O confronto cresce entre os países sobre uma eventual repartição de renda entre operadoras, donas de redes de telecomunicações, e grandes utilizadores da infraestrutura, como Google, Facebook, YouTube e eBay, que não pagam pelo intenso tráfego que geram nas redes. Essa 'queda de braço' antecede a revisão do tratado global de telecomunicações. A negociação está prevista para a Conferência Mundial sobre Telecomunicações Internacionais, que ocorrerá em dezembro, em Dubai.
O atual tratado global de telecomunicações, de 1988, foi estabelecido antes da popularização da internet. A revisão é considerada essencial diante da evolução do setor, com a chegada da internet nas redes de celulares e de novos e poderosos atores e fornecedores de serviços.
Os grupos africano (52 países) e árabe (22) finalizaram suas propostas para a conferência. Eles propõem que os chamados “over-the-top players” (OTTs, que distribuem conteúdo de áudio e vídeo, sem necessidade de haver um provedor de internet), como Google e outras empresas, contribuam no financiamento das redes de telecomunicações. Essas companhias, no entanto, retrucam com o argumento de que levam mais clientes para as operadoras.
Africanos e árabes se dizem “extremamente preocupados” sobre a sustentabilidade economica do atual modelo de internet e tentam garantir investimentos para o desenvolvimento de sua própria infraestrutura. Para vários países, esses investimentos em novas redes estão sendo colocados em risco pelos OTTs.
Segundo fontes próximas das negociações, as propostas africana e árabe são radicais, sugerindo que as autoridades nacionais tenham o poder de intervir na ausência de acordos comerciais, ou se empresas como Google ou Facebook não estiverem dispostos a negociar.
Novas regras
Em recente entrevista ao Valor, o secretário-geral da União Internacional de Telecomunicações (UIT), Hamadoun Touré, alertou: “Vamos direto contra o muro”, se não houver nova repartição de renda entre operadoras e grandes utilizadores da infraestrutura de rede, para garantir investimentos de US$ 800 bilhões nos próximos cinco anos.
Mas negociadores na UIT não veem sinal de consenso sobre nova repartição de renda, na conferência de Dubai.
Vários países estão fazendo consultas públicas sobre o tema, como é o caso do Brasil. Mas os EUA, que sediam os grandes produtores de conteúdo, não querem nem ouvir falar em mudanças e enviará a Dubai uma delegação de mais de cem pessoas para defender seus interesses.
A Europa continua dividida. Países nórdicos apoiam o status quo americano, enquanto outros consideram necessário rever o tratado. As operadoras europeias estão mobilizadas. O presidente de Telecom Italia, Franco Bernabè, enviou carta aos ministros italianos de Relações Exteriores e de Desenvolvimento Econômico reiterando que a indústria de telecomunicações europeia enfrenta cenário difícil, de queda no faturamento, enquanto regras duras exigem dos operadores que forneçam melhores serviços a preços mais baixos.
“A capacidade da indústria para investir em redes novas e mais rápidas está, sim, sendo colocada em risco”, disse Bernabè. Segundo o executivo, os operadores de redes estão prontos a negociar novas regras em cooperação com os OTTs.
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[Assis Moreira, do Valor Econômico em Genebra]