Da mesma forma que a Constituição diz que todos são iguais perante a lei, o princípio da neutralidade da rede diz que todos os usuários e conteúdos devem ser iguais perante a rede. Essa ideia, longe de ser um tecnicismo de pouca importância, é o pilar da internet. Ela mantém a rede aberta à inovação, à competitividade e à livre iniciativa, à liberdade de expressão e a melhores serviços para o usuário.
Sem neutralidade, a internet fica parecida com a TV a cabo. Os provedores de conexão passariam a oferecer diferentes “pacotes” de serviço. O básico daria acesso apenas a e-mails e mensagens instantâneas. Já o “premium” permitiria acessar música e redes sociais. O “superpremium” permitiria então acesso a vídeos e download de arquivos. Essa situação, hoje impensável, surge no horizonte quando a rede deixa de ser neutra. Em vez de uma, aparecem várias internets restritas, sem os serviços que caracterizam a experiência completa da rede.
Mais grave, os provedores ganhariam o poder de bloquear ou dificultar conteúdos e serviços. Por exemplo, poderiam bloquear o Skype, evitando a competição com a telefonia. Ou ainda reduzir a velocidade de carregamento de vídeos, evitando a competição com serviços de “triple play”.
Aberta e democrática
A neutralidade da rede assegura que todos os conteúdos, do e-mail a um vídeo, sejam tratados de forma não discriminatória. Assegura também que todos os usuários, pequenos ou grandes, receberão tratamento equivalente. De outro modo, os provedores poderão cobrar “pedágio” para que um site carregue mais rapidamente. O resultado é trágico para a competitividade. Os grandes sites pagarão para seus conteúdos carregarem rapidamente. Já os pequenos ficarão condenados a uma velocidade de segunda classe, perdendo público.
Ou seja, em vez de expandir a rede e aumentar o número de usuários para gerar mais receitas, os provedores, sem neutralidade, podem simplesmente extrair mais receitas da mesma rede, discriminando serviços. Isso prejudica os incentivos para ampliação da rede e aumento da inclusão digital.
Por todas estas razões, o Marco Civil da Internet – projeto de lei em tramitação no Congresso – elegeu a neutralidade como elemento fundamental. Não está sozinho. Os EUA, a França e até mesmo o Chile estão tomando medidas robustas para proteger a neutralidade. Entendem que sem ela a rede perde o papel de alavancar o desenvolvimento e a inovação. Vale lembrar que o Marco Civil não é só mais um projeto de lei. Ele foi redigido após um inédito, amplo e aberto processo de consulta pública conduzida por mais de dois anos pelo Ministério da Justiça. Por todas estas razões, é chamado de “a Constituição da internet”.
Faz sentido. Afinal, a neutralidade relaciona-se diretamente à liberdade de expressão. Com ela, todos falam em iguais condições na internet, evitando controles ou bloqueios. Sem ela, quem tiver mais dinheiro pode privilegiar seus conteúdos e, assim, prejudicar os demais.
Proteger a neutralidade da rede garante que a internet continue aberta, democrática e inovadora em nosso país. Para isso, aprovar o Marco Civil e os direitos por ele assegurados é o primeiro passo.
******
Ronaldo Lemos, advogado, integra o Conselho de Comunicação Social com sede no Senado Federal, como representante da sociedade civil