Monday, 04 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

Domínio do Google é abusivo e traz riscos

A dinamarquesa Margrethe Vestager, 47, acusa o Google de lesar a concorrência na Europa para privilegiar seus produtos no serviço de pesquisa e investiga a atuação da empresa em outros setores, como o incentivo ao uso do sistema operacional Android.

Ela deixou o cargo de ministra da Economia do seu país no segundo semestre de 2014 para ser comissária de competição da União Europeia, que reúne 28 membros.

Vestager anunciou no dia 15 de abril uma acusação formal que pode levar a UE a multar o gigante da tecnologia em € 6 bilhões, estimativa de 10% da receita anual.

A revista “Time” a chamou de “o pior pesadelo do Google” e de “dama de ferro” do bloco europeu.

Vestager recebeu a Folha em seu gabinete em Bruxelas, na semana passada, para uma entrevista.

“O Google usa sua posição dominante para promover seus próprios serviços e tornar mercados viáveis”, afirmou, sobre o privilégio, segundo ela, dado aos produtos do Google Shopping pelo serviço de busca da empresa.

O Google recebeu um prazo de dez semanas para responder ao “comunicado de objeções”, antes de a União Europeia tomar uma decisão.

O Google nega a acusação. Em um memorando interno, a empresa americana classificou de “decepcionante” a ação de Vestager e considerou o caso “muito forte”.

Vestager não quis comentar sobre a atuação do Google para garantir o “direito ao esquecimento”, reconhecido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Também não quis falar sobre a relação entre a empresa americana e os jornais. A comissária afirmou que comenta somente os casos que estão em sua pasta.

A sra. concorda que virou um pesadelo para o Google?

Margrethe Vestager – Estou tentando fazer meu trabalho. Para mim, tem sido uma grande transição de quem vem da política. Quero fazer algo baseado em fatos, evidências, sendo que estamos acostumados a ser legisladores, não aplicadores da lei. Trabalho em cima dos valores de nossa sociedade europeia, que deve ser aberta, com uma competição justa e a melhor escolha para cidadãos e consumidores.

Qual o impacto das práticas investigadas para as pessoas?

M.V. – O Google é muito bem-sucedido e dominante na Europa em termos de pesquisa e tem usado essa posição para promover seus próprios serviços e tornar mercados viáveis. Se você faz uma busca por compras, o Google Shopping vai sempre aparecer em primeiro na resposta.

Às vezes, isso pode ser bom, mas, em outros casos, a resposta deveria ser outra e isso não é oferecido. Como uma empresa vai tentar ser melhor, oferecer algo novo?

A preocupação é que há um risco para nós, como consumidores, de sermos privados de inovações, de novos desenvolvimentos do mercado.

Ser dominante não é consequência da livre competição?

M.V. – É justo poder crescer. Se eu perguntar às minhas filhas por que usam o Google, vão responder: “Ah, mãe, é o melhor”. E isso não é porque é uma empresa norte-americana, seja lá o que for. Estão se tornando dominantes porque têm feito um bom trabalho.

No entanto, isso não permite fazer algo que não seja competitivo, meritocrático, que não foi escolhido pelos consumidores.

Não é natural que uma empresa privada como o Google coloque seu produto na frente numa pesquisa?

M.V. – Você pode ser dominante, bem-sucedido. Todo o mundo, incluindo a mim, vai lhe parabenizar. Mas você não pode abusar dessa posição para tornar viável um mercado em que não é dominante (como o de compras) e não foi bem-sucedido. Afinal, os consumidores não estão escolhendo você pelos seus próprios méritos, mas apenas porque você se colocou na cara deles por ser dominante.

Há outras investigações em curso contra o Google?

M.V. – O comunicado de objeções diz respeito ao Google Shopping, mas não significa que é tudo o que estamos fazendo sobre a empresa. Em paralelo, temos várias questões. Uma delas é o que chamamos de “scraping”, a cópia de certa parte de conteúdo, tirando de uma página e colocando na sua. Temos também questões sobre propaganda. É muito difícil para uma empresa fazer propaganda em outra que não seja o Google.

Uma das preocupações que temos ainda é que o Google está fortemente incentivando fabricantes a produzir equipamentos com o Android, e, portanto, fechando o mercado e dificultando o surgimento de novos sistemas operacionais.

Nos Estados Unidos, fala-se até em conspiração na UE pelo fato de o alvo ser uma empresa americana.

M.V. – Obviamente, não concordo. Levei as acusações a sério, porque é ruim se a aplicação do direito à concorrência for usada de maneira política. Definitivamente, não é nosso objetivo. Nosso trabalho é guiado por escolhas, consumidores, inovações.

Um dos fatos que nos suportam no caso Google é o grande número de reclamações de outras empresas norte-americanas. Eu uso o Google, não tenho nada contra como empresa, mas o problema é sua conduta, seu comportamento.

A sra. realmente acredita que é possível controlar esse tipo de domínio na internet?

M.V. – Acho que podemos fazer isso na Europa se queremos uma economia justa. Nós temos sistema político, regulação, legislação. Seja grande ou pequeno, tem de atuar de acordo com as mesmas regras, com o que está escrito, não importa a sua bandeira. Se temos um jogo e você é grande, é mais fácil competir do que quem é pequeno. Mas às vezes o pequeno é capaz de fazer coisas que o grande tem esquecido.

Como ser competitivo hoje na internet sem ser uma grande empresa?

M.V. – Todas essas empresas provavelmente já foram pequenas. Quando começaram, não tinham cem anos de história e eram pequenas até pouco tempo atrás.

O Skype começou pequeno, por exemplo. Você tem uma ideia, faz um software, as pessoas gostam e você cresce. Nosso trabalho é manter o mercado aberto. Se não garantir isso, não haverá chance de alguém crescer.

Os russos acusam a sra. de tomar uma ação política contra o governo de Vladimir Putin no caso da Gazprom.

M.V. – As reclamações contra a Gazprom vêm desde 2011 e uma investigação foi aberta em 2012, antes de vir à tona essa agenda política da Rússia. É novamente um caso importante sobre o nosso mercado único, da UE, para mantê-lo aberto e competitivo. Para nós, o mercado único tem criado empregos, oportunidades, e, portanto, o uso dele tem de ser competitivo e justo, com esse propósito, e não para fins políticos, senão tira a legitimidade.

Como tem sido sua relação com o Google e o que pode ocorrer?

M.V. – É uma relação profissional. Eles podem não concordar conosco, mas temos ainda que ter uma relação. Não tomaremos nenhuma decisão antes de receber as respostas. Nesse tipo de caso, há diferentes caminhos a tomar. Um é negociar compromissos. Se não for possível, uma decisão a ser tomada pela comissão é impor a multa.

O que diria para autoridades de outros continentes sobre essa experiência?

M.V. – Isso depende muito da situação do mercado. A razão para nós é que aqui o Google é muito dominante, há áreas em que tem 90%, 95% de domínio de pesquisa. E não é muito diferente no Canadá, nos EUA, mas não tenho muita ideia de como seja no Brasil ou na Argentina. O desafio da globalização é impositivo e o número de agências de aplicação de direito à concorrência tem crescido.

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Leandro Colon, da Folha de S.Paulo, em Bruxelas