Até o fim do ano, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) lançará um manual de jornalismo com diretrizes para a produção de informação pela Agência Brasil, TV Brasil e emissoras de rádio da EBC. A criação do manual responde a uma resolução do Conselho Curador, que entende ser necessário estabelecer regras adequadas ‘aos imperativos da prática de um jornalismo público de qualidade’. O texto aprovado pelos conselheiros ressalta que o manual usado até o momento, o da extinta Radiobrás, foi concebido para uma empresa com caráter e finalidades diversas da EBC. Em outras palavras, as regras vigentes pautam-se nos princípios da comunicação estatal, quando a EBC deve promover a comunicação pública.
A resolução estabelece que o manual deve estar pronto dentro de 1 ano. Em 5 meses, a EBC deverá divulgar os princípios e conceitos orientadores das novas regras, iniciando um processo de discussão do documento aberto à participação da sociedade. A resolução foi publicada em 15 de junho.
A questão da atualização do manual de jornalismo surgiu a partir de provocação feita por uma leitora da Agência Brasil, que questionou o uso do off em uma reportagem. O off é a utilização de uma informação ou citação sem a identificação da fonte, prática que o manual da antiga Radiobrás, ainda em vigor, proíbe. ‘A partir dessa provocação, a Câmara de Jornalismo do Conselho Curador da EBC decidiu sugerir que a empresa discuta um novo manual de jornalismo, em sintonia com as novas atribuições de uma empresa pública de comunicação’, explicou Roberto Seabra, representante da Câmara dos Deputados no conselho.
Para o professor Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo, jornalista e ouvidor da EBC, o manual atual sofrerá adaptações pequenas para buscar o caráter público. ‘O manual da Radiobrás já tentava garantir uma certa transição da empresa estatal para transformá-la em empresa pública, para mantê-la mais independente ao governo do momento’, comentou. O novo manual consolidará essa independência editorial, e terá como referência apenas o Conselho Curador, órgão máximo da EBC. Para Lalo, esse é a principal diferença entre a Radiobrás e a EBC: a existência de um órgão que deverá avaliar se o manual está sendo aplicado.
Até a publicação das novas regras, segue em vigência o Manual da Radiobrás. A resolução do Conselho também estabelece que os veículos devem adotar já o padrão do novo acordo ortográfico da língua portuguesa.
Importância da experiência e da participação
‘A ideia de público é não ter amarras, não ter censura, e o manual deve caminhar nessa direção. Não ter compromisso com governo ou empresa’, opina Francisco José Karam, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenador do Observatório da Ética Jornalística (objETHOS). Para ele, a importância de um manual é também seu potencial para resolver questões éticas delicadas. ‘Um manual é o resultado de todo um acúmulo teórico e prático da história da empresa. É eficaz um manual que estabelece padrões de comportamento em relação a temas como sigilo das fontes, como investigar corrupção, lidar com questões delicadas como o suicídio…’, opina. Para tratar dessas questões, Karam acredita ser fundamental a referência ao passado e a experiência acumulada dentro do veículo jornalístico.
O professor Lalo acredita que é positivo que os profissionais tenham uma diretriz comum para não haver dúvidas sobre o comportamento adequado no processo de produção, facilitando a tomada de decisões. ‘Se os manuais são importantes em empresas privadas de comunicação, imagine no setor público, onde a preocupação com a imparcialidade e a isenção são ainda maiores’, opinou Seabra. Ao mesmo tempo, existe a preocupação do manual não se transformar em um fator de engessamento dessa produção, que iniba a criatividade do jornalista.
Quanto à participação do Conselho Curador durante o processo de elaboração do manual, Seabra afirma que, diretamente ou por intermédio da Câmara de Jornalismo, o órgão poderá participar acompanhando os debates e as audiências. ‘Mas a elaboração do texto do manual é da competência da diretoria de jornalismo da EBC’, afirmou.
Roberto Seabra acredita que a própria elaboração do manual contará com a participação de ouvintes, leitores e telespectadores dos veículos da EBC. O Conselho Curador e a própria empresa tem feito audiências públicas e outros eventos para discutir a programação da TV Brasil e das emissoras de rádio, lembrou o representante da Câmara dos Deputados. ‘Acredito que esse caminho também será seguido durante a elaboração do manual de jornalismo. É importante também dizer que será fundamental a participação dos servidores da EBC na elaboração do manual. Eles sabem, melhor do que ninguém, os problemas que surgem no dia a dia e podem ser tema do manual.’
Instrumento para a sociedade
A necessidade de ajustes no manual foi apontada pela Ouvidoria da EBC e, na avaliação de Laurindo Leal Filho, deverá impactar positivamente o seu trabalho. Segundo ele, será possível responder ao público de forma objetiva e prática, tornando as considerações a respeito das críticas não mais uma opinião da Ouvidoria ou da Diretoria.’A existência de um manual próprio da EBC facilitará o trabalho para a ouvidoria, e mais que isso, para o leitor da agência, para o ouvinte, para o telespectador. Ficam mais claros os parâmetros de trabalho’, disse.
Seabra apontou que as novas regras podem prever outras formas de interação entre o público e as estruturas de produção jornalística da EBC. ‘Talvez o manual possa prever outras formas de participação do público. Na elaboração das pautas, por exemplo, nos comentários sobre a produção jornalística’, disse o conselheiro. Porém, a questão está em aberto, afirmou, e poderá ser discutida durante as audiências.
Lalo acredita que quando o manual ficar pronto, será preciso dar grande publicidade ao seu conteúdo, uma medida imprescindível para que se as regras de produção jornalística sejam conhecidas, e o manual possa cumprir seu mais importante papel, o de ser um instrumento a serviço dos interesses da população.