Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Direito à comunicação e acesso à mídia

A noção de direito à comunicação ainda é muito pouco explorada no Brasil. Os raros artigos da Constituição brasileira que tratam do tema carecem de regulamentação, o que dificulta seu reconhecimento. A diferença crucial entre os conceitos de direito à comunicação e de direito à informação está no fato de não haver no primeiro apenas a prerrogativa de ser informado, havendo também a de informar, introduzindo uma característica de mão-dupla no processo. Ele difere também do conceito de liberdade de expressão, pois presume o acesso do titular aos meios de comunicação. Existe, neste sentido, no ordenamento jurídico nacional, o chamado direito de antena, que prevê o acesso de organizações civis à mídia. No entanto, este direito é atualmente reservado apenas a partidos políticos.

Ainda que o debate sobre a questão seja incipiente, especialmente no Brasil, a idéia de direito à comunicação surgiu em 1969, quando o francês Jean D’Arcy reconheceu a insuficiência do artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, constatando que chegaria o tempo em que o homem precisaria reconhecer um direito mais importante que a liberdade de expressão, o direito de comunicar.

Os debates sobre o direito à comunicação estiveram sempre ligados à Unesco, desde o início dos anos 70, reduzido no período em que Estados Unidos e Inglaterra se afastaram da organização. Apenas em 2003, nos preparativos para a Cúpula Mundial da Sociedade de Informação (WSIS), o direito à comunicação retornou efetivamente à pauta das discussões internacionais, em grande parte, devido à campanha CRIS (Communication Rights in the Information Society). O entendimento internacional sobre o direito à comunicação é uma questão de grande complexidade, existindo, atualmente, três principais entendimentos acerca da temática.

Tática de abordagem

A visão legalista, a qual tem como principal expoente o professor Cees Hamelink, acredita que o direito à comunicação deve ser reconhecido como lei internacional e acrescentado à Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta foi a primeira teoria sobre o direito à comunicação. Hamelink desenvolveu um manifesto enumerando as implicações do reconhecimento de um direito universal à comunicação, que foi entregue ao plenário da WSIS e amplamente divulgado. Este manifesto recebeu várias críticas, principalmente pela falta de limites claros em relação a outros direitos humanos, como o de liberdade de expressão, privacidade e propriedade.

A visão liberal entende que o direito de comunicar é um novo rótulo para os direitos de liberdade de informação e expressão, vitais e em constante evolução. Os adeptos desta teoria defendem ser problemática a criação de um novo diploma legal para reconhecer o direito à comunicação, preferindo trabalhar com a já existente Declaração Universal dos Direitos Humanos, cujo potencial não teria ainda sido totalmente explorado. Este posicionamento é adotado pela ONG Article 19, que contesta a visão legalista de Hamelink, inclusive encorajando outras organizações a fazerem o mesmo.

O posicionamento defendido pelo diretor da campanha CRIS, Seán Ó Siochrú, é o chamado normativo-tático (normative-tactical) e é considerado o entendimento dominante. Esta teoria prega o uso da palavra direito mais como uma tática de abordagem ao tópico do que algo para ser interpretado literalmente e aplicado legalmente. A declaração da campanha CRIS sobre os direitos da comunicação também foi criticada publicamente pela organização Article 19, alegando que esta poderia enfraquecer ou pôr em risco o direito à liberdade de expressão protegida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Espaço aos partidos

Há um distanciamento do conceito de D’Arcy e a aceitação aberta da falta de precisão da expressão direito de comunicar. É esta ausência de precisão que permite ser o conceito utilizado como bandeira pelos mais diversos setores da sociedade civil. Em vez de lutar pela codificação, em lei internacional, do direito de comunicar, os defensores desta visão lutam pela proteção do direito que todo cidadão tem de comunicar. O entendimento da CRIS sustenta o direito à comunicação em quatro pilares: a liberdade de expressão na esfera pública, o uso do conhecimento e do domínio público, o pleno exercício das liberdades civis (privacidade e associação) e o acesso eqüitativo às tecnologias de informação e comunicação (TICs).

Em países como Alemanha, França, Espanha, Portugal e Holanda existe uma previsão legal que possibilita uma maior participação da sociedade civil na mídia. É o chamado direito de antena. Previsto pela primeira vez na Constituição portuguesa de 1976, este direito assegura que seja cedido espaço na mídia para instituições representativas da sociedade civil, com base em sua importância. O direito de antena, quando utilizado corretamente, funciona como um importante meio de acesso da sociedade aos meios de comunicação, suprimindo o caráter de mão-única do processo.

No Brasil, no entanto, este direito é usado apenas para conceder espaço aos partidos políticos, de acordo com o artigo 17, parágrafo terceiro da Constituição Federal, que dá a estes a prerrogativa de horário gratuito nas estações de rádio e televisão. Não existe, na legislação brasileira, dispositivo que permita a outras organizações usufruírem o direito de antena, o que impede o acesso público à mídia. Diante disso, o debate em torno do direito à comunicação certamente tem muito que avançar, sendo um bom momento para a sociedade mobilizar-se o atual, quando novos governos assumem e uma Lei de Comunicação Social Eletrônica é esperada, no bojo do processo de implantação da TV digital terrestre.

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O primeiro é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA; o segundo, bolsista de Iniciação Científica (Unibic) e graduando em Comunicação Social – Jornalismo pela Unisinos