Cariocas, dizem, são geralmente carnavalescos, brasileiros são festeiros e o cidadão do mundo só se movimenta na base de eventos. Na realidade, três facetas de uma mesma atitude ativada pelo grande – e talvez único – vetor do mundo moderno: o espetáculo.
A conferência Rio+20 que começa efetivamente na segunda-feira [18/6] na Cidade Maravilhosa é patrocinada pela Organização das Nações Unidas com o objetivo de enfrentar o pesadelo que mais assusta a humanidade: mudanças climáticas. Mas as reuniões de abril e outubro de 1945 marcando a fundação da ONU em San Francisco, e as primeiras sessões da sua Assembleia Geral em Londres, em janeiro de 1946 – monumentos dedicados ao início da era de convivência internacional – não tiveram festas nem celebrações. As lembranças do sangrento conflito que se encerrava e os desafios que se apresentavam naquela hora eram tão angustiantes que não permitiam desvios, delongas, deleites.
Combustíveis fósseis
Como agora. Porém, neste lapso de 66 anos, além da anulação da hipótese de guerras mundiais, a humanidade desenvolveu outras alternativas ao uso da força: converteu-se numa grande arena, praça pública, mercado – a ágora das cidades gregas – e adotou um calendário de grandes eventos para exorcizar seus fantasmas.
A ONU com suas agências e programas permanentes, é, em si, um argumento contra a compulsão dos arroubos festeiros, mas estadistas não resistem aos holofotes nem o distinto público é capaz de mobilizar-se sem o apoio de lançamentos espetaculares. A necessidade de planejá-los com grande antecedência esbarra na dinâmica do processo econômico ou político e suas inesperadas situações.
Quando a Rio+20 saiu das pranchetas não se poderia prever que a crise do mercado financeiro americano se tornaria uma gravíssima crise econômica global. Falar em investimentos para o futuro no momento em que só se pensa a curtíssimo prazo é condenar-se ao fracasso.
A ideia de sustentabilidade e economia verde (que em situações normais seria saudada com fervor e entusiasmo) tropeça agora num sistema engessado pela austeridade e pelo pavor de grandes rupturas. O Brasil, país-anfitrião da conferência, não conseguiu evitar o vexame de lançar um novo incentivo para a compra de automóveis na véspera de um encontro mundial que condenará a poluição, a queima dos combustíveis fósseis e proclamará a prioridade para os transportes coletivos.
Exibição patética
Nossa vocação para o pragmatismo e para o vale-tudo levou a Petrobras a anunciar na quinta-feira [14/6], nas preliminares da conferência, um surpreendente plano de negócios que aumenta investimentos na produção de derivados do petróleo – a chamada energia suja – e reduz a criação de fontes de energia renovável, limpa.
É evidente que a decisão foi estudada sob o ponto de vista de rentabilidade, mas foi catastrófica na ótica política e simbólica. Grandes eventos transcorrem justamente na esfera das subjetividades.
É possível que o stress imposto ao Rio e aos cariocas seja compensado pelas oportunidades que se oferecem à plateia mundial para refletir sobre os perigos do desvario consumista e individualista. Mas é impossível não reparar na patética exibição de inspiradas atrações cenográficas na beira – ou véspera – de catástrofes ambientais.