Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Em nome da transparência da informação

 

A partir de quarta-feira, 16 de maio, entrará em vigor a Lei de Acesso a Informações Públicas. Com ela, qualquer cidadão poderá solicitar ao Estado dados de interesse coletivo, exceto os confidenciais, sem apresentar justificativas. A resposta deverá ser dada, se possível, imediatamente ou em 20 dias, prorrogáveis por mais dez. Se o acesso for negado, o órgão terá que apresentar uma justificativa por escrito e o cidadão pode entrar com um recurso. O Observatório da Imprensa exibido ao vivo pela TV Brasil na terça-feira (8/5) discutiu o impacto da nova legislação na sociedade brasileira e no trabalho dos jornalistas.

A lei vale para órgãos públicos dos três poderes nas esferas federal, estadual, distrital e municipal. Informações de interesse público deverão ser divulgadas independentemente de solicitações. Devem ser informados na internet os repasses ou transferências de recursos financeiros, despesas, licitações, dados sobre programas, ações, projetos e obras. Os órgãos públicos precisarão criar um local para atender às demandas específicas da população. A informação deve ser apresentada de forma objetiva e os dados técnicos traduzidos em linguagem clara.

A lei tem pontos controversos. As empresas públicas, por estarem competindo no mercado, estariam isentas de apresentar informações estratégicas. Também geram polêmica a divulgação dos salários de funcionários públicos e a exposição da intimidade de pessoas citadas em documentos. Um dos principais avanços da Lei de Acesso a Informações Públicas é o fim do sigilo eterno. O prazo máximo para que um documento fique inacessível passou para 50 anos. A medida causará um forte impacto na administração pública. União, estados e municípios ainda não conseguem atender por completo às exigências da nova lei. E ainda falta conscientizar o cidadão sobre os seus direitos.

Alberto Dines recebeu no estúdio de Brasília o ministro-chefe da Controladoria Geral da União (CGU), Jorge Hage, e o jornalista Fernando Rodrigues, repórter e colunista da Folha de S.Paulo. Mestre em Administração Pública pela University of Southern California, Hage foi prefeito de Salvador, deputado estadual e deputado federal pela Bahia. Coordenou a assessoria da presidência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF). Rodrigues é diretor e fundador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e coordena o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas. Em São Paulo, o programa contou com a presença da diretora da Artigo 19 para a América do Sul, Paula Martins. A organização internacional de direitos humanos se dedica à proteção e promoção da liberdade de expressão e de informação.

O fim do segredo

Antes do debate no estúdio, Dines ressaltou em editorial que a falta de transparência e o sigilo estão na raiz dos casos de corrupção. “Estamos na véspera de uma revolução que poderá alterar drasticamente o formato da nossa sociedade e aumentar o peso da ação cidadã. O sigilo eterno está com os dias contados. Também os conchavos, as concorrências fajutas, as empresas de fachada, os testas de ferro. É possível que no dia seguinte, 17/5, não se notem grandes diferenças. O poder público terá que se preparar rapidamente para a era da transparência. Também a imprensa. Ela é a chave para uma sociedade mais ativa e exigente”, afirmou Dines.

A reportagem exibida antes do debate no estúdio entrevistou o antropólogo Roberto Da Matta, coordenador da pesquisa “Diagnóstico sobre valores, conhecimento e cultura de acesso à informação pública”. Da Matta explicou que o Estado brasileiro é extremamente centralizado e que a nova lei pode ajudar a deslocar a ideia de “Estado cartorial”. “Uma das coisas mais importantes em qualquer sistema que se preocupe com a esfera legal é preparar a sociedade para as leis que o sistema jurídico está fazendo. O que significa preparar a sociedade? É fazer com que ela internalize as leis – que ela saiba que tem direito a essas leis – e o Estado ter, como contrapartida, os instrumentos adequados para poder fazer com que a Lei realmente entre em vigor”, disse Da Matta. O antropólogo destacou que é preciso realizar campanhas para conscientizar a população.

Gil Castelo Branco, economista e fundador do site Contas Abertas, sublinhou que é necessária uma profunda mudança na sociedade para que a Lei de Acesso a Informações Públicas não vire letra morta: “Como dizia o ex-presidente americano Thomas Jefferson, muito mais importante que a elaboração da lei é a aplicação da lei e a aplicação da lei vai envolver a mudança de uma cultura. E o meu receio é que até o momento a lei está prestes a entrar em vigor e nós não temos sequer o decreto que a regulamente”, afirmou. “A cultura que se tem até então é a cultura do sigilo. É preciso transformar isso na consciência de todos, de que o burocrata é apenas aquele que está cuidando da informação, mas o proprietário da informação é o cidadão. Nós vamos ter que passar por um longo período até que isso prevaleça.”

Privacidade vs. informação

Na avaliação de Carlos Fico, professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a lei tem avanços no que se refere à proteção da imagem e, por isso, facilitará o trabalho de historiadores. “Ela tem um artigo que diz o seguinte: no caso de fatos históricos relevantes para o conhecimento do passado brasileiro, não se poderá alegar a questão da privacidade, da honra e da imagem. Então, no dia seguinte à regulamentação da Lei de Acesso à Informação, eu vou me dirigir ao Arquivo Nacional pleiteando justamente aqueles documentos que nos últimos tempos têm tido seu acesso impossibilitado sob essa alegação da privacidade”. Fico explicou que atualmente há uma série de normas e prazos que inviabilizam determinadas pesquisas históricas.

O Observatório convidou o repórter Chico Otavio, da editoria “O País” do jornal O Globo, para mostrar como é o dia a dia de jornalistas investigativos. Em tese, qualquer cidadão poderia consultar um processo que não corra sob segredo de Justiça. Mas no guichê de atendimento ao público do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), um funcionário disse ao repórter que o acesso ao processo dependeria da avaliação do cartório por não se tratar de uma das partes envolvidas no caso ou de um advogado.

Chico Otavio relatou que encontra dificuldades como esta na maioria das instituições e arquivos que frequenta: “Quando me anuncio na condição de repórter eu gero ali alguma insegurança do serventuário e ele, então, prefere consultar o juiz para dar ou não acesso ao documento”, contou. Chico Otavio explicou que há dificuldades práticas porque parte dos acervos não está digitalizada e organizada. Chico acredita que a Lei de Acesso a Informações Públicas irá melhorar este panorama, mas a transformação não será rápida porque depende de uma mudança de cultura. “O que vale aqui é o chororô, a capacidade de convencimento do repórter, e não a regra, e não a ideia de que a maior parte dos documentos é pública”, disse o jornalista.

Um passo histórico?

No debate ao vivo, o ministro Jorge Hage disse que a sociedade brasileira está às vésperas de uma revolução que poderá mudar uma cultura de sigilo, cultivada há 500 anos no país. “Uma lei sozinha não muda nada. A lei é o ponto de partida, o primeiro passo”, alertou o ministro. Com a nova lei, o agente público atuaria apenas como detentor dos documentos e não “dono” da informação que pertence à sociedade. A regra passaria a ser a transparência. O sigilo, a exceção. Em relação às críticas sobre o atraso de órgãos públicos e instituições para atenderem às exigências da lei, o ministro Hage ponderou que o Brasil foi o país que teve o menor prazo para se adaptar às mudanças. Enquanto a média dos países que têm leis semelhantes é de dois anos, o Brasil teve apenas seis meses de transição.

Jorge Hage acredita que a implantação da lei será um processo gradual de aprendizado: “Estamos fazendo o melhor possível. Sabemos que no dia 16 de maio não é por um estalar de dedos que tudo estará funcionando às mil maravilhas. Não vai. Em país nenhum, pelo menos em países com a dimensão brasileira”. O ministro-chefe da CGU garantiu que o governo fiscalizará o cumprimento da lei por meio de diversas medidas práticas. “Nós vamos poder acompanhar pelo próprio sistema de processamento dos pedidos. Vai ser possível saber, centralizadamente, cada pedido, a quantidade de pedidos que entrou em cada ministério, quantos estão pendentes, quantos passaram do prazo, quantos foram negados”, exemplificou o ministro.

Dines perguntou a Fernando Rodrigues o que a imprensa pode fazer para que a nova lei seja incorporada no comportamento da sociedade. Na avaliação de Rodrigues, a função da mídia neste primeiro momento é fundamental porque ela será o primeiro setor da sociedade a demandar informações dos órgãos públicos. O jornalista ressaltou que é importante que a imprensa esteja atenta às esferas municipais e busque informações de prefeituras e câmaras locais.

“Em um segundo momento, eu acho que a sociedade poderá incorporar este valor no seu dia a dia. Entender como é feita a coleta de lixo, quanto se gasta para fazer isso, saber como é feita a organização das escolas, dos serviços de saúde. Ter as informações para poder cobrar dos governantes um serviço melhor, que será prestado com base na informação que a população vai receber por conta desse novo direito que está sendo implementado agora”, disse Rodrigues. A aplicação das punições previstas na lei e a fiscalização da imprensa são os meios para que a cultura de transparência torne-se natural no Brasil.

A Lei de Acesso pelo mundo

Otimista, Paula Martins acredita que a lei será um caso de sucesso. A representante da Artigo19 explicou que alguns dos desafios encontrados na implementação da lei já foram resolvidos por outros países. Os resultados podem ser adaptados à realidade brasileira, como a organização dos arquivos e a escolha da base tecnológica. Por outro lado, a legislação brasileira tem particularidades decorrentes das escolhas dos nossos legisladores. Uma delas é a ausência de um órgão de análises de recursos independente. “Nós vamos ter que desenvolver o nosso próprio jeito de fazer valer a Lei de Acesso a Informação para tirá-la do papel e torná-la pratica cotidiana no país”.

Leia também

Segredos públicos – Editorial da Folha de S.Paulo (6/5/2012)

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O fim do sigilo eterno

Alberto Dines # editorial do programa Observatório da Imprensa na TV nº 638, exibido em 8/5/2012

As bombásticas revelações produzidas pelo caso Carlinhos Cachoeira e a intensa polêmica sobre as relações de jornalistas com fontes suspeitas, em última análise relacionam-se com uma disfunção entranhada nas instituições nacionais: a falta de transparência e o sigilo sobre informações que deveriam estar disponíveis.

Leis não mudam uma sociedade da noite para o dia, porém podem mudar comportamentos. E, a partir do próximo dia 16, qualquer cidadão poderá solicitar dados de interesse coletivo sem apresentar justificativa. A lei vale para os três poderes nas esferas municipal, estadual e federal, tribunais de contas, Ministério Público, autarquias, empresas estatais e sociedades de economia mista. A exceção fica com os dados considerados confidenciais.

A resposta deve ser dada pela autoridade no prazo máximo de 20 dias, prorrogáveis por mais dez. E, se o acesso for negado, o órgão terá que apresentar justificativas por escrito e o cidadão prejudicado poderá entrar com um recurso. Quem se recusar a fornecer informações será considerado transgressor e sujeito a punição.

Estamos na véspera de uma revolução que poderá alterar drasticamente o formato da nossa sociedade e aumentar o peso da ação cidadã. O sigilo eterno está com os dias contados. Também os conchavos, as concorrências fajutas, as empresas de fachada, os testas de ferro.

É possível que no dia seguinte, 17 de maio, não se notem grandes diferenças. O poder público terá que se preparar rapidamente para a era da transparência. Também a imprensa. Ela é a chave para uma sociedade mais ativa e exigente.

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A mídia na semana

>>Nossa mídia acompanhou com muito interesse todos os lances que cercaram o asilo em instalações americanas do ativista chinês cego, Cheng Guangcheng, perseguido pelas autoridades do seu país. É um caso dramático, ainda não encerrado, que merece toda a nossa solidariedade. Mas, em matéria de direitos humanos e transparência, as confissões do ex-delegado do Dops, Cláudio Guerra, publicadas em livro lançado no último fim de semana, ganham maior relevância porque revelaram como desapareceram os corpos de dez militantes políticos presos nos cárceres da ditadura. Mesmo que a versão do agente da repressão contenha informações duvidosas, o teor do conjunto é de tal forma bombástico que não se justifica a apatia da mídia. Justamente porque o Brasil é um país democrático, ao contrário da China, é que todas as revelações precisam ser devidamente apuradas e investigadas. Até o fim. Quando a imprensa se desinteressa, as denúncias ficam no meio do caminho.

>>No exato momento em que a CPI mista do Congresso começa formalmente a investigar o Escândalo Cachoeirinha com todos os seus desdobramentos, é preciso lembrar que a mídia sempre foi parceira consciente de arapongas, produtores de fitas, vídeos e dossiês secretos. A expressão “jornalismo fiteiro” originou-se deste conluio que começou ainda no governo FHC e chegou ao paroxismo em 2006, quando os chamados “aloprados” infiltraram um dossiê falso nas páginas de um semanário de grande circulação. Se a mídia tivesse o salutar hábito de discutir seus desempenhos, as informações de fontes suspeitas seriam mais bem checadas. E menos suspeitas.

>>No fim da semana passada, fotos da atriz Carolina Dieckmann nua vazaram para a internet e agitaram não só a grande rede, como nossa mídia também. As fotos, pirateadas de um computador da atriz, foram parar em um site pornográfico da Inglaterra. Por aqui, os sites noticiosos optaram por expor imagens mais comportadas, só que muitos indicavam links para páginas com todo o “acervo”. Nos jornais do dia seguinte, felizmente, o fato foi tratado com mais cuidado. Poucos destacaram a notícia na primeira página, mas alguns não resistiram à tentação. Além de estampar fotos da atriz nua, ainda apelaram para manchetes de mau gosto.

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[Lilia Diniz é jornalista]