Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Direto da Redação


MERCADO EDITORIAL
Roberto Porto


Quem quer comprar O Dia?, 8/02/07


‘Tenho a mais absoluta e convicta das certezas de que os mais veteranos
leitores do Direto da Redação haverão de se recordar de pelo menos algumas das
mais curiosas manchetes de O Dia: ‘Cachorro fez mal à moça’, ‘Violada no
auditório’, ‘O gemido era imoral’ ou ‘Bandido era mocinha’.


O jornal de Chagas Freitas (1914-1991) não tinha, a rigor, a partir de sua
fundação, em 1950, qualquer compromisso mais sério com o leitor. O negócio era
vender, quanto mais melhor. E entre os jornalistas mais bem informados ganhou
logo o apelido de que tratava-se de um matutino que, se espremesse, jorraria
sangue. Quem comprava O Dia nas mãos dos jornaleiros ambulantes ou nas bancas
era o público da classe baixa, com absoluto e irrefutável sucesso nas escadarias
da Central do Brasil, adquirido a preço módico por quem estivesse a caminho do
trabalho, vindo dos subúrbios distantes do Rio.


Em 1983, porém, imaginando o potencial do jornal, Ary de Carvalho (1934-2003)
comprou O Dia. E, de maneira gradual, foi mudando a cara do matutino.
Assessorado por jornalistas de nível, imaginou que pudesse penetrar na base da
pirâmide do Jornal do Brasil, formada por leitores talvez insatisfeitos com o o
rumo do jornal capitaneado pelo doutor Nascimento Brito (1922-2003). Foi um erro
colossal. O Dia, por mais que se esforçasse, não conseguia tirar de suas páginas
as manchas de sangue de tantos anos seguidos de violências, estupros e
assassinatos. E a vendagem do jornal caiu assustadoramente. Quem, de uma hora
para outra, iria trocar o noticiário de um crime bárbaro por uma análise da
política americana? Ninguém.


Mas Ary de Carvalho não desistiu. Mudou novamente. O Dia ficou colorido –
belas e bem impressas fotos a cores – e mergulhou na real, tratando das
reinvidicações dos servidores públicos, civis e militares, um novo enfoque aos
fatos policiais, abriu espaço generoso para a política da cidade e do Estado do
Rio de Janeiro, e ampliou o noticiário esportivo. Informatizado totalmente em
1993, dono de um novo parque gráfico, O Dia – perdoem a expressão – arrebentou a
boca do balão. E, curiosamente, para quem pretendia penetrar na base da pirâmide
do Jornal do Brasil, O Dia começou a abrir brechas enormes nos porões de O
Globo, do doutor Roberto Marinho (1904-2003). Aí começou a derrocada de Ary de
Carvalho.


Os Marinho, todos sabem, não jogam para perder. E em 1998 lançaram o Extra
para combater O Dia. Golpe por golpe, a partir de 1998, O Dia começou a
cambalear no ringue do mercado jornalístico. Por isso, exatamente por isso, não
me espantei com a gigantesca nota – publicada no jornal e na Internet – de que O
Dia não estaria à venda e iria processar a Veja, que deu a notícia. É até
possível que O Dia não esteja à venda por 70 milhões de dólares. Mas lanço a
primeira pergunta: quem compraria um jornal para enfrentar um concorrente
(Extra) tão forte? E termino com outra: há espaço no mercado do Rio para dois
jornais populares e bem feitos?


Honestamente, creio que não.


PS – Ary de Carvalho, Roberto Marinho e Nascimento Brito morreram no mesmo
ano de 2003.


(*) Jornalista há 43 anos (atualmente na ESPN Brasil), com passagens pelo
Jornal do Brasil, O Globo, Correio da Manhã, O Dia, BlochEditores e rádios
Nacional, Tupi e Globo. Publicou ‘História Ilustrada do Futebol Brasileiro’, com
João Máximo, ‘Botafogo – 101 anos de histórias, mitos e superstições’ e ‘Gírias
do Futebol’, com Carlos Leonam.’


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