Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eduardo Simões

‘No ano em que se completam três décadas da morte de Vladimir Herzog, os atores da resistência à ditadura militar no Brasil, seja na luta armada, seja no front da imprensa, estão no foco de uma onda de lançamentos que contemplam os anos que se seguiram ao golpe de 1964.

Há desde uma edição ampliada de ‘Memórias de Esquecimento’, que em 2000 deu o Prêmio Jabuti ao jornalista Flávio Tavares, um dos 15 presos políticos libertados na ‘troca’ com o embaixador americano Charles Elbrick, até um livro sobre o envolvimento do regime no fim da Panair do Brasil e uma compilação de reportagens que mudaram os rumos do país.

‘Vinte anos depois da posse do primeiro presidente civil, estamos chegando a um período mais apropriado para discutir alguns detalhes, temas mais sensíveis, tanto para a direita como para a esquerda’, avalia Fernando Molica, que organizou com Marcelo Beraba, ombudsman da Folha, o livro ‘Dez Reportagens que Abalaram a Ditadura Militar’.

Molica cita exemplos de trabalhos que abalaram o regime, como a cobertura do caso Riocentro (‘o governo Figueiredo praticamente acabou ali’), feita em 1981 por Fritz Utzeri para o ‘Jornal do Brasil’. Ou o caso Delfin, em reportagem de José Carlos de Assis, publicada na Folha em 1982.

‘Esta aprofundava a discussão sobre a possibilidade de negociatas com dinheiro público. Essas matérias formam uma espécie de agenda da sociedade civil naqueles tempos: direitos humanos, fome, corrupção.’

Fundador e líder do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e ex-líder da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Aluízio Palmar dedicou 26 anos de sua vida à investigação de uma emboscada da qual quase foi vítima: em 1974, um grupo de exilados políticos, que viveu no Chile e na Argentina, foi atraído de volta ao Brasil, para uma falsa retomada da resistência armada. Dos sete ‘convidados’, apenas Palmar sobreviveu. A operação, conhecida como Juriti, envolvia o recrutamento de agentes do próprio meio da esquerda, a promessa de logística e o fuzilamento dos militantes, a maioria deles no Parque Nacional do Iguaçu. A história é contada em ‘Onde Foi que Vocês Enterraram Nossos Mortos?’.

‘Ao longo dessa busca, comecei a reconstruir minha própria trajetória e a história das crises nos grupos de ação armada, da opção pela resistência pacífica e desta última tentativa de voltar às armas’, lembra Palmar.

Em ‘Náufrago da Utopia’, Celso Lungaretti, que durante anos foi tido como um delator, relata seu envolvimento com a guerrilha, aos 18 anos, nas décadas de 60 e 70, para resgatar a memória de alguns personagens esquecidos. Segundo ele, à sombra de uma estranha tendência a se considerar que os que optaram pelas armas colheram o que plantaram.

‘Acho deprimente que pessoas pacíficas como Herzog tenham sido mortas. Mas há outros que os jornalistas, que não concordavam com a luta armada, não lembram. É preciso lembrar que os militares eram como uma tropa de ocupação, não muito diferente da que a Resistência Francesa enfrentou na Segunda Guerra. Lá, eles são venerados; aqui, há uma vontade de que essa página seja virada’, diz Lungaretti.

Em ‘Memórias do Esquecimento’, Flávio Tavares acrescenta novos detalhes sobre a ajuda do governo cubano à luta armada brasileira, pelas mãos de Herbert José de Souza, o Betinho.

‘Nas edições de seis anos atrás, lembrei que Brizola, ao voltar do exílio, revelou ter recebido fundos de Cuba, mas parei aí. Agora, retomo o tema em detalhes e conto até uma cena hilariante do Betinho, ao chegar a Buenos Aires, na volta de Cuba, quando maços de dólares caíram ao chão no momento em que ele apresentou o passaporte’, adianta Tavares.’



ECOS DA DITADURA
Marcelo Rubens Paiva

‘Certas coisas’, copyright O Estado de S. Paulo, 12/11/05

‘Que vexame. Deu no Fantástico: laudo do Instituto de Criminalística da Polícia Civil do Distrito Federal provou que a queima de documentos do período da ditadura ocorreu, sim, na Base Aérea de Salvador, e não fora dela, como indicava laudo anterior do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal. Alguém mentiu nessa história. A nova perícia fora requisitada pelo então secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, depois de denúncias que mostravam manipulação de provas. A juíza da Justiça Militar, Sheila Costa Bastos Dias, com base no primeiro laudo, arquivara o inquérito. Esses papéis, produzidos durante a ditadura pelo ex-poderosíssimo Cisa, Centro de Informações da Aeronáutica, foram encontrados queimados em dezembro de 2004. O novo laudo mostra que os documentos, que relatam ações ‘compatíveis com uma sessão de tortura’, com as palavras ‘paralisado pelos choques’, ‘nu’, ‘pendurado’, foram queimados entre 12 de setembro e 12 de outubro de 2004.

Tal desdém não é só com a História. Meu pai foi preso pela Aeronáutica em 1971. Sua tortura começou numa Base Aérea, a do Galeão, e só parou com a sua morte no DOI/Codi. A Aeronáutica de hoje, 34 anos depois, ainda teme seu passado e acoberta seus torturadores. Falsificou um laudo em conluio com a PF. Uma nova geração está no comando. Mas as práticas são as velhas.

Diziam que a Globo estava sem comando. Lamentou-se durante anos a aposentadoria de Boni e, agora, o afastamento de Marluce. Mas a censura ao beijo gay entre os atores Bruno Gagliasso e Erom Cordeiro no último capítulo de América revelou que alguém manda lá dentro, sim senhor, e muito, pois desafiou uma entidade intocável e que, até então, julgava-se todo-poderosa: a de autores de novela, profissionais que demitem diretores, escalam elenco, congelam atores, impõem gostos, músicas, temas, mobilizam milhões e geram a maior receita da empresa. Esse alguém (o diretor da Central Globo de Comunicação, Luís Erlanger, o diretor-artístico, Mario Lúcio Vaz, ou o diretor-geral, Octavio Florisbal?) desafiou e desmentiu Glória Peres, que batia recordes de audiência. Pode-se discutir o absurdo da censura, numa novela que tinha até pedofilia. Uma coisa é certa: esse cara manda (aposte em Florisbal) e quis enviar a mensagem a todos.

Mandrake, da HBO, é sensacional. Marcos Palmeira, que virou galã tardiamente, está no papel de detetive bon vivant como a lente está para a câmera. O Rio de Janeiro, do helicóptero, de madrugada, está mais lindo do que nunca. Otto, de mafioso acreano, nasceu para o papel. Até Suzana ‘Tiazinha’ Alves surpreendeu no primeiro capítulo. O problema é o mesmo dos livros do inspirador da série, Rubem Fonseca: os papéis femininos são fracos. Fonseca é um dos maiores escritores brasileiros contemporâneos. Mas as personagens femininas nunca foram o seu forte. São presas fáceis, caem na rede, encantam-se artificialmente por qualquer bobagem dita pelo Mandrake. Nada Nelson Rodrigues.

Três filmes nacionais abusaram da criatividade e ousadia. Todos de orçamento baixo, quase indies, e da nova geração: Cidade Baixa, de Sérgio Machado, Crime Delicado, o novo filme de Beto Brant, e Cinema, Aspirinas e Urubus, de Marcelo Gomes, que venceu o prêmio concedido pela 29ª Mostra BR. São três filmes impecáveis tecnicamente. Há uma angústia existencial nos três que lembra o desencanto com o tal governo que deveria trazer esperança. Coincidência, pois os três foram produzidos antes do episódio Roberto Jefferson. Coincidência?

O final de Cidade Baixa é bem estranho. Não combina com o alento que a narrativa cria. É um final tucano. Já Crime Delicado é um filme pêndulo: amam ou odeiam. No fim da sua concorrida exibição durante a Mostra, o público zuniu da sala, como se ensaiasse uma evacuação de emergência. Confesso que não sei se amei ou detestei. É tão diferente, doido, radical. Tucanei.

Mas amei Cinema, Aspirinas e Urubus, que estreou ontem e recebeu em maio, no Festival de Cannes, o prêmio da Educação Nacional, concedido pelo Ministério da Educação da França. Que baita filme, que baita fotografia, que baita elenco (especialmente João Miguel, que vive o sertanejo Ranulpho). O que rende mesmo é a história, contada ao diretor pelo seu pai, enquanto passeavam num parque daqui de São Paulo. Não adianta. A alma de tudo é a história. E o ator, escreveu Stanislavski.

E um filme cujos atores são pingüins imperadores? Estão no documentário A Marcha dos Pingüins, de Luc Jacquet, filmado na Antártida e narrado por Morgan Freeman. Não deixe de ver. Ele conta a saga de milhares de pingüins que caminham mais de cem quilômetros pelo gelo para procriar e chocar ovos. Durante o inverno! Parece uma loucura aquelas aves andarem tanto para procriar. A razão é simples. Eles precisam de um solo duro para o ovo não cair. Só que não há outra coisa a não ser gelo. Então, eles ficam se revezando, segurando por meses os ovos com as patas. Só que o frio é congelador. Eles formam um círculo e ficam se revezando na posição mais externa. Só que eles precisam comer. Os casais são monogâmicos. Quando a mãe está com fome, volta pro mar, e o pai choca o ovo. Ficam durante todo o inverno escuro nesse vaivém. E quando o ovo choca? O filhote congela, se pisar no gelo. Fica até crescer escondido no ventre do pai. O segredo desse filme é que é o macho quem balança o berço e, em um lugar do mundo, a solidariedade ainda é a arma da sobrevivência. Pena que é lá no final dele.’



MICHEL HOUELLEBECQ
Luiz Zanin Oricchio

‘Polêmica em torno de um rebelde ambíguo’, copyright O Estado de S. Paulo, 13/11/05

‘Toda cultura precisa de seus bufões, no bom sentido do termo. Quer dizer, aqueles que dizem (ou escrevem) o que lhes vêm à cabeça, sem medir conseqüências, buscando o escândalo como forma de se destacar dos demais. Convém lembrar: sob o pretexto de fazer graça, os antigos bufões tinham autorização do rei para dizer aquilo que ninguém ousava sequer pensar. Não eram e não são levados muito a sério, como convém aos bufões, mas podem ter alguma função útil na sociedade. Michel Houellebecq é esse tipo de plantão na França.

Quem leu algum dos seus livros sabe do que tratam: desfrute sexual de meninas do 3º Mundo, insultos aos islâmicos, e vai por aí. Com essa temática, Houellebecq conseguiu o que queria. Dinheiro e notoriedade. E também a ira dos incomodados, tanto assim que se viu obrigado a ir morar na Irlanda para escapar a ameaças à sua vida. Ou essa mudança teria sido mais um golpe de marketing?

Em todo caso, Houellebecq virou um personagem de mídia em tempos anódinos do ponto de vista de celebridades literárias. É o que conta a reportagem da revista Le Nouvel Observateur por ocasião do ruidoso lançamento de La Possibilité d’Une Île, seu romance mais recente, dado como virtual ganhador do Goncourt até a véspera da entrega do prêmio (leia texto acima). A Nouvel Obs registra a divisão de opiniões em torno do escritor: ‘Repugnante ou genial? Utopista totalitário ou visionário dilacerado?’ Eis aí as alternativas. E em torno de cada uma delas se alinham nomes poderosos na república francesa das letras, como o romancista Philip Forest, que coloca Houellebecq como expoente do neofascismo que surge da globalização. Entre os adeptos, o acadêmico Marc Fumaroli e um intelectual pirotécnico como Fernando Arrabal. O fato é que tanta fumaça dá certo. Seu último livro vendeu nada menos que 210 mil exemplares em quatro dias, segundo a revista. E não se trata bem de auto-ajuda. Muito pelo contrário.

O diabo é que Houellebecq conta entre seus leitores com gente insuspeita, de boa cepa esquerdista, como o ex-ministro da Cultura Jack Lang, o escritor e ensaísta Philippe Sollers, a psicanalista Elizabeth Roudinesco e a atriz Juliette Binoche. Há explicações também para isso. Houellebecq encanta por um estilo que se caracteriza exatamente pela falta de estilo. Recusa o politicamente correto que, em literatura, como em qualquer parte, significa a morte da criatividade. Lang,por exemplo, diz que Houellebecq não é ‘literariamente correto’ e por isso se identifica com ele. Essa aura rebelde, de fundo conservador, faz a sua fama. Pense em quanta gente semelhante a ele encontramos por aqui mesmo.’



SEXO NA MÍDIA
Pedro Doria

‘‘Playboy’ se salva por pouco’, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 9/11/05

‘Enfim, uma moça bacana na ‘Playboy’ – Mariana Kupfer. Foi por pouco. Quase cometeram o erro da edição Diana Bouth. O ensaio, dividido criativamente entre Night and Day, mostra 24 horas na vida da moça. À noite ela veste peruca rosa e faz caras ao redor de um mastro de metal qual stripper norte-americana. Neste caso, a turma da ‘Sexy’ acerta mais com a veterana Cissa Guimarães, que posa num palco de teatro.

Alguém na ‘Playboy’ não vai bem da cabeça e deu de importar fetiche gringo. É recorrente. Além do que, cometem um erro básico. Embora a qualidade das fotos seja mais que necessária para manter o nível, a revista vende quando coloca mulheres famosas nas páginas. Um ensaio onde a mulher famosa está tão disfarçada que não pareça consigo mesma não tem qualquer graça – na Internet, mulher pelada tem aos montes.

Mas salvam-se as outras fotos, Mariana de dia, uma graça. Alguém em algum momento diz que seu truque é a cara de menina. Qual que nada, cara de mulher, bem aparada, a maquiagem leve. Cissa na ‘Sexy’ está bacana também, impõe respeito. Chegar quase aos 50 assim inteira não é qualquer uma que faz, e Bob Wolfenson capricha nas poses para usar Photoshop de menos, assim como não esconde uma dobra de barriga ou um seio mais rente ao corpo. Elegante, as curvas continuam inteiriças.

Uma das grandes surpresas do mês está numa revista que, no olhar de relance nas bancas, parece que se chama G. É susto. Trata-se da GQ, ‘Gentleman’s Quarterly’, edição portuguesa. É que o rosto de Ana Beatriz Barros esconde o Q. (Esta sim, aliás, era uma pedida e tanto para as páginas da ‘Playboy’ pátria.)

Os editores lisboetas apresentam as técnicas de conquista das estrangeiras que freqüentam o Algarve – ‘desengane-se quem pensar que o objectivo final destes conselhos é conseguir levar o maior número de ‘bifas’ para a cama; o sofá ou a mesa da sala servem perfeitamente’. Bifa, tupinambá não quer – mas alemãs, espanholas, francesas ou suecas, como não? Pois as francesas atacam qualquer homem que mexa, as alemãs preferem um tipo de bigode e camisa aberta no peito, as inglesas são indiferentes. As melhores parecem as suecas: ‘A seguir às francesas, são as mais fáceis de conquistar, mas é preciso ser-se moreno, de olhos e cabelos negros ou castanhos’. Ser-se moreno é a chance, cavalheiros.

A traição da capa, neste mês, cabe à ‘Claudia’: ‘A pornografia entra para a família’ – e lá vai o pobre indivíduo atrás de dicas para pornografia que as mulheres gostam, quem sabe encantar a senhora. Nada. É só mais um alerta para os casamentos desfeitos. Pornografia vicia, quem o vai negar. Existe até uma ‘conexão Estados Unidos-Brasil’, aqueles produtores de lascívia do norte com suas rotas do tráfico imoral.

Pior do que esta, só os 69 segredos sexuais de garotos de programa que a ‘Nova’ promete para as leitoras. Abre-se o plástico e que é que nos dizem? ‘Passo uma rosa por todo o corpo dela até se excitar. Dou a flor de presente no fim’, conta um. ‘Com as mãos lambuzadas de óleo aromático (de alfazema, que age sobre as emoções, ou de almíscar, afrodisíaco), aperto a polpa dos polegares nos pés.’ Este é impagável: ‘Antes de começar o sexo anal, passo um dedo molhado lá. Depois, ponho o menino com jeitinho e paro’. A ‘Nova’ não reparou, mas entrevistou garotos de programa com especialidade diversa.

O que resta de consolo está na edição especial Amor & Sexo da ‘Uma’, que informa às distintas senhoras que sexo faz dor de cabeça passar. A mesma revista explica os motivos que devem levar uma mulher a masturbar-se: ‘É bom saber que se pode fazer sexo a sós pelo simples fato de estar com vontade; e porque ajuda a relaxar, quando se está tensa; a desligar, quando algo a preocupa’. Não bastasse a masturbação fortalecer a musculatura pélvica – quem diria -, noutro canto a ‘Uma’ especial recomenda às moças casadas que experimentem servir de gueixas por um dia. É de mais revistas dessas que precisamos.

Quer dizer, quase. Outro tema, e este é tema recorrente no mês, é infidelidade feminina. ‘A diferença, hoje, é que esposas também traem’, diz uma especialista. ‘Só que têm um modelo próprio e o relacionamento acaba ocorrendo com alguém que está bem próximo dela e da família, o pediatra, o veterinário, o chefe ou o colega de trabalho.’ Diferença de hoje? Mas acaso não souberam de Capitu? ‘Segundo especialistas, a traição para a maioria das mulheres está ligada à emoção, à afetividade, ao contrário dos homens, que procuram relações baseadas em sexo’ – esta vem da ‘Vitrine Mulher’, edição da primavera de 2005. Claro, claro. Ou seja: desgraçadas, o jeito é beber mais uma dose.

Não há revista feminina perfeita mas, convenhamos, servir de gueixa é mais divertido que brincar de médico, dar uma rapidinha ou espalhar bilhetinhos eróticos pela casa. Estas são as sugestões da ‘Vogue Noiva’ para apimentar a Lua de Mel. Bem, e como não? É o tipo de revista que recomenda: ‘Seja ousada, aposte no branco e preto’. Melhor sair de lado e pescar a outra ‘Vogue’, Homem, com ensaio sensual de Bruna Surfistinha à beira da aposentadoria e Daniella Sarahyba, a menina que ficaria linda se tivesse uns cinco quilos mais.

Porque alguém tem de explicar às mulheres que gente de moda não entende nada de corpo bonito. Não se trata apenas da magreza insustentável das modelos, não. Compare as mulheres nas revistas masculinas – ‘VIP’, ‘Playboy’, ‘Sexy’, não importa qual – com as das femininas. São quilos de Photoshop a mais nas femininas, é tanto que a pele fica plástica, as curvas cheiram a raspagem de ossos, qualquer vestígio de gente vai-se embora.

Nina Cerotto, a moça gata e tatuada que escreve na ‘Um’ sobre sexo, este mês recomenda aos prezados leitores que sirvam de escravos – ‘escravinhos’, na verdade – para as companheiras por um dia. Cá em seu canto, o leitor pensa consigo, gosta de serotonina, acha o pseudônimo da colunista muito simpático, mas segue até o próximo ‘Sexo nas bancas’ gostando mais da idéia da gueixa.’



MARKETING POLÍTICO
Armando Strozenberg

‘Um novo modelo’, copyright O Globo, 15/11/05

‘O calendário parlamentar foi mais rápido. Antes mesmo que tivéssemos tempo para pensar, ruminar e rever o papel da propaganda no cenário político brasileiro, à luz dos acontecimentos que abalaram a nação neste 2005, o referendo das armas veio afirmá-lo como instrumento imprescindível ao exercício da cidadania.

Entre o Sim, o Não e o Nulo, houve até quem dissesse que a campanha foi curta, que era preciso uma temporada maior para que a população fosse realmente informada, a fundo e em larga escala, sobre as razões das escolhas. Donde concluímos que, se para algo este referendo serviu, foi para sepultar, no nascedouro, propostas heterodoxas mais condizentes às matrizes autoritárias do que ao saudável ambiente da democracia.

Melhor assim, porque este debate está só começando. Afinal, a intempérie política que se abateu sobre o país acertou em cheio a propaganda brasileira. Devassados os subterrâneos das campanhas eleitorais, a propaganda despontou no pódio das CPIs como uma das vilãs de uma engenharia financeira historicamente enraizada no modelo político brasileiro.

Nesta ebulição, à publicidade foi apresentada a conta da esperança que não se cumpriu. E se (quase) tudo é culpa da propaganda política, que se acabe com a propaganda política.

Esta, porém, é uma receita que o Brasil não aceita mais e o referendo serviu para nos mostrar isso de forma contundente. É evidente que não é a propaganda a responsável pela corrupção, a lavagem de dinheiro, o tráfico de influência e a evasão de divisas. Mas também é evidente que temos que repensar como assegurar, na escala da comunicação de massa, o direito à informação essencial ao exercício sagrado do voto, pilar da democracia.

O marketing político é uma atividade que no Brasil se estruturou à parte dos demais segmentos da propaganda, até por transitar no terreno pantanoso das verbas difusas. Nos seus primórdios, no período da redemocratização, as agências costumavam licenciar o profissional escalado para criar as campanhas políticas. Constituía-se um outro ambiente para a atividade, de tal modo, que propaganda comercial e marketing político formaram dois mundos.

É a partir de Collor que o negócio muda de patamar. Passa a movimentar verbas vultosas e ainda se beneficia de um calendário que prevê eleições ano sim e outro também. O marketing político se transformou no novo filão para a indústria da comunicação. Atraiu grandes talentos – jornalistas, publicitários (diretores de arte, redatores, produtores e diretores de comerciais), planejadores, pesquisadores, promoters, estilistas, cenógrafos, designers – e respeitáveis agências.

Por que as campanhas políticas são tão espetaculosas? Por que produzir cenários superlativos, contratar âncoras do showbizz a peso de ouro, inundar as ruas com brindes, reinventar a persona de candidatos? Por que não apenas promover debates de confronto programático nas emissoras de TV e rádio? Mas por que impedir que o candidato possa também se apresentar sozinho ao eleitorado na linguagem publicitária que considerar adequada para o diálogo direto?

O referendo das armas já nos ofereceu algumas respostas. Entre a campanha-espetáculo e o retrocesso democrático do que seria uma patética reprise da Lei Falcão, devemos pensar, sim, em um modelo que seja capaz de informar, provocar o debate, estimular mais e mais participação popular, de modo a consolidar o espaço político como bem indissociável da democracia.

Nós, publicitários, temos a obrigação de buscar com os demais atores sociais deste processo – políticos, juristas, empresários da comunicação e da pesquisa, cientistas sociais, jornalistas — um novo modelo de propaganda política. Que não só dê conta de informar sem distorcer, como seja capaz de minar a mais pálida tentativa de bloqueio da informação e do padrão estético adotado, qualquer idéia de censura, retrocesso inaceitável.

A propaganda brasileira funciona em um sólido edifício, construído há 25 anos, o Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar). É este instituto exemplar do exercício de uma ética constituída de princípios claros, permanentemente repactuados e atualizados, a nossa credencial. Neste debate, o Brasil disse Sim. Sim à propaganda como bem social e político do povo brasileiro. ARMANDO STROZENBERG é publicitário.’