A televisão cumpre um papel estratégico no meio familiar. Além de fornecer informações sobre o tempo, o trânsito e os principais acontecimentos do dia, possui a capacidade de distrair as crianças enquanto os pais se dedicam a outros afazeres. A popularização desta prática fez com que a TV recebesse a alcunha de “babá eletrônica”. Assunto que foi tema do livro A criança e a TV: uma visão psicanalítica, de Raquel Soifer. A autora constatou que o uso do aparelho para entreter os pequenos não apenas prejudica a formação mental e a capacidade para assimilar o que é certo ou errado, mas também age na base das funções psíquicas, determinando o comportamento do indivíduo na fase adulta.
Sem regras normativas quanto à valorização da cultura nacional ou prioridade para a veiculação de conteúdos educativos, as emissoras de TV ficam livres para moldar as produções audiovisuais conforme o gosto publicitário. Essa prática é comum mesmo em canais de acesso público, já que muitos deles sofrem com a interferência de agentes governamentais ou financeiros em suas produções. Percebe-se, assim, a subordinação das concessionárias de televisão ao capital privado, já que os órgãos públicos atuam apenas para complementar o modelo comercial.
O primeiro aparelho receptor de sons e imagens chegou ao Brasil ainda na década de 1950, por intermédio do magnata das comunicações Assis Chateaubriand. Hoje, embora tenha evoluído bastante em aspectos técnico e estético, pouco tem conseguido se diferenciar da lógica produtiva utilizada há mais de meio século. Quando as primeiras atrações da TV Tupi caíram na graça do público, era comum que os programas fizessem referência direta aos seus patrocinadores. Além das produções jornalísticas de reconhecido prestígio, como o Repórter Esso, existiam algumas direcionadas especificamente às crianças, como o Teatrinho Kibon e o Circo Bombril.
Os interesses comerciais e o interesse público
Com a queda da emissora pertencente aos Diários Associados e a rápida ascensão da Rede Globo na década de 1960, a mensagem publicitária adaptou-se a uma nova realidade sem, no entanto, diminuir sua influência junto aos potenciais consumidores. Resultado de décadas de aperfeiçoamento, atualmente não é preciso que a novela leve o nome das marcas que são expostas durante o desenvolvimento da trama; basta associar os principais personagens ao produto que se pretende vender. Pouco importa se a mensagem é direta ou subliminar. O êxito consiste em introjetar nos telespectadores a necessidade de adquirir um novo bem de consumo.
Em busca da fidelização da audiência, as emissoras privadas ignoram os princípios que deveriam nortear a prática da comunicação social no Brasil. O capítulo 5 da Constituição Federal, em seu artigo 221, determina que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem estar destinadas a valorização da diversidade cultural, priorizando conteúdos educativos, artísticos, culturais e informativos”. Todavia, o comprometimento com o mercado e a falta de uma legislação específica capaz de regular esse processo, permite a sobreposição dos interesses comerciais ao interesse público.
Deformação de valores
Na atualidade, cultura e informação não passam de meros produtos expostos nas prateleiras da indústria cultural. Debates como a criação de mecanismos de responsabilização das mídias por violações de direitos humanos e o aprimoramento de mecanismos de proteção às crianças e aos adolescentes, ocupam apenas a intangível “Plataforma para um novo Marco Regulatório das Comunicações no Brasil”, cuja repercussão junto à sociedade revela-se insuficiente. Sem avançar significativamente nesse debate, o governo de turno está cometendo um equívoco de grandes proporções.
A posição titubeante ao tratar da revisão do Marco Regulatório das Comunicações, praticamente inviabiliza a aplicabilidade das proposições expressas pela sociedade civil durante a realização da I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em 2009. A baixa qualidade dos conteúdos provenientes das emissoras de TV é uma consequência da falta de regulamentação desta prestação de serviço. Tal fenômeno é parte integrante do modelo de televisão que está em curso no país. Esse processo impacta negativamente a interpretação dos fenômenos culturais, sociais, políticos e econômicos; resultando, ainda, na deformação de valores essenciais para o bom desenvolvimento das capacidades cognitivas.
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[Eduardo Silveira de Menezes é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)]