O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), primeiro marco regulatório do setor, completou 50 anos na semana passada. A Lei Geral de Telecomunicações (LGT), de 1997, já envelheceu, aos 15 anos de idade. Eis aí duas boas razões para que o Brasil dê prioridade à atualização de sua legislação nesse campo fundamental, que compreende telecomunicações, rádio, TV aberta, internet e todas as demais formas de comunicação eletrônica. Aliás, a legislação do setor apresenta hoje lacunas e conflitos, decorrentes da desatualização regulatória diante das mudanças tecnológicas ao longo de 50 anos.
A radiodifusão brasileira, por exemplo, rege-se ainda por um verdadeiro entulho regulatório, ou seja, por um capítulo do velho Código (Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962), além de decretos do regime militar. O Código de 1962 envelheceu e se transformou em obstáculo ao desenvolvimento setorial, embora tenha representado, na época, ao nascer, um avanço extraordinário, tanto para as telecomunicações quanto para a radiodifusão do país. Mesmo a LGT – ou seja, a Lei 9.472, de 16 de julho de 1997 – que se limita à área de telecomunicações, já deveria ter sido substituída por outra mais moderna e democrática, levando-se em conta a evolução tecnológica ocorrida nos últimos anos e, em especial, o impacto da internet e da mobilidade.
Quandt relembra
Recorro aos meus arquivos, para resgatar o conteúdo de algumas entrevistas que fiz, nos anos 1970 e 1980, com o ex-ministro Euclides Quandt de Oliveira, titular do Ministério das Comunicações de 1974 a 1979, sobre o nascimento do Código. Quandt conta que os primeiros projetos apresentados a partir de 1957 tinham, entre outros propósitos, formular uma política nacional setorial e permitir a sobrevivência da radiodifusão em mãos da iniciativa privada, diante da ameaça de estatização que crescia desde 1961, com o ex-presidente Jânio Quadros e, mais ainda, com seu sucessor, João Goulart.
Prova disso eram as punições de emissoras de rádio por razões políticas, com risco até de perda da concessão. Depois de vários substitutivos, apresentados entre 1957 e 1961, nasceu o texto que seria transformado no Código Brasileiro de Telecomunicações, quando o então deputado federal Nicolau Tuma conseguiu aprovar o primeiro projeto, mesmo com um total de 99 emendas.
“A aceleração do projeto ocorreu”, relembra Quandt de Oliveira, “em decorrência de uma punição arbitrária e inesperada aplicada, em 1961, à Rádio Jornal do Brasil, pelo então presidente Jânio Quadros, simplesmente porque ficou contrariado com as críticas que lhe foram feitas em um programa daquela emissora. A emissora foi, então, suspensa por dois dias.” Preocupados com arbítrio, os dirigentes da radiodifusão brasileira se uniram e continuaram sua luta por uma nova legislação, mesmo depois da renúncia de Jânio Quadros, ocorrida em agosto de 1961.
A Lei 4.117, aprovada em 27 de agosto de 1962, recebeu, no entanto, 52 vetos do então presidente João Goulart. Três meses depois, o Congresso, mobilizado pela radiodifusão, apreciou e derrubou a totalidade dos vetos de João Goulart, no dia 27 de novembro de 1962. Nascia, então, o Código Brasileiro de Telecomunicações. Na mesma data, era criada a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), para unificar a luta diante de ameaças futuras.
Obsolescência
Ao longo de meio século, o Código, que era um avanço democrático em 1962, acabou se tornando um documento obsoleto e ineficaz. Nem a LGT, de 1997, resistiu à obsolescência. Nos últimos 50 anos, o mundo assistiu à chegada da comunicação via satélite, da TV em cores, das fibras ópticas, dos novos cabos submarinos e do processo de digitalização dos sistemas de transmissão. Nos últimos 15 anos, ocorreu a explosão da mobilidade e da internet. O país tem hoje mais de 260 milhões de celulares e 70 milhões de acessos de banda larga.
Há conceitos que devem sempre ser reafirmados, nesse campo: radiodifusão e as telecomunicações são mundos complementares. Um produz conteúdo. Outro transporta.
A radiodifusão trabalha essencialmente com conteúdos de informação, entretenimento, conhecimento, opinião política e cultura. As telecomunicações levam tudo isso aos confins do território nacional.
O que falta
O Brasil precisa, sim, de um novo marco institucional muito mais abrangente, que englobe todas as formas de comunicação, que harmonize e unifique esse universo extraordinário, sob o comando de única uma agência reguladora, altamente profissional e independente, num ambiente tecnológico a cada dia mais dominado pela internet, pela convergência e pela mobilidade.
O que falta ao setor é assegurar o melhor convívio possível entre telecomunicações, radiodifusão, TV por assinatura e as novas formas de comunicação eletrônica.
O Brasil já poderia ter feito a grande reforma setorial, em 1997, mas nem o ex-ministro das Comunicações Sérgio Motta se dispôs a enfrentar às resistências políticas e a massa de interesses contrários à revisão da legislação arcaica de radiodifusão. Por isso, limitou-se a cuidar da reforma da telefonia, separando, assim, telecomunicações, em seu sentido amplo, da radiodifusão.
Está na hora de completar o trabalho.
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[Ethevaldo Siqueira é jornalista e colunista do Estado de S.Paulo]