Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Olhos que brilham

A difícil concorrência com as tecnologias e a aparentemente inglória batalha contra o Facebook em sala de aula: eis uma luta diante da qual não basta tentar inibir o uso dos computadores nas aulas. Os tablets, os ifones e os celulares sempre estão por perto, nas mãos de alguns alunos que, basta uma distração do professor, deslizam seus ágeis dedos pelo teclado dos aparelhos. Quem ensina e quem estuda sabe bem do que estou falando…

Mas e daí, como enfrentar esse tipo de questão de forma propositiva? A educação, além de seus aspectos intelectuais, tem uma esfera importante: a dimensão relacional. Talvez esse tenha sido um dos principais pontos que aprendi com meu coorientador de doutorado, o premiado e reconhecido educador português João Formosinho, da Universidade do Minho. Parte da tese sobre formação de jornalistas que defendi na USP há dois anos, e que acaba de ser lançada em livro, trata exatamente dessa questão.

Esse aspecto diz respeito à forma como professor e alunos se relacionam em sala de aula e como estendem essa relação para além dela. Em outras palavras, a dimensão relacional refere-se à maneira como esses dois atores constroem o que há de mais nobre no processo educativo: o sentido de uma educação para a vida, para a construção do indivíduo holístico, pleno, feliz.

Paciência, estratégia e cautela

Assim, como professor, tenho procurado investir em um processo pedagógico baseado na troca de confiança com os alunos. Menos proibição e mais estímulo à responsabilidade de cada uma das partes. Conversa, diálogo e parcerias pedagógicas entre professor e turma. O que tenho buscado, como educador, não é apenas que os estudantes se sintam obrigados a prestar atenção às aulas e desperdicem menos energia distraindo-se nas redes sociais. É algo mais importante: é que eles se responsabilizem pelo que vieram fazer em sala de aula – aprender jornalismo – e que, de resto, se responsabilizem por suas vidas e por seu futuro. Mas reconheço: o êxito desse tipo de prática nem sempre é fácil de ser alcançado.

Numa sociedade em que as pessoas resistem a amadurecer, como têm observado especialistas da área comportamental, como Contardo Calligaris, e diante das quais as tecnologias e as redes sociais parecem um braço importante da “adolescentização”, o processo educativo de verdade é um caminho que exige paciência, estratégia e cautela. “Não desista desse caminho, Enio. A educação é um pouco isso também”, diria meu coorientador. Mas como fazer? Eis uma das questões diante das quais tenho me colocado desde que comecei a pesquisar formação de jornalistas, ainda no mestrado na USP, em 2003, e que levei para o doutorado, defendido em 2011.

Durante oito anos, entrevistei cerca de sessenta pessoas, entre alunos, educadores e professores de Jornalismo. Tive algumas pistas: ser transparente nos critérios avaliativos, integrar teoria e prática no processo educativo e estimular o aluno a discutir e responsabilizar-se por sua própria formação são algumas direções.

Meus olhos também brilham

Apesar do trabalho que parece inglório, algumas vezes, em outra parte dos casos, tenho tido experiências recompensadoras. Acompanhar a desenvoltura de alguns alunos em experiências laboratoriais ou no mercado de trabalho tem rendido boas emoções e muita satisfação. Inevitavelmente, é claro, são aqueles que mais se responsabilizam por sua formação e comprometem-se, de fato, com as aulas, que se dão melhor no trabalho e na vida. E não estou falando de dinheiro, mas de algo mais fundamental: de um certo brilho nos olhos.

A aluna que está escrevendo perfis, cada vez mais desenvolta, o estudante de dedicação exemplar que foi para a revista, o garoto apaixonado por futebol que foi fazer cobertura radioesportiva, o aluno e a aluna que entenderam o que é responsabilizar-se por sua formação (e por sua vida) e que foram para a emissora de TV. Estão todos aprendendo, mas com os olhos cheios de brilho, de vida, de futuro. Recentemente, um aluno entregou-me uma reportagem sua que saiu publicada em um pequeno jornal do interior paulista. Um texto perfeito (eu sou professor de produção de textos jornalísticos), tão bem escrito que me encheu de orgulho. Estava tudo lá: bom título, bom lide, aspas oportunas, bom fecho para a matéria.

Embora tenha colhidos pistas, nesses anos todos pesquisando formação de jornalistas, ainda não cheguei a uma fórmula sobre como ensinar e como cumprir minha tarefa de fazer os olhos de todos os meus alunos brilharem. Talvez isso seja impossível e, certamente, tem muito a ver com outros aspectos de formação humana de cada um deles. Ou talvez isso seja mágica… De minha parte, entretanto, vou continuar tentando, mesmo que tenha que enfrentar cotidianamente as armadilhas que hoje se colocam à educação, como o uso displicente do Facebook e das tecnologias em sala de aula, por parte de alguns alunos, a cada distração do professor.

“Desafios sempre estiveram por aí, Enio. Enfrente-os”, diria Formosinho. E vale a pena enfrentá-los. Afinal, nada mais recompensador do que o brilho nos olhos dos estudantes que aprendem responsabilizando-se por sua formação, por sua felicidade, por seu futuro. E confesso: é diante do encontro com esse tipo de aluno que meus olhos brilham também.

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Enio Moraes Júnior é autor do livro Formação de Jornalistas: elementos para uma pedagogia de ensino do interesse público (Editora Annablume, 2013), doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, professor do curso de Jornalismo da ESPM-SP e professor convidado de oficinas de redação jornalística e de cursos de pós-graduação