A Rio+20 não aconteceu. O que houve foi um encontro de 190 governantes, ou seus representantes, para decidir que nada seria decidido; ou que tudo seria decidido no futuro, o que dá no mesmo. Depois de anos de debate, ao final do passeio no Rio de Janeiro o grupo de governantes apresentou um relatório que não diz nada, não serve para nada. Em resumo, produziram um documento medíocre.
De certa forma, a imprensa fez a devida pergunta à presidente Dilma Rousseff, anfitriã do encontro: “Por que um documento medíocre?”. E ela respondeu: “Era o texto possível”. Será que o “texto possível” eram essas 59 páginas que tentam driblar a história e legitimar a vergonhosa irresponsabilidade dos atuais governantes diante do que acontece ao planeta? E o que dizer do governo brasileiro, que apresentou e defende esse texto como se fosse algo grandioso? Que seja medíocre, já não é bom, agora defendê-lo em sua mediocridade é querer fazer da estultice uma virtude.
É preciso reconhecer que a imprensa, muito rapidamente, apontou a má qualidade desse texto. Na verdade, bem antes do evento a imprensa repercutiu a fala de estudiosos e ambientalistas, que profetizaram o fiasco do evento. Bem informados, esses especialistas alertaram o governo e o mundo para a possível nulidade do evento. E foi o que aconteceu.
A posição dos governantes reflete uma certa esquizofrenia da política diante das questões mais urgentes. A equipe do governo Dilma colocou no documento aprovado na Rio+20 que as soluções ficaram para o futuro – como se existisse futuro. Essa política medíocre (que adia decisões para não ferir interesses econômicos) rasgou todos os estudos que falam em mudanças climáticas. O principal estudo foi produzido pelo IPCC (sigla em inglês de Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas), um grupo criado pela própria ONU, onde se conclui que “a temperatura está aumentando, os eventos climáticos estão aumentando, as catástrofes serão maiores, é preciso fazer alguma coisa. E logo!”
E o que fazem os governantes? Produzem um documento onde não assumem nada. Mais parece que vivem em outro planeta. Devem ter ficado constrangidos com os prefeitos das 50 maiores cidades do planeta, que aproveitaram a Rio+20 para assumir compromissos reais e objetivos.
Razões políticas
Os governantes poderiam, pelo menos, ter avançado em questões que faziam parte do eixo de discussão da Rio+20, como a erradicação da pobreza, mas nem isso conseguiram. A proposta de criação de um fundo de US$ 30 bilhões para as nações mais pobres (algo que os Estados Unidos gastam a cada 15 dias na guerra do Afeganistão) virou pó. E ninguém reclamou. O Brasil (Dilma, sua equipe, a ministra Isabella Teixeira) se envaidece por ter aprovado o “texto possível”, mas esse texto é o dos países ricos, os principais causadores da tragédia planetária.
Na verdade, essa história de “texto possível” reflete uma batalha constante da sociedade contra os devastadores ambientais. Há pouco o Congresso Nacional aprovou um “texto possível” para o Código florestal, que, não por acaso, era o texto que queriam os ruralistas. Depois a presidente Dilma vetou alguns artigos e encaminhou Medida Provisória (MP 571/12) com alterações na lei, mas elas não desagradaram os ruralistas. Sim, eles festejam, mas querem mais. E vão conseguir – afinal, conhecem Dilma Rousseff, sabem que ela – como os ruralistas – é da turma dos “desenvolvimentistas”; o governo Dilma não admite que o meio ambiente atrapalhe a economia.
A propósito, quando foi criada na Câmara dos Deputados comissão para discutir Código Florestal, o governo e o PT acharam por bem se omitir para não incomodar a bancada ruralista; aceitaram a indicação do deputado Aldo Rebelo, um comunista-transgênico, para relator, e ficaram quietinhos. Os dois – PT e governo – só se manifestaram ao final dos debates, no fim de 2012, quando Rebelo já tinha apresentado seu relatório-ruralista e a vaca já tinha ido pro brejo.
Foi o barulho da imprensa, dos ambientalistas, dos cientistas (SBPC/ABC), do PV e PSol, entre outros teimosos, que fez o Governo acordar para a tragédia anunciada. E deu no que deu. O Brasil, o mundo perdeu, embora a imprensa, em uníssono se plagiou para dizer que quem tinha perdido foi Dilma. Não, Dilma negociou, e ganhou com o “texto possível”. Quem perdeu foi o planeta.
No caso da Rio+20, a postura política não foi muito diferente. O governo quis agradar aos países do G-7, os poderosos, e bancou uma proposta medíocre, que não compromete ninguém com nada.
O retrocesso foi tão grande que até sobrou para as mulheres. O Vaticano, isto é, a igreja católica, que estava ali como observadora legitimada pela ONU (claro, a igreja sempre está no poder), conseguiu eliminar do documento a referência ao direito reprodutivo das mulheres. O documento da Rio+20 diz que as mulheres não têm direito sobre seu corpo! Como a igreja conseguiu isso? Como a instituição que “castra” seus sacerdotes, impedindo que eles tenham contato afetivo e físico com mulheres, satanizando o feminino na história da civilização, ainda consegue, em pleno século 21, firmar em documento uma redação obscurantista? Por causa do seu poder político; o mesmo que a faz ser amada pela esquerda e pela direita, por homens e mulheres, que por razões políticas nessa hora não observam sua doutrina, sua história, seus interesses. E por razões políticas, Dilma Rousseff e os demais governantes acatam uma proposta tão arcaica, machista e anti-humana.
Oportunidade perdida
O pragmatismo econômico do governo brasileiro não lhe permite ver que o planeta tem limites, que é preciso parar de investir no consumo como saída para economia. E quem diz isso – entre outros – não é um maluco ambientalista, ou um socialista fugido da antiga União Soviética, mas André Lara Resende, economista, professor da PUC-Rio, um dos criadores do Plano Real. Como ele, vários estudiosos anunciaram que, ou essa economia muda de linha, ou o planeta se acaba. O governo brasileiro ainda não viu algo que até as minhocas da China já sabem.
Em resumo, a presidente Dilma Rousseff perdeu uma grande chance na história. Ela teve a oportunidade de estabelecer um novo marco para o planeta. Mas optou pela política do machismo, do patriarcado, do capitalismo que devasta, aniquila com a vida. Em seu pragmatismo, Dilma não percebeu que talvez não tenhamos a Rio+40, porque o Rio de Janeiro pode estar debaixo do mar (como já acontece com algumas ilhas do Pacífico), ou porque o planeta se tornou inviável. Lamentavelmente ela será lembrada no futuro por esta omissão. E isto se dá no momento em que tinha ao seu lado a grande maioria da população mundial. Era a grande oportunidade para ela firmar seu nome na história do mundo. Mas foi medrosa, optando pelo conforto de ficar ao lado dos poderosos.
***
[Dioclécio Luz é jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília, autor de A arte de pensar e fazer rádios comunitárias e de Ladrões de natureza – reflexões sobre a biotecnologia e o futuro do planeta, este em parceria com Sebastião Pinheiro]