Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marco Civil funciona como Constituição da internet

O Marco Civil não é apenas mais um projeto lei. Ele foi redigido por um inédito, amplo e aberto processo de consulta pública conduzida por mais de dois anos pelo Ministério da Justiça. Foi então enviado ao Congresso com a subscrição de três outros Ministérios: Ciência e Tecnologia, Comunicações e Planejamento. Na Câmara, o projeto suscitou nova rodada de consultas conduzidas pelo relator, Alessandro Molon (PT/RJ). Foram feitas audiências públicas em várias cidades, de João Pessoa a Porto Alegre. Cabe agora o Congresso votar o texto final.

Neste momento em que o Judiciário tem tomado decisões que mitigam a liberdade de expressão no Brasil, o Marco Civil está fazendo falta. Não por acaso ele é chamado de “a Constituição da internet”. O objetivo é traduzir preceitos constitucionais para a rede, protegendo usuários e fomentando a inovação. Exemplo: há três semanas o governo anunciou o programa “TI Maior”, que vai investir R$ 500 milhões em apoio ao ecossistema de empresas de tecnologia nacionais. A iniciativa é louvável, mas sem o Marco Civil essas empresas encontrarão um cenário de insegurança jurídica. Como ficou claro, sem uma boa lei as decisões judiciais sobre internet no Brasil são contraditórias.

Casos esdrúxulos acontecem, como os das últimas semanas: mandou-se tirar do ar de vídeos de campanha ao filme ofensivo a Maomé. A situação culmina agora com a prisão do diretor do Google no Brasil, com grande repercussão internacional. Com o Marco Civil, passa a haver parâmetros e previsibilidade.

Brasil está chegando tarde à regulação

Outro ponto é que o Marco Civil assegura a “neutralidade da rede”. O termo é um dos pilares da internet: não pode haver discriminação de usuários ou conteúdos. Caso contrário, fornecedoras de acesso podem decidir quais conteúdos podem trafegar na rede, abrindo espaço para censura privada. Por exemplo, podem bloquear o uso do Skype, evitando competição com a telefonia. Podem ainda exigir “pedágio” dos usuários que consomem mais tráfego. Em outras palavras, extraem mais receita de poucos, em vez de expandir a rede para muitos. Isso prejudica a ampliação do acesso à rede. E é tóxico para a inovação e a liberdade de expressão.

Por isso, países como os EUA já tem regras sobre a neutralidade. Na América Latina, o Chile foi o pioneiro.

Vale lembrar que o texto atual do Marco Civil foi mencionado positivamente na ONU, no Parlamento Europeu e em inúmeros fóruns internacionais. O Brasil está chegando tarde à regulação. Chega, no entanto, com a vantagem de poder aprovar uma das mais avançadas leis. Sem o Marco Civil, a Constituição é posta em xeque cada vez que um juiz olha para a internet e decide contra a liberdade de expressão.

***

[Ronaldo Lemos é colunista da Folha de S.Paulo]