personalidade da nova mandatária estadual, com fotos e mais fotos nas colunas sociais e adjacências. O grupo Liberal manobra a chibata com uma mão e com a outra acaricia com luva de veludo.
O Diário fustiga a herança maldita do governo Jatene e a associa aos seus aliados da imprensa, que douraram a pílula até a undécima hora, enquanto relembra os compromissos de mudança da candidata eleita, mostrando como são incompatíveis com a conciliação com os adversários da véspera.
Ana Júlia evita se definir, mandando sinais ora em favor de uma interpretação combativa dada à sua postura, ora a um entendimento conciliador. Está se equilibrando numa faca só lâmina. Enquanto isso, faz consultas quase diárias ao deputado federal Jader Barbalho, seu maior aliado político, como se ele não fosse também o dono do grupo RBA.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal