Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Regina Lima

“No último dia 9 de fevereiro, a Agência Brasil publicou a matéria Policiais e bombeiros do Rio decidem entrar em greve, por ocasião da cobertura da greve dos servidores de segurança Pública no Rio de Janeiro. Um leitor atento questionou o número de pessoas no protesto apresentado na matéria. Pelo teor de sua manifestação, ele deixa entender que a Agência Brasil agiu de má fé na reportagem.

Vejam a manifestação do leitor:

(…) o repórter Vladimir Platonow afirmou que apenas mil e 500 manifestantes estavam na Cinelândia no momento em que três categorias decidiram pela paralisação. Policiais militares em serviço, incluindo um oficial, disseram a outros veículos de imprensa que o número era superior a 10 mil. Fotos do local não deixam dúvidas. Desejo saber se a reportagem recebeu orientação editorial no sentido de minimizar o fato ou se foi deliberadamente manipulada pelo próprio repórter. A empresa tem o dever – determinado em lei – de veicular o fato de forma correta e isenta.

Segue o trecho ao qual o leitor se refere: ‘A concentração na Cinelândia, em frente à Câmara de Vereadores, começou por volta das 17h e a decisão pela greve foi tomada às 23h21, quando os cerca de 1,5 mil presentes, segundo organizadores, aprovaram a paralisação por aclamação. A recomendação das lideranças foi para que os policiais e
bombeiros sigam para suas unidades, mas se recusem a sair.’

A Agência Brasil respondeu: ‘Houve um erro da nossa reportagem ao só apurar o número de manifestantes com uma fonte, quando a regra do jornalismo é ouvir pelo menos duas fontes, a organização do evento e a polícia militar. Depois do alerta do leitor, fizemos uma checagem das informações com diversas fontes credenciadas que estavam no local e foi constatado que naquele momento da votação, às 23h, estavam no
local 2 mil pessoas e não 1,5 mil como publicamos. Agradecemos o alerta do leitor.  A correção foi feita.’

Sem entrar no mérito se o número estimado estava correto, errado, próximo da realidade ou mesmo se houve ou não má fé do veículo. O certo é que contar multidões não é uma das tarefas mais fáceis, especialmente em casos de manifestações de cunho político-ideológico.

Do lado de quem organiza, a proposta será sempre superestimar os números, já que há o interesse em promover a causa. Do lado do veículo, se ele joga o número para baixo fatalmente será acusado de tendencioso. Se, ao contrário, valoriza além da conta também será acusado de partidarismo.

Uma das maiores autoridades no assunto, o sociólogo Clark MacPhail, da Universidade de Illinois, já havia dito, em tom de brincadeira em uma entrevista, que nada melhor que catracas para contar pessoas, como forma de demonstrar o quanto é difícil esta tarefa. MacPhail, desde o fim dos anos 1960, época dos protestos de rua contra a guerra do Vietnã, tem se dedicado a monitorar manifestações públicas, com objetivo de encontrar critérios confiáveis para contar multidões.

No artigo ‘Who counts and how: estimating thesize of protests’ (Quem conta e como: estimando o tamanho de protestos) (2004), McPhail explica que a cobertura da imprensa é essencial para os organizadores da manifestação, o que só ocorre quando há um número significativo de manifestantes. Para as autoridades há uma necessidade de calcular o número de pessoas, para que possam quantificar o número de policiais,
de ambulâncias etc., e garantir a segurança do evento. Por conta disso, ele não acha razoável apoiar-se apenas em fontes oficiais para estimar a participação em manifestações de rua. MacPhail e outros pesquisadores adotaram, com algumas alterações, os estudos feitos pelo professor Herb Jacobs, que lecionava jornalismo na Universidade da Califórnia nos anos 1960. Ele levava em conta três fatores em seu critério de contagem: a área do terreno usado para a manifestação; a porção desta
área que foi efetivamente ocupada pelas pessoas e a variação da densidade de ocupação nos diversos quadrantes da área. O método de Jacobs tornou-se o ‘padrão de ouro’ da contagem de multidões nos EUA.

Retomando, a Agência Brasil respondeu ao leitor que uma das regras do jornalismo é ouvir pelo menos duas fontes, a organização do evento e a polícia militar. Mas se os organizadores, a polícia e o corpo de bombeiros são as fontes mais indicadas para fornecer esta informação, como agir então quando estas fontes, neste caso
específico, são os personagens principais da notícia? Qual o procedimento a ser adotado?

Uma coisa é certa: é necessário ter distanciamento e cautela para veicular informações com credibilidade. Por isso, nenhum veiculo pode optar somente pela estimativa feita pelos organizadores do evento que, como falamos ainda a pouco, vai supervalorizar o evento, como forma de promovê-lo. Da mesma forma, não é aconselhável também o veículo ficar apenas com a estimativa oficial. O mais coerente é citar as estimativas feitas pelas fontes e o veículo também estimar o número de participantes, acionando novos programas de computador que estão, hoje em dia, produzindo informações mais precisas, como, por exemplo, a tecnologia de GPS, que pode ser acionada de smartphones e relógios especializados por qualquer pessoa. Com eles, o repórter pode percorrer o espaço para determinar a área ocupada e em seguida fazer o cálculo do número de pessoas por metro quadrado. O que significa que se o veiculo quiser evitar a divulgação de informações que possam gerar controversas tem que aderir estas tecnologias.

Em caso de dúvidas, uma saída viável é buscar outras pistas relevantes que indiquem outras formas possíveis de se apurar este tipo de informação. Ou então apresentar outros aspectos do evento que atendam o interesse público. Mas, em hipótese alguma, tem que fazer o que a Agência Brasil fez na versão corrigida quando cerca de 2 mil manifestantes, em que a identificação da fonte da estimativa que aparece na versão
original desapareceu e nenhuma outra foi apresentada.

Boa leitura e até a próxima semana.”