Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Educação não garante inclusão

A imprensa tem mostrado a face amarga da educação no Brasil. O Jornal Nacional, por exemplo, trouxe na última segunda-feira, dia 5, uma matéria mostrando as dificuldades de alunos do interior de Minas Gerais para chegar até às escolas, devido às péssimas condições das estradas. E claro, toda a imprensa nacional divulgou a tendência de queda do desempenho escolar dos alunos brasileiros na prova do Enem. Sinto que é preciso mais.

É hora de extrapolar e atacar de vez o tema. Aumentar o tom, tal como é usual dos nossos jornais fazerem a respeito das políticas externa e interna e do crescimento econômico do país. Até porque, como falar deste último sem apontar para o péssimo desenvolvimento educacional e profissional dos jovens brasileiros? Inclusive, talvez fosse bom que a imprensa se fizesse mais vezes essa pergunta.

O paradoxo tupiniquim

Em sua última edição, a revista IstoÉ tocou na ferida do país com a matéria ‘Jovens Endividados’. Mas depois parou por aí. Em geral, a matéria fala sobre jovens brasileiros de classe média que, ainda vivendo debaixo do teto dos pais, contraem dívidas que não podem pagar. Entretanto, um trecho salta aos olhos: ‘…desemprego, baixos salários e falta de iniciativa dos jovens costumam justificar esse quadro. Também conta a necessidade de se investir cada vez mais em educação para que arrumem bons empregos. Eles vão ficando e fazem faculdade, pós-graduação, tudo à custa do papai…’. Está aí um excelente gancho para começar a dar maior importância ao tema.

A educação tem sido, em todos os níveis, empecilho para a preparação dos jovens brasileiros. A imprensa deveria ‘gritar’ isso nos ouvidos dos governantes. É este o paradoxo tupiniquim. A educação não garante inclusão social e parece bem longe da palavra-chave para o desenvolvimento econômico: emprego. A maioria dos jovens, pobre, não conclui o segundo grau e fica sem condições de gerar fonte de renda própria. A minoria deles, rica, estuda e vai atrás de títulos de doutores e mestres às custas da dependência financeira em relação aos pais. Seja a falta de estudo ou o alto investimento nele, o desemprego atinge a juventude como um todo – no ano passado, pessoas entre 16 e 24 anos corresponderam a 45% dos desempregados. É evidente a relação pouco positiva entre trabalho e educação. Por que não abordar esse problema com reportagens mais ousadas?

Santos Dumont não enfrentou banca

Em entrevista por telefone concedida a este estudante, na qual a pauta era a Universidade Nova, Monclar Valverde, professor de Comunicação da Ufba, teceu uma dura crítica contra as práticas educacionais brasileiras. Ao reafirmar a conhecida reclamação da falta de investimentos e vontade política para a melhoria da educação básica no país, Valverde destacou que o Brasil passa por um profundo ‘fetichismo do diploma’, sem preocupações com a preparação real dos jovens para o mercado de trabalho (ou seja, emprego), papel que os cursos técnicos, hoje colocados em segundo plano, desempenhavam bem. ‘O diploma não é ferramenta para inclusão social nos países desenvolvidos. Na Noruega, por exemplo, país mais rico do mundo, a minoria da população está na universidade’, afirmou. Por que não dar mais espaço a visões como essa, por exemplo?

Entrevistado na última edição de IstoÉ, o cientista Miguel Nicolelis fez uma crítica parecida, mas a revista deu ênfase às descobertas tecnológicas, para variar. Disse Nicolelis: ‘… a universidade está formando profissionais cada vez mais voltados ao mercado de trabalho e se esquece de estimulá-los à criatividade. E isso se reflete nos laboratórios. A ciência brasileira ainda não atingiu seu potencial mais amplo. No Brasil, o cientista tem de passar pela universidade, fazer doutorado, pós-doutorado para conseguir fazer alguma coisa, levar adiante algum estudo. Santos Dumont nunca precisou enfrentar uma banca examinadora e entrou para a história como o maior cientista brasileiro’.

Inaptidão e incapacidade

A cada ano, o país forma mais doutores e mestres – aumento de 33% e 32%, respectivamente, de 2001 para 2006 –, mas esses números não refletem inclusão social. A imprensa não questiona isso. O governo tem priorizado o ensino superior, sobretudo é meta fomentar a pesquisa científica e tecnológica. A imprensa poderia indagar: sim, é importante investir na ciência, mas o que não é válido é destacar o avanço nas pesquisas em detrimento de condições propícias para que o jovem brasileiro possa se capacitar como profissional, nas diversas áreas, sem que necessariamente adentre por uma vida acadêmica. Os jovens ‘ricos’ estão esperando muito tempo, sob o argumento de se prepararem bem para o mercado e para começarem a arriscar suas próprias fichas na vida. E os pobres se jogam de cabeça numa maratona pela sobrevivência, a qual não dialoga, minimamente, com o que conhecemos por educação. Estes seriam argumentos jornalísticos mais que válidos junto às estatísticas alarmantes de analfabetismo, por exemplo.

As eleições da Câmara e do Senado, o PAC, Nicholas Burn e outras coisas merecem destaque, assim como, é claro, o aquecimento global da Terra. Se haverá governabilidade ou não, ou se o planeta entrará num abismo climático irreversível em x ou y anos, isso é importante, mas os olhos da imprensa devem se voltar para este contexto de inaptidão e incapacidade da juventude brasileira em prover os seus caminhos e, conseqüentemente, os da nação. Um país não pode ser lá grande coisa com jovens de cabeça baixa. É papel da imprensa alertar para isso.

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Estudante de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia