Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os desafios da universalização

Dentro de pouco tempo, provavelmente já a partir de 2013, veremos uma série de reportagens na imprensa e estudos acadêmicos comentando o marco de 20 anos da Internet comercial no mundo. Duas décadas desde que a Internet deixou de ser exclusividade do meio acadêmico e ganhou as ruas. A Internet mudou a forma como a informação circula, mudou relações econômicas, alterou radicalmente o funcionamento do mercado de comunicação e a forma das pessoas se relacionarem e se comunicarem. De um simples serviço de valor adicionado, como foi juridicamente definida no Brasil em 1995, a Internet (mais precisamente seu protocolo IP) se tornou a base para praticamente todos os serviços de telecomunicações existentes hoje. Paradoxalmente, serviços de voz, vídeo e troca de informações é que hoje adicionam valor à Internet. E a banda larga, o acesso à rede em altas velocidades e com conexões permanentes, já se tornou sinônimo daquilo que chamamos de Internet.

Entender a dinâmica e o significado de mudanças tão radicais em tão pouco tempo é uma tarefa longa. Mais complicado ainda é entender o papel da banda larga, para nosso desenvolvimento cultural, econômico e social. Se dimensionar tudo isso é desafiador, pelo menos uma coisa parece segura: a Internet já se tornou essencialmente relevante sob qualquer aspecto que se observe da nossa sociedade.

Partindo-se desse pressuposto, o segundo passo é pensar em formas de garantir que a banda larga esteja disponível a todos, no que se convencionou chamar de universalização. Não no sentido legal dado à palavra quando entendida na perspectiva das telecomunicações, mas em um sentido mais amplo, que prevê não apenas a necessidade de infraestrutura de acesso a todos, mas também a educação para o uso das funcionalidades, o desenvolvimento dos conteúdos adequados, condições acessíveis de contratação dos serviços, políticas públicas ajustadas a esta realidade etc.

É uma discussão aprofundada sobre esse tema que este livro [Caminhos para a universalização da internet banda larga: experiências internacionais e desafios brasileiros] propõe, com o mérito de não apresentar apenas uma solução, mas mostrar e ponderar diversos caminhos adotados no Brasil e em outros países sobre o tema da universalização. Os autores, corretamente, optam por indicar aquelas opções de universalização da banda larga que parecem mais promissoras considerando-se as inúmeras especificidades que a realidade brasileira apresenta.

Debate fundamental

O que se verifica na leitura dos capítulos deste livro é que a evolução da Internet tem nos colocado diante de variáveis cada vez mais complexas e desafiadoras quando se fala em universalização da oferta e do uso.

A começar pelo tratamento dado às redes, essenciais ao desenvolvimento da banda larga. As tecnologias de telecomunicações evoluem rapidamente, mas a implantação de uma infraestrutura robusta de acesso à Internet é um grande desafio em termos de investimentos, de gestão, de opções tecnológicas e de políticas regulatórias. Desde a questão da duplicação ou não das redes, o que suscita o debate sobre o compartilhamento e a desagregação (unbundling) da infraestrutura, até as formas mais adequadas de financiar os investimentos, o que pode ou não incluir um esforço estatal direto, estes são alguns dos problemas que se apresentam a diferentes países de formas diferentes, o que é muito bem retratado nesse trabalho.

Pode-se observar que enquanto em alguns países como Canadá e Coreia do Sul as políticas de universalização foram iniciadas ainda no começo dos anos 2000, e hoje já se discute como vencer a barreira de 2% ou 3% da população ainda sem acesso, ou de como universalizar supervelocidades e de tornar a Internet ubíqua, em outros, como é o caso brasileiro, as políticas de massificação (é esse o termo usado por aqui) estão apenas dando seus passos iniciais, com resultados ainda pouco mensurados.

Um grande desafio para o desenvolvimento da Internet é a forma como as informações trafegam sobre as redes de banda larga, e é aí que se insere o debate sobre neutralidade. Este tema, que tem sido abordado de maneiras diversas a depender do país que se olhe, também se coloca como um dos grandes impasses que necessariamente precisam ser enfrentados quando se fala em universalizar a banda larga. Hoje, dado o papel central desempenhado pelas redes, a maior parte das atenções quando o assunto é neutralidade recai sobre o tratamento que é dado pelos provedores de infraestrutura e acesso e seu inegável poder de decisão sobre o que e como pode trafegar nestas redes. Essas empresas, por sua vez, argumentam com as crescentes necessidades de investimentos e apelam por modelos econômicos mais sustentáveis do ponto de vista empresarial.

Mas a questão da neutralidade se coloca de maneira ainda mais ampla quando lembramos que hoje a Internet, pelo menos para a imensa maioria de seus usuários, é dominada, na prática, por um número limitado de provedores de conteúdos, sites de busca, plataformas de vídeos, comércio eletrônico e redes sociais. Assegurar que não apenas as redes, mas também todo o ecossistema de empresas e serviços de conteúdo tenham sua parcela de responsabilidade dentro dos princípios da neutralidade também é um desafio novo.

Um outro aspecto relevante das discussões colocadas pelos autores deste livro diz respeito à propriedade intelectual em um ambiente de banda larga universalizada. É fato que hoje os modelos tradicionais de direitos autorais mostram-se desafiados cotidianamente pelas novas formas de distribuição digital das informações. O que no mundo analógico, tradicional, seria considerado pirataria, no ambiente digital torna-se compartilhamento de conteúdos entre pessoas e dispositivos. Esse debate é fundamental porque dele dependem os atuais e futuros modelos de criação e viabilização econômica de conteúdos digitais, algo tão essencial em um mundo banda larga quanto a própria existência das redes.

Argumentos e impasses

Os modelos regulatórios escolhidos em nome da defesa dos direitos de propriedade intelectual sobre o que trafega na rede podem, como efeito colateral, representar riscos adicionais à privacidade e outros direitos individuais dos usuários de Internet, tornando-se assim um limitador à própria universalização da banda larga.

Adicione-se a essas variáveis trazidas pelo livro ainda questões centrais para as sociedades conectadas, como a segurança das redes; a necessidade de desenvolvimento de aplicações que estimulem a entrada da população ao universo digital, sobretudo de governo eletrônico; a capacitação para o ambiente digital; a portabilidade de conteúdos e; a possibilidade de uma transição ubíqua entre redes fixas e redes móveis. Tudo isso é, com maior ou menor grau de profundidade, abordado ao longo dos textos trazidos pelos organizadores.

Como dito anteriormente, este livro não esgota todo o debate sobre os caminhos para a universalização da banda larga, e desconfio que isso seria impossível. O que não impede os autores de manifestarem, nos capítulos finais, uma perspectiva crítica bem fundamentada ao modelo brasileiro, consubstanciado no Programa Nacional de Banda Larga, que é o principal esforço do governo de estabelecer uma política para a Internet em alta velocidade. Os autores destacam a falta de contrapartidas necessárias a serem exigidas dos agentes privados após esforços do governo de desoneração e investimento público direto, metas pouco claras ou fracas em relação à qualidade dos serviços e a indefinição de um marco regulatório para a questão da competição e diversificação dos provedores de serviços como algumas das falhas do caminho que vem sendo seguido pelo Brasil.

Por fim, uma das partes mais relevantes deste trabalho está na coleção de entrevistas que encerram o livro. São conversas com personagens direta ou indiretamente envolvidos com o fazer e o pensar sobre o futuro da Internet. De pesquisadores a entidades de defesa do consumidor, passando por empresários e formuladores de políticas públicas, esse conjunto de entrevistas constitui um mosaico detalhado da multiplicidade de argumentos, problemas, impasses e ideias que podem ser aproveitadas no desafio de universalizar a banda larga.

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[Samuel Possebon é jornalista especializado em comunicação, cobre os mercados de mídia, telecomunicações, Internet e TV desde 1994, edita a revista especializada Teletime, é mestre em comunicação pela Universidade de Brasília e integra o conjunto de colaboradores eventuais do Laboratório de Políticas de Comunicação da UnB – Lapcom]