Duas palavras de origem grega andam juntas nos debates pré e pós Rio+20: crise e hipocrisia. O discurso ambientalista vem sofrendo reveses contínuos ao não levar em consideração que a problemática ambiental é parte de um conjunto muito maior da crise global que abrange o sistema de representação política e o sistema de financiamento da economia pelo mercado financeiro. Isso no momento em que a sociedade sofre a mais radical e dramática mudança da sua plataforma de informação, comunicação e articulação, com profundos e ainda não mensuráveis impactos em todos os processos de relação social. É este peculiar contexto que determinou a presença de participantes na Rio+20, bem como a natureza e a perspectiva futura das decisões. Em grego, a palavra crise evoca decisão, julgamento. A crise é uma decisão entre duas escolhas possíveis e implica ação. Mas, como ensina o filósofo Hegel, quem exagera no argumento prejudica a causa. Quanto mais quem erra e exagera.
Ao fazer dos agricultores brasileiros seu alvo principal, tentando mobilizar a opinião pública nacional e internacional contra o agronegócio brasileiro no debate do Código Florestal, ONGs internacionais como o Greenpeace, WWF e seus aliados locais erraram de alvo e de crise. Eles atacaram o setor que mais apresentou ganhos de sustentabilidade no País, ao contrário do que ocorre no setor industrial urbano. O Brasil apresentou na Rio+20 uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta, com 47% de energia renovável – contra uma média mundial de 13% e de 6% para os países desenvolvidos -, e deve grande parte desse sucesso à agricultura.
Cana-de-açúcar, florestas energéticas, óleos vegetais no biodiesel e reciclagem de resíduos garantem hoje mais de 30% da energia do Brasil. Junto com os 14% das hidrelétricas e cerca de 3% de outras fontes limpas (como a eólica), a parte renovável chega, assim, a quase metade da matriz energética. E o agro brasileiro consegue esse desempenho consumindo apenas 4,5% de energia fóssil. A economia verde ou de baixo carbono pode ser avaliada pelo quociente entre o total de CO2 emitido e o Produto Interno Bruto (PIB) das economias nacionais. Os campeões de emissões de CO2 para gerar riquezas, os menos eficientes, são Coreia do Sul (1,45), África do Sul (1,38), Cuba (1,34) e Ucrânia (1,2). O Brasil, com um quociente de 0,24, é mais eficiente do que uma centena de países: ocupa a posição de 104.º.
Tensão e dúvida
Como destacou a presidente Dilma em seu discurso de abertura da Rio+20, nossa produção agrícola cresceu 180% com um aumento de apena 30% da área cultivada. Se a produção atual de grãos fosse com os índices de produtividade de 1975, teria sido necessário desmatar quase 60 milhões de hectares adicionais. A inovação tecnológica faz a produção crescer verticalmente, em produtividade, e não em área. O Brasil tem uma das maiores áreas protegidas (unidade de conservação e terras indígenas) do mundo: 30% de seu território, contra uma média de 10% dos maiores países. Reduziu de forma espetacular o desmatamento da Amazônia e é um dos países que mais detêm florestas em seu território. E exige, como ninguém no mundo, que seus agricultores assumam e paguem pela preservação da vegetação nativa em 20% a 80% de suas propriedades, dependendo do bioma. Se o Brasil é hoje uma reconhecida potência ambiental, deve-o também ao seu negócio agrícola, que, apesar de todas as suas conquistas, não soube se comunicar e se articular com a sociedade.
O foco dos quase 200 representantes diplomáticos que prepararam o documento final dos chefes de Estado foram o desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza. O processo de discussão da Rio+20 se inseriu num colar de eventos realizados em locais charmosos: Cancún, Copenhague, Durban, Rio de Janeiro. As divergências eram maiores do que as convergências. Após meses de preparação, a três dias do evento no Rio de Janeiro não havia consenso entre os países sobre mais de 60% do texto proposto. Ao assumir a coordenação, a diplomacia brasileira conseguiu um feito inédito: obteve o acordo de 100% dos representantes e fechou o texto antes da chegada dos chefes de Estado. Alguns ambientalistas, políticos e instituições multilaterais consideraram o texto pouco ambicioso, não levando em consideração o momento de tensão e dúvida em todos os sentidos que vivemos. No campo ambiental, muitos se colocam na posição de quem planeja o que não executa e avalia o que não fez, propondo muita caridade com o chapéu alheio.
Crise duradoura
No que pese o Climagate, o descrédito do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), a intervenção da ONU mudando sua governança desse painel e uma série de novos resultados recomendando prudência no alarmismo do aquecimento global, um fórum climático brasileiro anunciou, alegremente, durante a Rio+20, que a temperatura na Amazônia vai subir 6 graus até o final deste século. Isso é quase um grau por década. Não são dados. São estimativas de modelos, baseados em hipóteses inverificáveis, apresentadas como certeza religiosa e alerta profético. Muito mais concretas e objetivas foram, por exemplo, as prefeituras do grupo C 40 (Climate Leadership Group), ao anunciar metas reais e não tão ambiciosas de redução de gases de efeito estufa para as 59 cidades que fazem parte da iniciativa no mundo.
O contexto mundial é de uma crise duradoura. Etimologicamente, o hipócrita é quem não entende o alcance da crise e não age corretamente. Fica “abaixo” da crise. É um hipo-crise, por mais que grite e esperneie. Seus oráculos, profecias e críticas perdem o vínculo com a realidade, com as ações possíveis e necessárias, gerando ainda mais frustração entre os jovens e não contribuindo em nada para encontrarmos caminhos de solução para a crise global.
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[Rodrigo Lara Mesquita é jornalista; twitter: @rmesquita]