Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A Rio+20 não é um fracasso

É no mínimo precipitada a avaliação corrente desde a quarta-feira (20/6) entre ambientalistas e órgãos de imprensa de que a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – a Rio+20 – “fracassou”. A base para essa sentença é o texto a ser ratificado pelos representantes dos 193 países presentes ao evento.

Se a métrica for o documento final, os resultados da Eco-92 também foram pífios. Resoluções de fóruns tão diversificados em sua composição tendem a ser genéricas. Some-se a isso o fato de utilizarem o método de aprovação por consenso, o que retira diferenças e visões mais incisivas de qualquer instrumento aprovado.

No entanto, a Rio+20 é muito mais do que suas resoluções. São seis mil eventos com a participação de quase cem mil pessoas de várias partes do mundo em iniciativas das mais diversificadas. A conferência comporta fóruns governamentais, parlamentares, empresariais, de movimentos sociais e de entidades privadas, como ONGs. Raros eventos de escala planetária comportam tamanha pluralidade de agentes em seu interior.

Compromisso bloqueado

Mesmo a última versão do documento final, intitulado “O futuro que queremos”, a ser aprovado pelos chefes de Estado, não pode ser avaliado secamente como “avanço” ou “retrocesso”. Ele apresenta uma característica extremamente avançada: é totalizante no método. Ou seja, difere-se em muito de reivindicações estanques, fragmentadas e setoriais que setores do movimento ambientalista apresentam (não todos, é bom frisar), de limitada serventia para a construção de políticas globais. O documento da Rio+20, ao contrário, busca relacionar e contextualizar a questão ambiental aos temas das desigualdades sociais e das diferenças econômicas entre países.

Os problemas do texto são de outra ordem. Ele é longo – 49 páginas – abrangente e genérico. Aponta diversos problemas estruturais no modelo de desenvolvimento predatório existente, mas sem definir responsáveis ou ações claras para suas soluções. Há poucas decisões ali, a não ser vagas declarações de preocupações com o futuro do planeta. Ao longo de seus 283 parágrafos, a expressão “nós decidimos” aparece apenas cinco vezes, e “nós resolvemos” é proferida 16 vezes. Em compensação, expressões como “reconhecemos que” (149 vezes), “Reafirmamos” (56), “Sabemos que” (33) e “Enfatizamos que” (30) estão por toda parte.

Existem razões para isso. Os Estados Unidos e alguns países da União Europeia admitiram a menção de problemas, mas bloquearam seu comprometimento com ações concretas para sua superação. O Vaticano pressionou para que se retirasse uma defesa mais explícita aos direitos das mulheres sobre a sexualidade.

Direito a um vida adequada

Se alguém se der ao trabalho de substituir cada uma daquelas expressões por outras mais claras, como “deliberamos” ou “aprovamos”, o arrazoado muda substancialmente de tom. Não são essas as únicas insuficiências do documento, mas são as principais.

As linhas iniciais do texto destacam que “erradicar a pobreza é o grande desafio global colocado para o mundo atual e um pressuposto indispensável para o desenvolvimento sustentável. Para isso, teremos de libertar a humanidade da pobreza e da fome com urgência”. Mais adiante, é dito que o desenvolvimento sustentável se dará através da integração dos aspectos econômicos, sociais e ambientais, “reconhecendo seus vínculos intrínsecos”. Ao longo de todas as páginas fica claro que desenvolvimento não é o mesmo que crescimento econômico, e que a redução das desigualdades sociais é matriz essencial para o chamado desenvolvimento sustentável.

“O futuro que queremos” advoga “a mudança de padrões insustentáveis de produção e consumo”. E aponta como alternativa a “promoção da gestão sustentável e integrada dos recursos naturais”, para que se criem maiores oportunidades para todos, reduzindo as desigualdades. Adiante é reafirmada a importância da liberdade, da paz e da segurança, além do respeito aos direitos humanos e o direito a um adequado padrão de vida, incluindo o direito alimentar, o império da lei, a igualdade de gênero, dentre outros. Além disso, relaciona a questão ambiental a tópicos como transportes, mortalidade infantil, erradicação de doenças endêmicas (Aids, tuberculose, malária e outras), trabalho precário, defesa de populações originárias etc.

“Fórum político intergovernamental”

O texto reconhece a necessidade de se “acelerar o progresso para que se reduza a distância entre os ritmos de desenvolvimento entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento”. Para isso, é necessário “aumentar a cooperação internacional” que logre combinar crescimento econômico, desenvolvimento social e preservação ambiental.

As indefinições do documento não podem ser consideradas negativas apenas pelo lado daqueles que pregam – com razão – decorrências mais concretas para a defesa do meio ambiente. Quando fala em “economia verde”, o documento final não explica o que significa o conceito. Isso faz com que sua enfática defesa ao longo de treze parágrafos dependa de detalhes mais explícitos sobre o que se pretende.

Mesmo dentro do sistema ONU, o texto apresenta características positivas. Em uma das raras decisões arroladas está a de se criar “um fórum político intergovernamental” para a discussão do desenvolvimento sustentável. É muito menos do que a pretendida elevação do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) à condição de agência permanente, mas o texto deixa clara a existência de uma forte tensão nesse sentido entre os países signatários. Ao mesmo tempo, apesar de mencionar a necessidade de se “considerar a necessidade” de se criarem fundos, agências e outras entidades no sistema ONU voltadas para o meio ambiente, o documento joga para a frente deliberações nesse sentido.

A realidade objetiva

Há poucas metas concretas para que se alcance o desenvolvimento sustentável. Muitas dessas decisões foram proteladas para depois de 2015. As críticas ao documento parecem não levar em conta a hierarquia entre países existente no mundo. Apesar da emergência de novos polos de luta política e social nos últimos quinze anos – em especial na América Latina – a hegemonia estadunidense segue determinante no jogo pesado das relações internacionais.

Não se trata apenas da “vontade política” deste ou daquele governante, mas de se ter condições de enfrentamento com uma potência imperial e com o poder militar-financeiro e midiático das grandes corporações globais. “O futuro que queremos” não pode ser julgado apenas pela métrica dos desejos de quem quer estabelecer limites à devastação ambiental que se combinem com o desenvolvimento dos países. Deve-se levar em conta a realidade objetiva da cena mundial.

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[Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez (Editora Fundação Perseu Abramo)]