A Constituição Federal completa 22 anos em outubro. Passadas mais duas décadas, ela ainda tem 142 dispositivos que dependem de regulamentação pelo Congresso Nacional. A expectativa é que deputados e senadores que forem eleitos em 3 de outubro comecem a regulamentá-los a partir de 2011. Entre esses dispositivos, está aquele que trata dos percentuais de produção regional cultural, artística e jornalística que devem ser veiculados pelas emissoras de rádio e TV.
O acúmulo de dispositivos para regulamentar é uma das heranças da Assembleia Constituinte de 1988. Quando um assunto era polêmico e não havia acordo, os constituintes aprovavam algumas diretrizes da matéria e deixavam para os futuros parlamentares a tarefa de regulamentá-lo por meio de leis ordinárias ou complementares. Assim, ficaram para ser regulamentados 352 dispositivos, dos quais 210 já foram apreciados, 64 estão em discussão na Câmara ou no Senado e 78 permanecem sem projetos.
Um dos dispositivos que dependem de regulamentação é o Inciso 3º do Artigo 221. Ele diz que os percentuais de regionalização da produção cultural, artística e jornalística, nas emissoras de rádio e TV serão definidos em lei a ser aprovada pela Câmara e pelo Senado. À época, os constituintes tentaram fixar um percentual para essas produções. Como não houve acordo, a solução foi deixar a regulamentação para a lei ordinária.
Pressão dos empresários
O Artigo 221 estabelece que a produção e a programação das emissoras de televisão e rádio deverão atender a alguns princípios, tais como: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e incentivo à produção independente. Também tratam do capítulo da Comunicação Social os artigos 220, 222, 223 e 224.
Alguns projetos já foram apresentados para regulamentar os percentuais da regionalização da produção cultural, artística e jornalística das emissoras de TV e de rádio. Um deles, de autoria da ex-deputada Jandira Feghali, já foi aprovado pela Câmara e aguarda deliberação do Senado.
A proposta estabelece que as emissoras de rádio e TV serão obrigadas a exibir em sua programação diária, das 7h às 23h, no mínimo de 30% de programas de culturais, artísticos e jornalísticos totalmente produzidos e transmitidos no local de sua sede, sendo no mínimo 15% jornalístico e 15% artístico e cultural.
A dificuldade na regulamentação desse dispositivo se deve à pressão dos empresários da área de comunicação. Eles não concordam com os percentuais estabelecidos na proposta, que tramita no Congresso há 19 anos.
Maior representação da diversidade
De acordo com o diretor de Assuntos Legais da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Rodolfo Machado Moura, a proposta da ex-deputada é impraticável. ‘Somos favoráveis à regulamentação do dispositivo constitucional, desde que ele tenha condições de ser praticado no Brasil.’ Segundo ele, o projeto, que já está no Senado, traz percentuais que não têm como ser cumpridos.
Rodolfo Machado disse que a regulamentação precisa ser feita de forma a estabelecer percentuais variáveis de acordo com a localidade onde estiver instalado o veículo de comunicação e com percentuais viáveis que possam ser cumpridos. Segundo ele, de nada adianta aprovar uma lei que não tem viabilidade para ser cumprida. A maioria das emissoras de rádio, assinalou, tem programações locais, porque há poucas redes nacionais.
A regulamentação do dispositivo constitucional conta com o apoio do Ministério da Cultura (MinC). De acordo com o coordenador-geral de Políticas Audiovisuais do MC, James Görgen, a regulamentação do Inciso 3º vai dar um grande estimulo à área de produção independente no Brasil. ‘Hoje, há concentração da produção audiovisual no Rio de Janeiro e em São Paulo. Com a regulamentação, a gente tende a ter a descentralização das produções e a permitir maior representação da diversidade cultural brasileira nos meios de comunicação.’
‘Maior produção e melhor qualidade’
Segundo o representante do ministério, a simples imposição de cotas para exibição nas emissoras de TV e de rádio não vai resolver a questão para as emissoras e nem para os produtores independentes e nem para a população. ‘É necessária a adoção de uma política que preveja incentivos para que as emissoras regionais possam adquirir o direito de exibição de obras de produtores independentes.’
De acordo com Görgen, uma das resoluções da 2ª Conferência Nacional de Cultura, realizada em março deste ano em Brasília, foi a necessidade de regulamentação do dispositivo constitucional. Ele informou ainda que durante a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em dezembro do ano passado, também na capital federal, a regulamentação do dispositivo constitucional que prevê a regionalização dos conteúdos de rádio e TV foi uma das propostas aprovadas pelos mais de mil participantes da 1ª Confecom.
Para o presidente da Associação Brasileira de Produtores Independentes de TVs, Marco Altberg, a regulamentação do dispositivo ‘é fundamental e é aguardada pelos produtores desde a Constituinte de 1988’. Segundo ele, as TVs públicas, como a TV Brasil e a TV Cultura, e as emissoras de TV a cabo têm tido presença importante, ‘abrindo espaços para veiculação de produções independentes’.
De acordo com Marco Altberg, no mundo inteiro ‘boa parte do conteúdo veiculado pelas emissoras é de produção independente’. Segundo ele, é importante a regulamentação para a veiculação das produções independentes, assim como a regionalização das produções nas emissoras. ‘A regulamentação vai ajudar na maior produção e na melhor qualidade dos produtos’ (editor: João Carlos Rodrigues).