Após dois anos em discussão, o projeto que cria a Lei de Comunicação do Equador será votado na Assembleia Nacional, órgão equivalente ao Congresso Nacional brasileiro, ainda neste mês de abril. A lei regulamenta os dispositivos constitucionais relativos ao exercício do direito à comunicação no país, estabelecidos na Constituição Federal promulgada em julho de 2008. O direito à comunicação foi reconhecido na Constituição equatoriana como parte do bem viver – princípio dos indígenas da etnia aymara, que tem como fundamento a equidade entre homens, mulheres e a harmonia de ambos com a natureza – e já havia sido reconhecido na Constituição anterior, promulgada em 1998.
“É uma lei bastante avançada, inclusive em relação à lei da Argentina. Se conseguirmos sua aprovação será um exemplo muito importante para toda a América Latina, não só para o Equador”, afirma Sally Burch, diretora-executiva da Alai (Agência Latinoamericana de Informação), organização que debate há cerca de 25 anos o tema da democratização da comunicação no Equador. “Existe uma movimentação interessante na América Latina para se introduzir novas legislações que democratizem a comunicação e se conseguimos aprovar nova legislação no Equador será um grande exemplo, já que a lei levanta pontos que são importantes não só para o país, mas para toda a região”, analisa Burch.
De fato, se aprovada, a Lei de Comunicação do Equador irá promover grandes mudanças na comunicação do país. Estão previstas alterações na forma de concessão e distribuição de frequências de rádio e televisão aberta, que passarão a ser distribuídas de forma equitativa em três partes: 33% para a operação de meios públicos, 33% para meios privados e 34% para a operação de meios comunitários. Além disso, as frequências que descumprem normas técnicas e jurídicas ou se desviam dos fins para os quais foram concedidas serão devolvidas ao Estado e redistribuídas à sociedade, de acordo com o percentual estabelecido pela lei.
Para o advogado e assessor técnico da comissão temporária da Assembleia Nacional criada exclusivamente para elaborar a Lei de Comunicação, Romel Jurado, essas mudanças democratizam o acesso às frequências de radio e televisão porque pluralizam e diversificam as vozes. “Sabemos que muitas frequências foram concedidas por meio de favores políticos, de forma ilegal, ilegítima. Essas frequências devem ser devolvidas ao Estado e redistribuídas de acordo com o estabelecido pela nova lei”, explica Jurado.
Atualmente, cerca de 90% do espectro equatoriano é ocupado pelo setor privado-comercial, de acordo com o relatório da Comissão de Auditoria de Concessões de Frequências de Radio e Televisão, instituída em 2008 por mandato da Constituição Federal. O advogado e consultor de planejamento Guillermo Navarro, que foi assessor da Assembleia Nacional Constituinte de 2008 e presidente da Comissão de Auditoria da Concessão de Frequências de Radio e Televisão, também acredita que as medidas são significativas para a democratização dos meios de comunicação social no Equador, já que proporcionam igualdade de oportunidades para a criação de novos meios e a desconcentração das frequências de rádiodifusão. “A reversão das concessões ilegais de frequências de rádio e televisão vai possibilitar a disposição de um número significativo para a redistribuição prevista no projeto de lei”, pontua Navarro.
Conselho de Regulação e Desenvolvimento da Comunicação
O projeto de lei também prevê a criação de um Conselho de Regulação e Desenvolvimento da Comunicação, composto por cinco integrantes: um designado pelas faculdades e escolas de comunicação das universidades públicas; um membro eleito entre os candidatos apresentados pelas organizações de comunicação e direitos humanos com personalidade jurídica; um designado pelos Conselhos Nacionais de Igualdade; um membro designado pelo Presidente da República e um membro designado pelas Associações ou Consórcios de Governos Autônomos Descentralizados (representantes de estados e municípios).
Não é prevista a participação de representantes dos concessionários de rádio e televisão no Conselho porque a Constituição equatoriana impede que os interessados se regulem, e isso é válido para qualquer setor. “Como é uma instância que regula os meios, não pode ter participação dos meios. Seria anticonstitucional”, explica Romel Jurado, assessor da comissão temporária da Assembleia Constituinte responsável pela redação da lei.
No que se refere ao Conselho, a representante da Alai, Sally Burch, conta que houve diversas propostas e que o principal ponto de conflito foi em relação à presença do Executivo. O governo respondeu que, por se tratar de um Conselho que vai construir políticas e públicas, a presença do Executivo não deveria ser questionada. Assim, permaneceu entre os cinco integrantes do Conselho um a ser indicado pela Presidência da República.
Entre as principais atribuições do Conselho estão o conhecimento e encaminhamento, em âmbito administrativo, das reclamações apresentadas por violação aos direitos e às obrigações estabelecidas na lei, e a elaboração de relatório vinculante para a atribuição de concessões das frequências para a operação de rádio e televisão. O projeto de lei ressalta que o Conselho não tem autoridade para suspender ou fechar os meios de comunicação.
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