A Rio+20 nem começou e já parece entrar em clima de fim de festa. É o que se depreende da cobertura midiática dos últimos dias. A ênfase foi deslocada para os ausentes, pesos-pesados da economia mundial, que alegaram razões protocolares para não virem ao Rio de Janeiro nesse junho de 2012. E não virão os presidentes Hu Jintao, da China e Barack Obama, dos Estados Unidos, e os primeiros-ministros Angela Merkel, da Alemanha e David Cameron, do Reino Unido. Infelizmente, as “razões protocolares” tratam diretamente do sombrio cenário de desespero econômico que assola, de forma inédita, as maiores economias do planeta.
Os Estados Unidos, ainda às voltas com a quebradeira de bancos iniciada em 2008 com o Lehmann Brothers, desemprego em alta e a proximidade das eleições em novembro próximo; a Europa, com o naufrágio da economia de países como a Grécia, atraindo como que por força gravitacional a derrocada das economias da Espanha, Irlanda, Itália, Portugal. O nome apropriado para Europa bem poderia ser Eurocrise: não há solidariedade continental que resista à busca sem freios por lucros advindos com a falência dos parceiros.
A ausência dos dirigentes da China, Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido significa que 1,795 bilhão de seres humanos, ou cerca de 25,6% da espécie humana, não estarão representados por sua autoridade maior. Do ponto de vista econômico, a situação fica ainda mais complicada: segundo estimativas divulgadas pelo Fundo Monetário Internacional, o PIB mundial de 2011 foi de US$ 78.897 bilhões e o PIB reunindo os quatro países citados é da ordem de US$ 32.480 bilhões, ou seja, 41% de todo o produto interno do planeta.
Essas ausências em um mundo muito desigual, cindido entre ricos muito opulentos e pobres muito miseráveis, oferece uma visão aterradora sobre o que esperar do planeta quando o que está em pauta é nada menos que a sua preservação, a adoção de modelos de desenvolvimento sustentável e a manutenção de sua rica diversidade. Nesta hora crítica, marcada por abruptas alterações climáticas, aceleração da ocorrência de terremotos, tsunamis e furacões, podemos constatar o quão pífia é a nossa responsabilidade moral e social para com o planeta.
Passar batido
Os programas de erradicação da pobreza geralmente têm focado na criação de riqueza material. Embora essas mediadas tenham melhorado o padrão de vida em algumas partes do mundo, a desigualdade ainda permanece amplamente difundida. No seu relatório de 2005 sobre a situação social mundial, o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais do Secretariado das Nações Unidas destacou o crescente abismo entre economias formais e informais, a dilatação da lacuna entre trabalhadores qualificados e não qualificados e a intensificação da disparidade na saúde e educação, bem como em oportunidades de participação social, econômica e política.
Um fato bem documentado é que o foco no crescimento e geração de renda não se traduziu necessariamente em melhora social significativa, e o incremento da desigualdade tornou a comunidade global cada vez mais instável e insegura.
É legítimo esperar que Rio+20 forneça o ambiente propício para ampla discussão sobre a erradicação da pobreza considerando os fenômenos relacionados aos extremos de pobreza e riqueza. Enquanto o objetivo da erradicação da pobreza é amplamente endossado, e ideia de eliminação dos extremos de riqueza é, para muitos, desafiadora. Alguns temem que ela possa ser usada para minar a economia de mercado, abafar o espírito empreendedor ou impor medidas de nivelamento de renda. A Comunidade Bahpá’í Internacional, por exemplo, acentua em muito boa hora que “não é a isso que nos referimos; na verdade, a riqueza material é de importância crucial para a realização de metas individuais e coletivas; exatamente por isso, uma economia forte é um componente chave para uma ordem social vigorosa. Sugerimos que o reconhecimento da questão dos extremos de pobreza e riqueza se ocupa essencialmente da natureza dos relacionamentos que interligam indivíduos, comunidades e nações”.
É fato que, hoje, a maioria dos povos do mundo vive em sociedades que se caracterizam por relacionamentos de dominação – seja de uma nação sobre outra, de uma etnia por outra, de uma classe social por outra, de um grupo religioso por outro, ou de um sexo pelo outro. Nesse contexto, um discurso sobre eliminação dos extremos de pobreza e riqueza presume que as sociedades não podem florescer num ambiente que estimula o acesso injusto aos recursos, ao conhecimento, e a uma participação significativa na vida da sociedade.
No entanto, não importando a gravidade da situação em que o mundo se encontra, com desafios que aumentam ano a ano – pior, mês a mês –, esses temas não são localizados no radar midiático: tudo o que interessa parece, propositalmente, passar despercebido, batido. E este é o momento que ensejaria o maior número de difusão na imprensa de ideias relacionadas com a economia verde, o desenvolvimento sustentável e a responsabilidade solidária para com os recursos planetários.
História velha
De acordo com o Instituto de Estatística da Unesco, cerca de 800 milhões de adultos não sabem ler ou escrever; 2,5 bilhões de pessoas carecem de saneamento básico; e cerca da metade das crianças do mundo vivem na pobreza. No outro extremo, um punhado de indivíduos, aproximadamente 500 bilionários, controla 7% do produto interno bruto (PIB) do mundo.
Temos um sistema econômico que gera extrema desigualdade. Muitos acreditam que essa desigualdade, embora indesejável, seja necessária para a criação de riqueza. Se o processo de acumulação de riqueza se caracteriza pela opressão e dominação de outros, como poderíamos esperar que fossem mobilizados os recursos materiais, intelectuais e morais necessários para erradicar a pobreza?
A imprensa brasileira parece presa da síndrome do hamsterem sua roda-gigante: prefere o jogo infantil do claro/escuro – quem veio, quem não veio; qual o porcentual de temas consensuais no documento a ser assinado pelos chefes de Estado ao final da conferência; e um confuso noticiário sobre metas, valores e datas a serem assumidas pelos governantes ao fim da cúpula e que deverão continuar vicejando no limbo das boas intenções.
A imprensa internacional não despertou ainda do pesadelo em que vive – e que parece infindável – e suas preocupações são pontuais: socorre ou não socorre o sistema financeiro da Espanha; pugna por encontrar meio-termo para a França e a Alemanha lidar com a eurocrise; comemora a vitória conservadora nas eleições da Grécia; começa a se familiarizar com a ideia de que possam ressuscitar moedas nacionais como o dracma grego, a peseta espanhola, o escudo português, a lira italiana e, tudoisso, em detrimento da manutenção e do fortalecimento do euro. Ao mesmo tempo, a imprensa não deixa de alardear o índice de desemprego – com viés de alta – no velho continente, e a reassimilação de práticas xenófobas a punir milhões de imigrantes em suas cercanias.
É a velha história comprovando que a corda, quando estica muito, bate forte mesmo é no mais fraco.
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[Washington Araújo é jornalista e escritor; mantém o blog http://www.cidadaodomundo.org]