Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A importância do marco regulatório

Ainda é costumeiro ver desinformação espalhada por articulistas, comentaristas, cronistas, repórteres, editores e apresentadores de veículos midiáticos sobre a importância de o Brasil ter um marco regulatório das comunicações. Um dos recentes exemplos colecionados é o do jornalista e membro da Academia Goiana de Letras Hélio Rocha que, no artigo “Uma receita de autoritarismo”, publicado em 7/12/2012 no jornal O Popular, de Goiânia, qualificou a iniciativa como “um esquema de controle da mídia”. O diário pertence à Organização Jaime Câmara, que integra o oligopólio das comunicações na região Centro-Oeste, conforme o projeto “Donos da Mídia”, que mapeia os sistemas e mercados do setor no país.

Rocha não mencionou, todavia, que a discussão sobre uma política pública de comunicações é tema de abrangência nacional há décadas, tanto é que em 2009, resultado sistematizado de dezenas de debates municipais, estaduais e regionais, o assunto culminou na realização de uma vigorosa ação de democracia direta, a saber, a 1ª Conferência Nacional de Comunicação. O evento teve participação de membros dos poderes executivo e legislativo, do empresariado e da sociedade civil organizada, com encaminhamento de cerca de 700 propostas ao governo federal e ao Congresso Nacional.

Conforme o Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes), que integrou o campo da sociedade civil organizada, entre as proposições estão: o entendimento de que a comunicação seja tida como direito humano constitucional; o combate ao monopólio e oligopólio midiático; a garantia de espaço para produção regional independente; regras mais democráticas e transparentes para concessões de rádio e tv e renovação de outorgas. Também, a proibição de outorgas para políticos com mandato eletivo, definição do acesso à internet banda larga como direito fundamental, em regime público, universal, contínuo e com controle de preços.

Um cenário para incluir na análise

A discussão sobre a necessidade de uma política pública para o setor das comunicações torna-se ainda mais importante para a democracia quando se verifica o funcionamento dos meios midiáticos em pequenas cidades do interior de estados brasileiros em que ainda é forte a cultura colonialista.

Isso transparece, muitas vezes, em lugares com predominância de economia agropecuária, personalização política de “neocoronéis”, relações clientelistas no serviço público, ambiente de perseguição contra manifestações que questionem a ordem estabelecida e sensação de impotência diante de poderes institucionais eou reconhecidos como tais. Essa combinação leva a uma baixa autoestima da população mais pobre, dificulta o desenvolvimento de uma cultura de reflexão acerca dos assuntos diários e do jornalismo pautado no interesse público.

O quadro explanado permite introduzir na discussão o cenário noticioso de Alto Araguaia (MT) e Santa Rita do Araguaia (GO), conforme dados obtidos a partir de um projeto de pesquisa realizado este ano e desenvolvido na Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat)campus de Alto Araguaia.

O estudo apontou uma produção midiática sobre diversificados assuntos, com bom potencial jornalístico local/comunitário. Entretanto, identificou abordagens geralmente institucionalizadas – com destaque para “autoridades” do evento, acontecimento ou articulação, sobremaneira quanto a figuras ligadas ao poder público. Isso também ficou patente pela reprodução de releases em cerca de 20% dos materiais investigados (um em cada cinco). Também se observou que os principais veículos de Alto Araguaia e Santa Rita trazem conjuntos reduzidos de informações, voltados a responder questões superficiais – como horários, contatos e expectativas – e são tomados como notícias prontas e acabadas, quando deveriam significar pontos de partida.

O ambiente de pesquisa

Alto Araguaia localiza-se na região sudeste de Mato Grosso, a 420 km da capital (Cuiabá), com 15.644 habitantes, segundo dados do IBGE/2010. Possui economia em grande parte movida por um terminal ferroviário de carga de grãos, que faz ligação com o porto de Santos (SP) para escoamento no exterior. O mosaico político da cidade é composto por 14 partidos, contudo há prevalência de algumas antigas famílias (como Maia e Niedermeier), dando às relações de poder certo traço colonial. O atual prefeito é o advogado Alcides Batista Filho (PT), que não disputou a reeleição em nome de uma aliança política com Jerônimo Samita Maia Neto (PR), eleito ocupante da vaga majoritária pela quarta vez.

Alto Araguaia faz divisa com Goiás por meio de uma ponte que passa sobre o rio Araguaia e tem como primeiro vizinho o município de Santa Rita do Araguaia, situada na região sudoeste do estado, a 500 km da capital (Goiânia), com 6.924, de acordo com o IBGE. A cidade tem características rurais mais acentuadas, com menor volume de empreendimentos comerciais, maior contribuição da agricultura e pecuária para a economia local, o que fica patente nos tipos de intervenção do poder executivo. Quanto ao ambiente político, também o município resguarda relações de poder caracterizadas por ranço colonial, sendo o atual prefeito integrante de uma das “famílias fundadoras” do local (advogado Carlos Salgueiro/PSD, que, entretanto, disputou a reeleição e perdeu para João Batista/PSDB, jornalista e ex-vereador).

As cidades recebem as notícias principalmente por meio de dois sites e uma emissora de televisão, todos situados em Alto Araguaia. São eles, respectivamente, o “Jornal ComTexto“, o “André da FM“ e a TV Integração (canal 11), cujos dados para a pesquisa foram coletados de seu endereço eletrônico (www.tvinet.com.br), onde é postada a maioria dos vídeos de matérias que compõem o programa jornalístico da emissora, Araguaia no ar, transmitido de segunda à sexta, das 12h às 13h.

O “Jornal ComTexto” é remanescente do impresso Notícia Agora, foi fundado em fevereiro de 2004 e tem como editor-chefe o jornalista Ivon Ribeiro. O outro funciona desde 2008 sob a direção do locutor Carlos André de Freitas, o André da FM, que também trabalha na Rádio Aurora, em Alto Araguaia. A Aurora é a única emissora de rádio existente nos dois municípios. A TV Integração, também a única nas duas cidades, pertence aos quadros da Rede Record, que em Mato Grosso tem a TV Gazeta como afiliada. Não há jornal diário, semanal ou mensal em Alto Araguaia e Santa Rita do Araguaia.

Detalhes do projeto de pesquisa

A coleta e análise de dados concentraram-se nas notícias veiculadas em junho nos veículos mencionados. Excluiu-se da investigação o material interpretativo (reportagem; inexistente ao menos no período investigado) e opinativo (como artigos e colunas). A coleta e análise de informações se deram a partir de sete critérios, sendo quatro de âmbito geral (origem geográfica, temas, fontes de informação e origem produtiva) e três quanto ao jornalismo feito na internet (multimidialidade, hipertextualidade e interatividade). Contudo, este artigo atém-se aos iniciais.

No que diz respeito à origem geográfica, verificou-se destacado caráter local, pois entre as notícias divulgadas no mês estudado (286), 179 (62,58%) se voltaram para Alto Araguaia e Santa Rita do Araguaia, 52 (18,18%) trataram de assuntos estaduais, 32 (11,18%) de internacionais e (8,04%) de nacionais.

Quanto aos temas, se observaram estritamente os conteúdos locais (179 notícias). Enfoque marcante para as questões relativas a acontecimentos do cotidiano da vida urbana (“Cidades/Variados”, com 65,9%) e da política (31,2%), que ocuparam quase a totalidade das matérias. A primeira “editoria” divulgou, por exemplo, notícias sobre acidentes automobilísticos, assaltos, atitudes de preservação do meio ambiente, oportunidades de emprego, de concurso e de qualificação, projetos de combate à desigualdade social, eventos comunitários e cobrança por mais investimentos em educação superior. A outra se resumiu ao âmbito eleitoral (sobremaneira às candidaturas a prefeito), às ações parlamentares (indicações, projetos de lei e promoção de audiências públicas) e atos do poder público (principalmente lançamento de projetos e iniciativas de assistencialismo).

O quesito fontes de informação mostrou o tom oficial e institucionalizado da maior parte dos materiais. Tendo por base estudiosos do jornalismo, como Nilson Lage e Mário Erbolato, definiram-se três tipos de fonte, quais sejam: explícita, com 135 (75,4%); implícita – repórter apenas narra –, com 33 (18,4%); e genérica – não caracterizada ou em off –, com 11 (6,1%). O primeiro tipo se subdividiu em três: oficial; não-oficial ou independente; e individualmente ligada ao acontecimento. As oficiais corresponderam à maioria dentre as fontes explícitas (86 das 135 ou 63,7%) e se expressaram principalmente como pré-candidatos, vereadores, presidentes de partidos, secretários municipais, chefes de repartições e responsáveis por corporações policiais. As não-oficiais ou independentes (movimentos sociais, sindicatos e dirigentes de médios empresários) e as individualmente envolvidas com os acontecimentos (exemplo: presa em flagrante, acadêmica premiada, estudante atleta, beneficiado em projeto social) apareceram nas 49 restantes (36,2%).

Em relação à origem produtiva (autoria), a maioria das notícias foi feita pelas equipes profissionais dos meios investigados, entretanto com presença considerável de releases. Das 179 matérias locais 140 (78,2%) tiveram confecção dos veículos. As assessorias de imprensa apareceram como autoras em 28 (15,6%), desconsiderando-se as feitas por repórteres que também são funcionários de prefeitura. Supostos colaboradores ou similares (sem identificação explícita) despontaram em 08 notícias (4,4%), podendo, de maneira geral, se somar à categorização anterior, totalizando 20%. E outros veículos pontificaram como autores em 03 (1,6%).

Uma nova etapa do projeto de pesquisa, sobre o processo de produção jornalístico, pode auxiliar na compreensão dos fatores que mais influem nesse cenário midiático, desde o tipo de formação acadêmica dos trabalhadores da notícia até os mecanismos de sustentação financeira dos veículos. Entretanto, os dados e análises expostos confirmam a importância de se aprofundar e se estender para todo o Brasil o debate acerca da implantação de um marco regulatório nas comunicações.

***

[Gibran Luis Lachowski é jornalista e professor do curso de Comunicação Social (habilitação Jornalismo) da Universidade do Estado de Mato Grosso]