Depois de entrar em alta velocidade na contramão em uma rua de Nova York, Julius Genachowski se convenceu de que não tinha qualificação para ser motorista de ambulância e desistiu da carreira de socorrista, que o levava a consertar braços e ossos quebrados das pessoas. Agora, ele se dedica a uma tarefa mais difícil ainda: tentar unir o mundo em torno de padrões para serviços de telecomunicações e evitar o colapso da sociedade conectada. Genachowski preside a poderosa agência reguladora dos Estados Unidos, a Federal Communications Commission (FCC), e, ontem, surpreendeu o público da feira Futurecom, no Rio. Ele disse que há um grande entusiasmo do mundo para investir no Brasil, porque o país conta com recursos e meios para se expandir de forma ampla, mas que ele vê falta de confiança por parte dos brasileiros. O chefe da FCC se referia ao excesso de regulamentação que, em sua opinião, poderá ter efeito oposto ao desejado pelo governo: desencorajar o investimento.
O suposto desestímulo tem um significado mais amplo quando se olha para o cenário americano. O governo de Barack Obama investe US$ 4,5 bilhões por ano, por meio de um fundo rural e de mobilidade, para levar a conexão de banda larga a áreas rurais, e destina outros US$ 2 bilhões para estender o serviço a escolas e bibliotecas. “Pagamos para levar banda larga aonde as empresas não podiam fazer isso”, disse o presidente da FCC.
O presidente da Oi, Francisco Valim, reagiu com ironia às afirmações durante o painel: “Quanto?”, perguntou, para completar em seguida: “Qualquer valor para nós [operadoras no Brasil] já seria importante.” Mais tarde disse que seu objetivo era deixar claro que, no Brasil, são as empresas privadas que investem na universalização da banda larga. Ao ser lembrado que a Telebras está construindo a infraestrutura principal que será compartilhada pelas operadoras para oferecer o serviço, Valim desconsiderou parte do argumento, porque a estatal tem ações em bolsa. Além disso, lembrou que o país tem um instrumento para a universalização – a contribuição feita pelas operadoras para o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), que teve uma pequena parcela usada até agora. Criado em 2000, o Fust já arrecadou R$ 13 bilhões.
O posicionamento do executivo reflete o descontentamento do setor com o “excesso de intervencionismo” do governo. Um exemplo citado por ele é o fato de a Agência Nacional de Telecomunicações ter estabelecido tabelas de referência de preços e marcado duas arbitragens em outubro para mediar negociações com operadoras, uma entre a Oi e a Embratel, e outra entre a Oi e a TIM. Para Valim, essa iniciativa da Anatel não faz sentido porque as companhias são de grande porte e podem resolver seus próprios conflitos. Mas, no caso de aluguel de infraestrutura entre operadoras de portes diferentes, disse que tabelas de referência podem ser necessárias.
Queda de preços
O presidente da FCC disse que há quase duas décadas o Brasil decidiu sair de um modelo de economia controlada, e a telefonia também é um exemplo da liberação que ocorreu no país. “O oposto [a retomada do controle] é arriscado”, afirmou. “O fluxo de capital que está vindo para o Brasil é imenso. O mundo está diminuindo o ritmo, e não acho que o Brasil também esteja.”
O presidente da Telebras, Caio Bonilha, disse ao Valor não acreditar que a regulamentação do setor possa desencorajar os investimentos. “Todas as empresas daqui estão investindo, e outras, do exterior, fazendo prospecção para vir”, afirmou. Para ele, a adesão das operadoras com a compra de licenças de frequências de 4G e os investimentos que estão fazendo em infraestrutura para a oferta dos serviços demonstram a confiança do setor no modelo regulatório.
Bonilha disse que a confiança se estende também aos pequenos empresários que, apesar de não contarem com financiamento, estão investindo para oferecer banda larga. A Telebras conta com mais de 800 provedores de internet cadastrados e já assinou contrato com 100 deles. Para mostrar a evolução do Plano Nacional de Banda Larga entre os pequenos empreendedores nas áreas remotas, disse que a base passou de 1,2 mil provedores em 2010 para mais de 3 mil atualmente. O bloco dos pequenos já conquistou mais de 20% do mercado, disse Bonilha.
De qualquer modo, pode ser prudente ouvir o conselho de quem saiu na frente com o serviço. O presidente do conselho de acionistas e da Telecom Italia, Franco Bernabè, que também é presidente do conselho da GSMA, que representa o setor, disse que a regulamentação do serviço foi severa na Europa. Isso favoreceu a queda de preços, que era uma barreira para a penetração da banda larga. “Tivemos que melhorar a tecnologia, e agora a possibilidade é ter 100 megabits por segundo na rede de cobre”, afirmou. “O problema é que não há demanda suficiente para sustentar essa aplicação.” (Colaborou Heloisa Magalhães)
***
[Ivone Santana, do Valor Econômico]