Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Da informação na internet ao conhecimento na escola

Joãozinho, menino morador de uma área carente na periferia de uma grande cidade do Brasil, nunca teve muito interesse pela escola – não recebia grande incentivo em casa e seus professores eram, em geral, pouco motivados. No entanto, a introdução de laptops com acesso à internet banda larga em sala de aula e a capacitação dos docentes para o uso da tecnologia despertaram a curiosidade do garoto. Melhorou seu desempenho escolar e, com autorização para levar o equipamento para casa, transformou-se em um agente de inclusão digital na família e na comunidade.

Histórias semelhantes a essa poderiam – e deveriam – acontecer nas escolas públicas de todo o país. No entanto, na prática, a discussão sobre as políticas que visam à introdução da tecnologia na sala de aula é bem mais complicada do que parece. Questões como o acesso à internet de qualidade, os usos dados pelas escolas às máquinas, a regulamentação da rede no Brasil e a própria valorização dos professores são centrais para o debate de qualquer política pública de inclusão digital a partir da escola.

A engenheira Roseli de Deus Lopes, da Universidade de São Paulo, abordou a questão com um exercício de retórica: “É possível massificar a tecnologia?” A indagação, feita durante mesa-redonda sobre o tema na 64ª Reunião Anual da SBPC, remete à necessidade de criar um ambiente propício à introdução da tecnologia. “Apenas entregar os equipamentos na escola é o mesmo que instalar um aparelho moderno num hospital sem que ninguém saiba operá-lo”, comparou.

“Estimular e valorizar a participação”

Lopes foi coordenadora da fase inicial e da assessoria técnica e pedagógica do projeto Um computador por aluno(UCA), uma das maiores iniciativas brasileiras para a inclusão digital a partir da escola. Ao longo dos últimos cinco anos, o projeto já chegou a cerca de 300 instituições de ensino brasileiras, com um total de 150 mil equipamentos distribuídos, e tem deixado claros alguns dos problemas políticos, ideológicos, burocráticos e econômicos envolvidos na questão.

Lopes defendeu que o primeiro passo para a inclusão digital não deve ser propriamente tecnológico: trata-se de recuperar a motivação do professor e o valor da escola. Segundo ela, existe uma realidade de desmotivação dos docentes, muito relacionada à concepção de que eles pouco podem modificar a vida dos alunos. “Em algumas escolas, observamos que o interesse despertado nos alunos pela introdução dessas tecnologias conseguiu renovar o estímulo dos próprios professores”, avaliou. “Se há alguém que pode fazer a diferença para uma criança, em especial aquelas que não têm uma base familiar sólida, é o professor.”

Mas a entrada da tecnologia na sala de aula não é simples. Muitos professores nunca sequer usaram um computador, por isso, é preciso investir em capacitação. “Os docentes precisam ter base para conduzir as aulas e orientar os alunos, além de poder utilizar a rede para aprimorar sua formação, com leitura, cursos e parcerias”, defendeu a engenheira. “Entre os estudantes, a experiência nas escolas mostrou que é fundamental envolvê-los no projeto, com o estabelecimento de monitores, por exemplo, para estimular e valorizar sua participação.”

“Produzir equipamentos com as especificações que precisamos”

A ideia de utilizar um computador por aluno também abre a possibilidade de levar a inclusão para casa. “Não se trata apenas de levar a tecnologia para seus lares, mas de transformar o jovem em um potencial mobilizador de sua família e comunidade”, defendeu Lopes. “Acredito na inclusão social por meio da eliminação da exclusão digital.” Voltando ao exemplo hipotético da abertura desse texto, ele não é tão fantasioso assim, como revela a emoção de um paiao ser apresentado ao computador pelo filho, participante do UCA.

Todas essas possibilidades, no entanto, esbarram nos mais variados tipos de dificuldades. “O UCA está preso na camisa de força do serviço público”, avaliou o educador Paulo Cysneiros, professor da Universidade Federal de Pernambuco e membro do comitê pedagógico do projeto. “Por conta das exigências das regras de licitação, os computadores levados às escolas não têm a qualidade que deveriam: seu sistema operacional é lento e cheio de defeitos, a bateria tem pouca duração, as telas são de baixa resolução e há uma grande deficiência na manutenção e na assistência técnica.”

Para Lopes, essa situação aponta para a necessidade de desenvolver tecnologia nacional. “Seria uma solução para baratear os custos e adequar os produtos às nossas necessidades”, defendeu. “Além disso, acredito que, com o poder de compra do Ministério da Educação, seria possível estimular as empresas a produzir equipamentos com as especificações que precisamos – mas é preciso definir essas características por meio da elaboração de uma política nacional.”

“É fundamental ter acesso à informação”

A capacidade de se adaptar às diferentes realidades brasileiras é um desafio para qualquer estratégia nacional de inclusão digital. “A realidade das escolas é muito diferente de uma região do país para a outra”, argumentou Cysneiros. “São realidades sociais diversas e escolas com enormes diferenças, com problemas que vão desde a falta de infraestrutura adequada, com salas muito úmidas ou quentes, até as possibilidades muito diferentes de acesso à própria internet.”

Aliás, o acesso de qualidade à rede, que deveria ser um item básico para se falar em inclusão digital, ainda é extremamente limitado em muitas regiões. “É preciso levar a internet a todo o país e investir em um acesso realmente de banda larga, bem diferente do que existe hoje”, afirmou o mediador da mesa-redonda, educador Nelson Pretto, da Universidade Federal da Bahia.

A polêmica sobre a regulação da internet no Brasil também está associada ao debate sobre a adoção dos computadores nas escolas. Pretto é um defensor da aprovação do Marco Civil da Internet, proposta que visa assegurar direitos e deveres aos usuários da rede no Brasil. “Se não pudermos ter acesso à diversidade de conteúdo que a internet oferece, com liberdade para baixar e subir arquivos, teremos um grande empobrecimento da rede, inclusive como promovedora do ensino”, avaliou.

Em escala menor, as leis que pretendem restringir as potenciais utilizações da redefuncionam como a política de limitar o acesso a determinados sites, comum em muitas escolas. “Se não posso entrar no YouTube, por exemplo, a possibilidade de aprofundamento dos temas proporcionada pela internet deixa de existir”, ressaltou. “É fundamental ter acesso à informação, e o local mais propício para aprender a transformar isso em conhecimento é a escola.”

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[Marcelo Garcia, do Ciência Hoje On-line]