Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Podemos classificar sistemas de votação?

Em 25 de junho, o portal Terra publicou um artigo sobre o sistema de votação em uso no Brasil, com o título “Urna é a mais defasada, diz professor que violou sistema do TSE”. A matéria, que cita o professor Diego Aranha, da UnB, começa lembrando que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, em outubro de 2011, por medida cautelar, a vigência do artigo 5º da Lei 12.034/09, que reintroduz o voto impresso a partir das eleições de 2014. De acordo com essa lei, a urna deveria imprimir um número único de identificação do voto, associado à assinatura digital desta, na cédula contendo o voto impresso que seria depositada automaticamente em receptáculo lacrado da urna, sem contato manual do eleitor. Os ministros do STF se disseram convencidos de que tal dispositivo comprometeria o sigilo do voto previsto na Constituição.

Em que poderiam ter eles se baseado para firmar tal convencimento? Se foi em argumentos técnicos trazidos pela autora da ação, certamente que em argumentos equivocados, como explico no artigo “Para onde foi o (sigilo do) voto?”, neste Observatório, e em Audiência Pública na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara. No artigo, avalio como os resultados da segunda edição dos Testes de Segurança da Urna, realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em março de 2012, mostram por que é o modelo atual do sistema de votação que compromete o sigilo do voto (com o RDV), reiterando as conclusões do professor Diego, e não a medida fiscalizatória do artigo 5º da lei 12.034/09, a qual, pelo contrário, pode mitigar esse risco (pois pode substituir o RDV). E na audiência, explico como a tal medida fiscalizatória foi mal interpretada pela autora da ação que pugnou por sua inconstitucionalidade, induzindo o equívoco.

Cabe indagar, então, como é que todos os ministros se equivocaram. Afastemos o que disse Nelson Rodrigues sobre unanimidade, já que deve haver uma explicação mais racional para o caso. O Brasil é hoje o único Estado que se pretende democrático de direito mas que concentra sobre o fluxo vital da democracia, isto é, sobre o processo eleitoral, a tripartição de poderes numa única entidade. Trata-se de recaída num velho vício de forma da República Velha: o poder de normatizar, o de executar e o de julgar o processo eleitoral concentrados em quem controla o uso de tecnologias nesse processo, o qual passou, entre duas ditaduras, do bico de pena na mão do Legislativo d'antanho, para o bico de laser na mão do Judiciário de agora. O chefe e quase metade dos juízes da entidade controladora, que agora é o TSE, são ministros do STF, os quais lá fazem rodízio.

Assim, parece fácil convencer tais ministros de argumentos supostamente técnicos que concorram para manter e ampliar essa concentração neles próprios. Escassez de acurácia, de consistência ou de verificabilidade nesses argumentos não parece obstáculo ao convencimento, a exemplo do que transpareceu naquela decisão cautelar. Ou, a exemplo do que a matéria do portal Terra ademais suscita. Questionado sobre as declarações do professor Diego, que inicia classificando a urna do TSE como “a mais defasada do mundo” – por resistir ao movimento tecnológico global rumo à rematerialização do voto –, o TSE oferece argumentos que analisaremos pelo prisma da retórica e da lógica. Para começo: expressar um argumento em tecniquês não basta para torná-lo técnico; enquanto, doutra feita, existem argumentos técnicos que podem ser expressos em termos simples.

Cidadania frouxa

Porém, para entender, há que se querer. Por que o professor Diego classifica, simplesmente, a urna do TSE como a mais defasada do mundo? Talvez porque ele quis entender as conclusões da análise dos testes de segurança da urna (dos quais participara) publicada no Observatório da Imprensa após a divulgação dos resultados “oficiais” pelo TSE, e as tenha aceitado. Porque, com a Índia abandonando urna de modelo similar, depois de especialistas provarem que o sistema estava sujeito a fraudes por atacado, o Brasil ficou sendo o único país a ainda insistir em equipamento de primeira geração. Decisão que o professor Diego lamenta, por ser “fomentada com argumentos de autoridade, sem nenhuma acurácia técnica”. E como responde a isso a Justiça Eleitoral? A resposta, do TSE, começa, quem diria, com um argumento de autoridade:

“As medidas atuais são simples e suficientes para a garantia da confiabilidade pelas partes interessadas.”

E parte dessa sentença, autoritária, para compor a oração da resposta com capciosos simplismos em tecniquês.

“Ou seja, a verificação da integridade da totalização das eleições é feita pelos fiscais de partido, que podem comparar as cópias impressas dos Boletins de Urna [BU] de cada seção eleitoral com o resultado recebido, totalizado e publicado pela Justiça Eleitoral. Assim, a simples comparação do resultado recebido pelo fiscal e o processado na Justiça Eleitoral é suficiente para qualquer interessado criar sua própria totalização e verificar individualmente o resultado de cada urna eletrônica”.

Um sujeito, que na penúltima frase acima é plural, na frase seguinte passa a singular na oração subordinada, e na oração principal já muda, enquanto insinuam ter a mesma mente: um interessado em verificar a totalização, ele teria que ser fiscal, e fiscal em todas as seções eleitorais. Ou, traduzindo para algo lógico: 1) um interessado em verificar teria que ter fiscais da sua confiança em todas as seções, coletando no momento certo BU impresso por cada urna, ao encerrar a votação. E, para que isto lhe seja útil caso depois surja indício de fato impugnável, 2) com todos os fiscais coletando, no documento do BU impresso,autenticação por um operador da urna que seja da confiança de quem possa julgar tempestivamente a impugnação. Antes de analisar as condições para eficácia dessas medidas (1 e 2), porém, cabe ainda destacar o mais perigoso desses simplismos.

O que significa “verificar o resultado da urna eletrônica” do TSE? Não se trata de apenas saber se ambas as versões de BU emitidas por ela (a impressa para o fiscal, e a eletrônica para o totalizador) contêm dados idênticos. Não é só saber se o que sai dela pela impressora é o mesmo que sai pelo pendrive,como insinua o sentido imediato daquela oração. Verificar o resultado dessa urna é bem mais que isso: é, principalmente, saber se os dados do BU são consistentes e verazes. Ou seja, se os totais de votos por candidato no BU correspondem exatamente à correta tabulação e soma daquilo que foi sufragado pelos votantes na respectiva seção. E para este fim, nada do que o TSE oferece, no sistema ou na resposta acima, tem efeito real. Apenas possíveis efeitos teatrais, à guisa de lastro para a sentença autoritária, na oração acima ligadas pelo explicitativo “ou seja.”

Gostemos ou não, a Justiça Eleitoral é a entidade que resulta dum esforço – inspirado na Coluna Prestes e culminado na Revolução de 1930 – que visava a corrigir certos vícios da democracia instaurada por militares e aristocratas ao derrubarem o único império latino-americano que por inércia luso-colonial existiu. Gostemos ou não, por um terço de seu percurso esse esforço sofreu reveses (entre 1938 e 1945, e entre 1964 e 1988) que indicam sérias dificuldades para se superar tais vícios. A postura desta entidade, ao tomar as rédeas (já em 1987) de uma informatização pretensamente inevitável do processo eleitoral, se revela em sua retórica – como na resposta acima, que valida o lamento do professor Diego. Postura passivamente acolhida pela consciência política de uma cidadania frouxa, numa cultura de ranço colonial, que ainda anseia pela voz da lei num discurso imperial.

Senha compartilhada

E como em política não existe vácuo, a entidade que normatiza, executa e julga sua própria execução do processo eleitoral assim declara: a garantia de confiabilidade em resultados assim obtidos é “suficiente” para qualquer interessado. Mas, afora os simplismos, com que base? Se quisermos entender o que temos por resposta, precisamos começar analisando a viabilidade para eficácia das medidas atuais, citadas acima, e outras declarações citadas na mesma matéria.

Sobre a alegada simplicidade e suficiência dessas medidas: poderia um interessado, por exemplo um partido político, ter fiscais da sua confiança coletando BU impresso no tempo certo em cada seção eleitoral a fiscalizar? A Resolução TSE 22.154, publicada no Diário Oficial da União em maio de 2006, mas não mais vista no site do TSE (depois revisada pela TSE 22.332, em agosto), continha o seguinte a respeito:

“Art. 42. Compete, ainda, ao presidente da mesa receptora de votos e a quem o substituir:

I – encerrar a votação e emitir as cinco vias do boletim de urna e a via do boletim de justificativa;

II – emitir, mediante solicitação, até cinco vias extras do boletim de urna para o representante do Ministério Público e representantes da imprensa; (…)

V – afixar uma cópia do boletim de urna em local visível da seção e entregar outra, assinada, ao representante do comitê interpartidário;”

Como lembrei em entrevista para o curso de Jornalismo da UniCeub (DF), em 2006, este inciso V substituía dispositivo anterior que obrigava o mesário a entregar boletim de urna impresso e assinado a qualquer fiscal de partido que requisitasse, cumprindo sua parte para simples viabilidade das medidas 1) e 2). Mas o dispositivo substituído, que na resposta ao portal Terra é insinuado como direito e regra pacíficos, só havia vigido para a eleição de 2004, e só depois de muita reclamação em eleições anteriores, nas quais o regulamento não obrigava mesário a entregar BU impresso e assinado aos fiscais de partido, e muitos se recusavam a isso. Em alguns estados, o Tribunal Regional Eleitoral (TER) instruía os mesários, mas apenas verbalmente (exceto em São Paulo, onde o foram por ofício), a justificar, se questionados, a recusa do BU impresso para fiscal de partido em termos de necessidade de se economizar papel.

Com tal Resolução o regulamento retrocedeu, mas finalmente dando lastro geral à tal justificativa: dos potenciais interessados em BU autenticado, só o tal representante do comitê interpartidário teria direito ao documento assinado pelo mesário. Então, para análise da eficácia das medidas, cabe indagar: poderia um partido indicar fiscais como representante em todas as seções? Os demais partidos concordariam? O que vem a ser esse comitê, e como são escolhidos seus representantes? Na melhor das hipóteses, em que o comitê teria caráter democrático, ou onde o medo de faltar papel é imperial, o partido pode colher prova do resultado das urnas apenas numa fração das seções eleitorais. Singular, plural. Ou, semiplural? De qualquer forma, um lastro, digamos, mais higiênico. Imagine a justificativa dos TREs, que bem caberia para campanhas, aplicada nos banheiros.

Para prosseguir na análise, deve-se conhecer detalhes do processo de totalização para melhor entender certos efeitos práticos dessa economia, da recusa em se entregar BUsautenticados na seção eleitoral. A possibilidade da totalização excluir BUs recebidos da sessão eleitoral via disquete ou pendrive, totalizando e publicando outro digitado em seu lugar, é um recurso previsto no processo, por meio do uso de senha do juiz eleitoral. Senha que, na prática, é compartilhável com o secretário de informática ou administrador da base de dados que processa a totalização no TRE ou TSE. O motivo deste recurso, que permite a troca de BUs na totalização, é poder cuidar de casos de seções que foram a votação manual ou mista. A mista é quando os primeiros votos são coletados eletronicamente e os dos demais votantes, em papel, devido a problemas incontornáveis com a urna.

“Vamos estudá-la”

Vemos aqui que o fantasma do voto em papel serve para assombrar também pelo outro lado. Pois tal recurso pode ser abusado, para trocar ou alterar BUs legítimos de seções onde o tal ente interpartidário não compareceu, onde nenhum fiscal recebeu BU assinado, ou onde quem recebeu é da confiança de um partido que não se importaria com certas trocas de BU. Abuso que pode ser praticado “imperceptivelmente” se fiscais com interesse oposto estiverem ausentes do ato da totalização, ou impunemente se não puderem fazer prova de irregularidades ocorridas ali, ou a caminho. Provas cabais, já que quem as pode julgar é o mesmo ente que responde pela totalização. Em eleições como a de 2002 – totalizada para presidente no TSE, e no TRE-RJ – ocorreu de fiscais de partido terem sido barrados do ambiente onde ocorria a totalização. Por segurança, é claro.

Também para fins didáticos. Para que todos aprendam com a informatização, que não mais precisam ter tanto trabalho ao fiscalizar eleição, já que as medidas atuais são simples e suficientes. Àqueles que lá queriam “ver” a totalização: só no telão, com cafezinho e água, em sala isolada. Longe da vista dos computadores que recebiam BUs eletrônicos dos polos de cartórios, via rede, e … “substitutos” de alguns BUs, pela via local. Em ritmo frenético, para todos se gabarem da rapidez.

E quanto à substituição de BUs, cuja ocorrência ou não, legitimidade ou não, restam inacessíveis ao conhecimento objetivo, oponível a terceiros, de partidos a cujos fiscais foram recusados BUs autenticados nas seções? E quanto aos meios de prova? Não complique! É simples: basta aprender com a modernização tutelada pela autoridade, até todos entenderem eleição como videogame.

Quanto mais todos se acostumarem, mais fácil “aprimorar” o sistema. Fiscal de partido pedindo BU assinado em toda seção? Para quê? Basta numa amostra delas, pois quem totaliza com aquela senha não saberá quem pegou BU assinado onde. Mas aí, e se quem totaliza ampliar o prazo para “contas de chegar”, entre o da divulgação do resultado e o dos BUs totalizados (até 36h em 2010, 72h em 2012)? Não complique! Contestando que o BU assinado foi negado na seção? Para quê? A sentença dirá: “Tem direito, venha pegá-lo no cartório”; então, vá logo. Mas aí, como saber de onde saiu o BU? Não complique! Verificando se BU assinado é igual ao totalizado? Para quê? Afinal, na internet o acesso é por formulário, seção por seção, mais de 400 mil no Brasil, e o prazo para impugnar é de três dias. Prazo que até 2008 expirava antes dos BUs totalizados serem publicados.

Não complique, aprenda! Eis um teste, pense e responda: se é tudo tão maravilhoso e automático, então para que tais encargos, como de mesário, estes hoje tão difíceis? Tem gente pensando… E em 2008, em várias cidades da Bahia, mais da metade dos mesários foi substituída; mas, no dia da eleição. Nelas, bem cedo surgia alguém dizendo-se substituto do mesário nomeado, e ausente. Os oferecidos presidiram as seções, controlando as urnas: a senha da urna – a mesma em todas – está no manual, e até na internet. Muitos desses, ao final, remeteram o disquete e a papelada sem assinar nada: nem BU, nem disquete, nem mesmo a ata de votação. Talvez tivessem uma desculpa na falta de treinamento, mas a questão de qual disquete chegaria, no TRE, é porta ao tipo de fraude chamado “urna clonada“. Tipo que compete contra o de um possível totalizador conchavado.

Essas súbitas reposições, que até onde se sabe não foram investigadas, incorreram em flagrantes ilegalidades: substituição fora do prazo, despiste da identidade do verdadeiro mesário etc. Se forem investigadas, a pena para um nomeado faltoso que não apresentou justa causa ao juiz eleitoral em 30 dias poderia ser multa de meio salário mínimo (pelo art. 124 do Código Eleitoral) ou detenção de até seis meses ou multa de 90 a 120 dias de salário (pelo art. 310). Mas, aí, a causa poderia ser atribuída a lanche estragado no último treinamento no cartório eleitoral, não? Ora, com a nova identificação do eleitor, por biometria, candidatos podem se interessar por súbitos-anônimos mesários que liberem até 67% dos votantes com a senha, como se a biometria tivesse dado muito falso negativo. Não é à toa que os “testes de segurança” permitidos têm escopo só dentro da urna.

Mas não devemos complicar o aprendizado com teoria conspiratória; antes, ater-nos aqui ao que revela a matéria do portal Terra. Deixando para o final a analogia que o professor Diego tachou de extremamente infeliz, o passo seguinte da análise é sobre o título daquela matéria: defasada, essa urna? O TSE diz ao Terra que rejeita a avaliação das urnas conforme a ideia de geração. Alega que a ideia teria “origens comerciais nas empresas que vendem ao Peru e à Argentina suas urnas e não tem nenhum fundamento mais profundo”. Com a devidavenia,devo esclarecer quatro pontos:

1)A ideia de classificar sistemas de votação em gerações, conforme seus modelos, tem origem – até prova contrária – numa apresentação deste acadêmico que aqui escreve, feita no próprio TSE, em audiência pública, em julho de 2010. Se a ideia tem outra origem, anterior, faltam registros.

Assim, ou o TSE equivocou-se – imprudentemente – sobre a origem dessa classificação, ou nos deve registro comercial anterior dela, ou me deve – sob pena de perjúrio, já que sou professor em regime de dedicação exclusiva – prova de que eu ali representava empresa que vende urnas. Minha própria apresentação não faria tal prova, já que a última geração (a 3ª), ali introduzida com apenas um modelo, implementado pelo sistema Scantegity, tem este sistema – que debutou na eleição municipal de Takoma Park, EUA, em 2009 – totalmente definido sob licença livre e código fonte de referência aberto; portanto disponível, sob prévio licenciamento permissivo, para exploração comercial por qualquer um. Enquanto as outras duas (1ª e 2ª), com vários modelos, sistemas e vendedores cada, ali tratadas como obsoletas, e sem nenhuma menção a Peru ou Argentina.

Se houve tal equívoco ele foi imprudente porque naquela apresentação, que fez parte duma audiência do TSE para discutir licitação de compra de urnas, a última tela mostra um link para o site da scantegrity.org, onde estão tais informações. E porque aquela audiência, dirigida pelo Secretário de Informática e o Diretor de Logística do TSE – quem, ao final da apresentação, dirigiu-me a palavra para pedir cópia e declarar: “Interessante, vamos estudá-la” – foi filmada pelo TSE. O fato dos representantes das empresas interessadas na licitação presentes terem também pedido cópia, e prestado atenção na apresentação enquanto o Secretário e o Diretor na mesa cochichavam entre si, tanto a ponto de eu ter de interrompê-la para pedir-lhes a atenção, como pode mostrar o vídeo da audiência, não justifica um equívoco em que ambos me confundam com tal plateia comercial.

Confirmação, desistência

2)Essa ideia de classificar em gerações foi do acadêmico, que apresentou-a no TSE. Na entrevista concedida à International Foundation of Electoral Systems(IFES) e ao National Democratic Institute(NDI) em 12/8/2012, quando perguntado se conhecia opiniões de outros acadêmicos que validam a postura e decisões do TSE, ou de suas últimas manifestações neste sentido, mencionei a mais provável fonte daquele equívoco, e de outros semelhantes: um tal Comitê Multidisciplinar do TSE (CM-TSE). Criado pela portaria TSE 192/2009, inicialmente para contestar relatórios da Comissão de
Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, que embasaram a minirreforma eleitoral prescrita na Lei 12.034/09 (cujo artigo 5º, sobre voto impresso, está suspenso pelo STF), o CM-TSE segue atuando. Notadamente quando membros são escalados para representar o TSE na mídia, ou em comissões parlamentares como as CCJC.

3)Dos membros do CM-TSE, um é meu colega de universidade, e dele talvez seja a primeira tentativa de desqualificar a classificação em gerações. Ambos havíamos sido convidados a debater em audiência pública na CCJC da Câmara, em 8/5/2012, a contraminirreforma proposta no Projeto de Lei 2729/11. Na véspera, em matéria no portal da UnB, ele havia declarado: “Essa questão de geração é balela. É um conceito inadequado. Não existe nenhum artigo científico que o utilize”, embora existisse artigo de um colega dele, acadêmico da ciência da computação, que o utilizara numa audiência do próprio TSE, e publicado-o na UnB há quase dois anos. Outras tentativas equivocadas o seguiram: por outros membros do CM-TSE, na audiência da CCJC, e na matéria do portal Terra. Neste último, o Peru e a Argentina surgiram talvez por desdobramentos do primeiro equívoco.

Num desses desdobramentos, na semana seguinte à apresentação na audiência da CCJC enviei a esse colega uma mensagem, com intuito de esclarecer seu equívoco, da qual replico os trechos a seguir (e à qual ele respondeu logo, também dizendo que iria “estudar” os links), com intuito de esclarecer equívocos subsequentes, antes que se propaguem ainda mais:

“A classificação de sistemas eletrônicos de votação em gerações foi introduzida por mim em audiência pública no TSE, em julho de 2010, conforme critérios e justificativas então apresentados, desde então disponíveis em [artigo publicado aqui]. Todos os fornecedores habilitados para a licitação que estavam presentes naquela audiência me pediram e receberam cópia da citada apresentação, a qual será reapresentada esta semana no Seminário Internacional “Implementación del voto electrónico en perspectiva comparada“ [em Lima, Peru]. Tal como na matéria publicada pela UnB, por ocasião da audiência pública na CCJC da qual participamos em 8/5 [de 2012], penso ser de bom alvitre esclarecer também àqueles fornecedores, e às autoridades eleitorais e fornecedores de vários países participantes do referido seminário, por que se trata de balela.”

O sistema Vot-Ar foi comentado naquela audiência na CCJC, à tarde, a título de novidade e em vista de ele ter sido apresentado pela manhã, em demonstração patrocinada por um partido na Câmara dos Deputados. Segundo o diretor da empresa fornecedora, que conduziu a apresentação com votações simuladas e respondendo a perguntas dos presentes, o Vot-Ar é hoje usado em seis das 23 províncias da Argentina. Vem sendo usado desde 2006, embora sua primeira eleição oficial com participação de observadores internacionais só tenha ocorrido em 2011. Perguntado porque o Vot-Ar não é usado em toda Argentina, explicou que lá as leis dão autonomia às províncias para escolherem seus sistemas (como nos EUA), e que nas mais ricas, onde a fraude eleitoral é possivelmente endêmica, como Buenos Aires, tem-se aquela mesma atitude: “Interessante, vamos estudar”, mas nada.

Naturalmente, nem os membros do CM-TSE escalados para a audiência da CCJC, nem as autoridades do Tribunal que lá também compareceram, estiveram na apresentação do sistema Vot-Ar pela manhã. Tampouco esboçaram qualquer consideração sobre os comentários referentes ao mesmo, levantados por mim e por outros, como o professor Diego Aranha e o moderador do Fórum do Voto Seguro, nos debates da audiência na CCJC. Durante a apresentação pela manhã, pude perceber que o sistema Vot-Ar adere aos critérios que classificam modelos de 3ª geração, descritos no artigo (digamos, semicientífico) apresentado no TSE em 2010; mas com um modelo (processos, tecnologias, tipo de urna) totalmente distinto – e bem mais simples – do que o do Scantegrity, até então o único em uso que conhecia a satisfazer tais critérios. Mas, antes dos critérios, pela ordem.

Ao final daquela manhã, convencido de que o Vot-Ar havia encontrado soluções engenhosas, simples e inovadoras para os problemas cruciais da 2ª geração de modelos de votação eletrônica, credenciando-se assim, com elas, como sistema aderente a um segundo modelo de 3ª geração, apresentei-me ao diretor da empresa que o desenvolvera, com perguntas. Ele iria ao seminário no Peru, na semana seguinte? Não, mas iria uma juíza da autoridade eleitoral de Salta, província argentina que utiliza o Vot-Ar; porém, não para demonstrações. Como eu havia sido convidado ao seminário por indicação do NDI, provavelmente devido à análise da 2ª edição dos Testes de Segurança da urna do TSE que publiquei, em artigo (digamos, semileigo) que conclui com uma perspectiva sobre as gerações de modelos, perguntei se ele conhecia tal classificação. Ele nunca ouvira falar dela.

4)Só em Lima soube dos demais convidados ao seminário, organizado pela ONG Transparencia Peru: autoridades eleitorais que informatizaram seus processos de votação, e organizações civis envolvidas na fiscalização desses processos. Nenhum fornecedor comercial de urnas eletrônicas foi convidado, ou compareceu. Das autoridades peruanas – uma que implementa e executa eleições (ONPE, que também desenvolve o protótipo de urna que estão por adotar), e outra que as julga (JNE) –, nenhuma propusera, ou já conhecia, a classificação em gerações. O TSE, convidado, confirmou a ida, mas desistiu. Eu e mais dois membros do CMInd – Comitê Multidisciplinar Independente, formado por especialistas interessados em votação eletrônica – representamos o Brasil. Sem contraparte, lá, só nós, pois o TSE foi a única autoridade convidada a não dar as caras. E deu no que deu.

Processo integrado

Menos mal que a ideia de classificar sistemas em gerações, entre um equívoco e outro, tenha sido promovida. De balela, para rasa em fundamento. Prosseguindo, cabe destacar, antes dos fundamentos para se classificar gerações, uma curiosidade nesta longa história cheia de equívocos. Parte da motivação para a ideia veio desse tipo de equívoco. Explico: em seu primeiro trabalho (diríamos, científico?) – um documento contestando relatórios da CCJC da Câmara que embasaram a Lei 12.034/09 – divulgado só em papel e só para membros daquela CCJC (mas depois escaneado e publicado pelo Fórum do Voto Seguro), o Comitê Multidisciplinar do TSE incluiu uma citação ao contrário, que tem efeito de enganar deputados sobre recomendações de um amplo estudo produzido nos EUA, por entidades independentes, atinente ao que a CCJC induziu com seus relatórios.

O Voluntary Voting System Guidelines (VVSG), produzido pelo National Institute of Standards and Technology para a US Electoral Assistance Comission (que credencia sistemas de votação), recomenda, desde 2007, que os sistemas baseados em urnas modelo DRE (Direct Record Electronic) – adotada pelo TSE desde 1996 e credenciada pelas Leis 9.504/97 e 10.740/03 – sejam adaptados para urnas que se enquadrem no modelo VVPT (Voter-Verfiable Paper Trail), para evoluírem adequando-se ao princípio da independência do software. Ou seja, o estudo VVSG recomenda que os sistemas de votação com urnas DRE sejam adaptados para urnas VVPT, exatamente como sugerem os (dois) relatórios da CCJC; enquanto o trabalho do CM-TSE, que critica tais relatórios, equivoca-se ao citar a recomendação ao contrário, como esclarece o CMInd, também num relatório de tréplica.

Ao entregarmos em primeira mão, em 28/4/2010, aquela tréplica ao presidente do TSE, a questão mais suscitada foi o [des]valor da independência intelectual do CMInd, ao invés da qualidade intelectual do trabalho pioneiro do CM-TSE, esta desconversada. Retórica imperial, em primeira voz. Com efeito, em três semanas o CM-TSE era reforçado (pela Portaria TSE 279/2010) com a inclusão de um filósofo, semiescolástico, este ainda mais versado na sofística e em aboborocultura sobre ciência e arte criptográficas. A repercussão daquela tréplica, que em geral só retiniu aquele ranço colonial, pôs a questão: como neutralizar as fabulações dessa retórica imperial, lamentada pelo professor Diego, que tece capciosos simplismos em tecniquês para sustentar argumentos autoritários? Como esclarecer o eleitor dos sinais de perigo na confusão marota entre siglas num mar delas?

DRE ou VVPT? Enquanto aquela questão me desafiava, qual esfinge, estudando artigos científicos sobre o estado-da-arte criptográfica aplicada a eleições deparei-me com um filão: um modelo formal para sistemas (incluindo urnas) aderentes ao conceito de End-to-EndAuditability que estava entrando em fase produtiva. Um sistema E2E, usado em eleições oficiais. A “confusão” agora poderia aumentar: DRE, VVPT, E2E? Como encontrar uma forma simples de expressar os argumentos técnicos por trás da evolução desses conceitos? Foi então que me ocorreu pensar “como eles”: se a estratégia do marketing imperial é tratar eleição como videogame, então a resposta estava na convergência digital. No marketing, por exemplo, da indústria de telefonia celular. A ideia é tratar a evolução dos conceitos em termos simples, mas que fetichize a favor as tecnologias subjacentes.

Dois meses após o upgrade no CM-TSE, a ideia foi testada. Na primeira oportunidade, em audiência no próprio TSE, com aquele resultado: extrema cochicharia na mesa, muita curiosidade dos fornecedores na plateia. Na segunda, após upgrade que ampliou a classificação (com o sistema Vot-Ar credenciando-se), em seminário internacional no Peru. Fundamentalmente, a evolução do voto informatizado passa pela urna DRE, caracterizada funcionalmente por não permitir recontagem, com a verificabilidade do resultado totalmente dependente da correção e integridade do software; pela urna VVPT, com verificabilidade por registro material do voto (escaneável ou impresso), recontável em trilha independente do software; e pela urna E2E, com verificabilidade por trilhas interdependentes, de ponta a ponta na cadeia de custódia dos registros (material e eletrônico) do voto.

A evolução dos sistemas de votação eletrônica segue então a de suas respectivas tecnologias:

1ª geração, com urnas DRE;

2ª geração, com urnas VVPT;

3ª geração, com urnas E2E.

Esta classificação se refere, em termos leigos, à classificação funcional dos respectivos modelos tecnológicos de urnas eletrônicas, que surgiram:

a) na literatura científica, nessa ordem cronológica;

b) na prática, para resolverem problemas tidos como cruciais e inerentes ao modelo anterior (no caso da 1ª geração, o modelo anterior é o da urna-receptáculo que apenas recebe cédulas de papel).

Quanto aos critérios de classificação: são descritos por problemas tidos como cruciais e antes mal resolvidos, a serem vencidos por cada modelo:

 

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Nos sistemas de 1ª geração, os problemas cruciais decorrem da total dependência no software para verificação dos resultados. Como resolvê-los? Mantendo-se os meios de prova disponíveis sempre aquém dos critérios admissíveis para “possível influência” indevida no resultado? Decretando-se a incorruptibilidade de programadores e operadores, e atribuindo ao acaso eventuais indícios estatísticos de desvios?
Com mais blindagem contra “ameças externas”, incluindo tratamento do sistema com uma estratégia de marketing (como no Brasil)?

 

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Nos sistemas de 2ª geração, os problemas cruciais decorrem de os votos seguirem trilhas independentes para contagem. Como resolvê-los?

Como saber se a coleta na votação é a mesma da apuração, na contagem eletrônica e na recontagem manual (os problemas de verificabilidade da apuração são dobrados)?

Caso haja discrepância entre o resultado eletrônico e o manual, como rastrear o erro ou o desvio?

Se discreparem, pode-se atrasar a recontagem manual de todo o registro material até esvaziar a eficácia da verificação independente (a revalidação é limitada pelos prazos do mandato eleitoral)?

 

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Nos sistemas de 3ª geração, se houver diferença entre o resultado eletrônico e a validação pelo registro material, o processo integrado permite rastrear, em tempo real, o erro ou desvio ocorrido numa ou noutra trilha. O eleitor terá como saber que seu voto foi contado conforme marcado, ou não, mas sem poder provar a terceiros em quem votou.

Sexo grupal

Em 2012 eram conhecidos dois modelos para sistemas aderentes a tais critérios: 1) O que usa redes criptográficas do tipo mix & mesh, implementado, por exemplo, pelo sistema Scantegrity, usado nos EUA; e 2) O que usa registro integrado tipo RFID-em-cédula, implementado pelo sistema Vot-Ar, usado na Argentina. O maior desafio teórico nos sistemas desta geração é o de proteger o sigilo do voto. Em redes mix & mesh, é crucial a correta escolha, implementação e operação dos algoritmos e protocolos criptográficos.

Minha participação no seminário “Implementación del Voto Electrónico en Perspectiva Comparada”, realizado no Peru em maio de 2012, teve como título “Reforma Eleitoral e Informatização do Voto“ e (re)apresentou esta proposta de classificação para modelos de votação, adaptada ao tema daquele evento internacional. A adaptação se deu com uma hipótese empírica (e talvez semicientífica), que oferece referencial hermenêutico à classificação proposta, a título de conclusão. Esta hipótese diz que, no que concerne a seus reais objetivos, a informatização do voto seguirá uma de três possíveis direções. A saber:

>> Tecnologia eleitoral como fim em si mesmo (Tecnologia-fim): Administrador do processo eleitoral dirige reforma normativa cujos efeitos lhe concentram mais poderes.

>> Tecnologia eleitoral como meio para um fim (Tecnologia-meio): Legislador exerce autonomia para reforma normativa cujos efeitos afetam poderes no regime democrático.

>> Tecnologia eleitoral como cavalo-de-batalha (Tecnologia-eixo): Poderes em regime tripartite disputam hegemonia para dirigir reforma normativa do processo eleitoral.

Se o problema crucial com sistemas de 3ª geração é proteger o sigilo do voto, ainda pouco estudado no modelo com tecnologia RFID-em-cédula, parece contrassenso ou ironia o desprezo (talvez profundo) à 3ª geração por parte daqueles que, ainda com sistema de 1ª geração, têm tratado esse problema – e outros — assim, assim. A menos que – já testando a hipótese empírica – o direcionamento do processo seja o da tecnologia-fim. Isto posto, se a classificação adaptada só tem fundamentos rasos, então cabe-nos buscar outra, que tenha fundamento mais profundo. E a melhor fonte seria certamente a mesma, e única, que desqualifica esta. A própria matéria do portal Terra oferece-a: uma analogia que cabe analisar, pois teve origem naquela fonte, na própria sentença cautelar que suspendeu a medida fiscalizatória do voto impresso pelo ministro que presidia o TSE:

“Acoplar uma impressora eletromecânica às urnas eletrônicas equivaleria, a meu ver, a dotar um avião a jato de uma bússola a vapor.”

Mas por que essa analogia classificatória, alternativa ao obscuro debate DRE vs. VVPT, foi tachada pelo colega Diego de extremamente infeliz? Para quem queira entender, tentemos. Decodificando. Primeiro, cada urna eletrônica do TSE sempre esteve acoplada a uma impressora eletromecânica. Ela imprime relatórios e BU – documento contendo os votos totais (da seção) por candidato. E ela precisa continuar, se a cena fiscalizatória no videogame da votação é para ser mantida. Segundo, o que a sentença do ministro e a de seus pares derruba é uma medida fiscalizatória que imprimirá cada voto. Terceiro, todo avião precisa de bússola, para direcionamento, porquanto o desprezo do ministro deve estar é no vapor. E ele é muito quente. Juntando: a retenção de registro individual do voto direciona o processo eleitoral em rota desconfortável para os supremos ministros.

Mas por que esta decodificação? Simplesmente porque não encontro nenhum outro sentido, feliz ou mesmo técnico, nessa suprema frase, urdida em tecniquês. A começar do que poderia ser uma “bússola a vapor.” Não é só o professor Diego que as desconhece. No anúncio “bússolas todos os modelos ”relacionado pelo Google, há 53 tipos delas, mas nenhuma “a vapor”. Na busca por “bússola a vapor”, entre aspas e nesta data, só ocorrem resultados referentes à frase do ministro. Então, o que deve fazer um acadêmico que não queira ser tachado de não-científico? Como tecniquês deve denotar técnica, ele deve verter o “conceito” ao idioma universal da ciência técnica – a tradução literal do termo é steam compass – e buscar mais. Mas aí, a análise dos possíveis sentidos na suprema frase se contamina com polissemia: parece haver mais de uma acepção para o termo.

Ao buscar “steam compass” entre aspas, a primeira acepção pertinente que surge é a de uma moda punk, estilo vitoriano, para o dispositivo em versão eletrônica. Especificamente, steam compass é um software para o sistema operacional Android, cuja interface gráfica mostra, em estilo semigótico, dados de saída da função “bússola” embutida no hardware do celular. Assim, com a devida venia para tradução do misterioso termo, qualquer avião a jato poderia ser dotado da coisa, no sentido de que qualquer pessoa que a tenha instalado no seu celular poderia embarcar com o mesmo. Tal dotação pode ocorrer sem conhecimento do fabricante ou da empresa que opera avião a jato, e certamente sem afetar ou alterar o funcionamento, a operacionalidade e a segurança da aeronave – sentido que, a meu ver, extirparia a suprema frase de seu condão classificatório.

Como a pecha de semicientífico tampouco convém, segui pesquisando por mais acepções do termo, pertinentes entre os 700 resultados da busca. Achei uma segunda, que gerou dúvida sobre pertinência: a polissemia, na tradução reversa da palavra “compass” (também, compasso), pode ter acolhido um dispositivo hidromecânico. Especificamente, steam compass parece ser também algum tipo de sauna. Porém, com a devida venia,agora pela transferência do mistério à função hidromecânica em tela, não sei para que serviria esse tipo de sauna, dado que a única pista nessa busca é dela como locus para sexo grupal entre lésbicas e travestis (conforme links na pista encontrada, para sites dispondo vídeos neste sentido). Sobre tal dotação? Concluo ser prudente encerrar por aqui a busca de fundamento profundo para a analogia classificatória na suprema frase.

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A verdade e a fábula

Sem intenção de trocadilho com profundezas, a retórica imperial aqui desvelada, dirigida à passiva consciência política de uma cidadania frouxa, numa cultura de ranço colonial que as tem acolhido, sinaliza doença em nossa democracia, gostemos ou não. Como frisei à IFES e ao NDI, a medida fiscalizatória suspensa pelo STF não é solução ideal, mas é a mais prática possível para mitigar o excesso de poderes acumulados no operador do sistema eleitoral, que lhe dá a prerrogativa de, caso queira, favorecer candidaturas de forma totalmente blindada.

Se o eleitor quer distância, para poder apenas criticar a conduta dos políticos, continuará a fazer vista grossa e ouvidos moucos a esses vícios degradantes. Um “3º turno” oculto e sottogoverno se instalam, qual câncer, com a mídia corporativa no quarto poder excretando suas toxinas, como ante a própria medida suspensa.

Aí, não vai ser a visão acadêmica de equilíbrio de poderes, ou a visão política que com ela se alinha no Legislativo, que desatará esse nó, ou uma cura. Os vícios da República realimentam tal retórica, que vai se expressar também de outras formas. Como por exemplo, com ministros do STF, ex-presidentes do TSE, lavando roupa suja em público com manifestações e acusações mútuas de deslealdade e onipotência.

Quanto ao fiel e verdadeiro Onipotente, sobre tudo isso Ele já sentenciou. Há quase dois mil anos, em 2º Timóteo, 4:3-5:

“Porque haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; mas, tendo grande desejo de ouvir coisas agradáveis, ajuntarão para si mestres segundo os seus próprios desejos, e não só desviarão os ouvidos da verdade, mas se voltarão às fábulas. Tu, porém, sê sóbrio em tudo, faze a obra de um evangelista, cumpre o teu ministério.”

Assim seja.

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[Pedro Antônio Dourado de Rezende é matemático, professor de Ciência da Computação na Universidade de Brasília, coordenador do Programa de Extensão em Criptografia e Segurança Computacional da UnB, conselheiro do Instituto Brasileiro de Política e Direito de Informática, ex-conselheiro da Fundação Software Livre America Latina e ex-representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Infra-estrutura de Chaves Públicas brasileira. (www.cic.unb.br/~rezende/sd.php)]