O Brasil carrega em seu DNA institucional várias pequenas heranças de origem fascista. Elas incluem a força despropositada das corporações profissionais, a estrutura sindical baseada em contratos coletivos de trabalho e contribuições compulsórias.
Nenhuma, porém, se iguala ao programa radiofônico A Voz do Brasil, que todas as emissoras do país estão obrigadas a transmitir, de segunda a sexta-feira, sempre às 19h, ritual decrépito que se repete com poucas interrupções desde 22 de julho de 1935.
A iniciativa se inspira em ideologia das mais totalitárias. O indivíduo não existiria fora do Estado, única instituição capaz de oferecer-lhe os valores de que necessita. O núcleo do poder político se encarregaria de produzir diariamente noticiário de uma hora, com difusão obrigatória. O cidadão até poderia desligar o rádio, mas, se quisesse ouvir algo, não poderia fugir do oficialismo edificante.
A cartilha fascista se reproduz até na divisão do programa, que é meticulosamente repartido entre os Poderes da República: o Executivo tem 25 minutos; o Judiciário, cinco; senadores dispõem de dez minutos; deputados federais contam com 20.
Num detalhe que resume a essência do corporativismo mussoliniano -o Estado pode resolver todos os conflitos integrando diferentes grupos num modelo colaborativo-, às quartas-feiras o Tribunal de Contas da União ganha o seu minuto, cedido às vezes pelo Executivo, às vezes pela Câmara.
É incrível que um arcaísmo dessa magnitude sobreviva em pleno século 21. Além de negar a liberdade de escolha a milhões de cidadãos brasileiros, A Voz do Brasil presta um desserviço público, ao monopolizar as ondas de rádio no exato momento em que elas são uma valiosa fonte de informações para o cidadão -por exemplo, sobre o trânsito que assola tantas cidades do país.
É, portanto, uma boa notícia a de que a Câmara deverá colocar em votação um projeto de lei que flexibiliza os horários de exibição de A Voz do Brasil. Melhor ainda seria se o Congresso acabasse de vez com a obrigatoriedade e, por que não, com o próprio programa, que custa caro aos cofres públicos.
Mas isso talvez seja pedir demais dos parlamentares, que se contam entre as pouquíssimas pessoas beneficiadas por esse resquício dos tempos de Getúlio Vargas.